“Boa parte dos caras que dizem nos odiar, nos amam secretamente“. KROEGER, Chad.
A frase acima faz parte de uma entrevista que o vocalista do Nickelback concedeu ao Hollywood Reporter em 2012. Nessa mesma conversa, o capitão da banda canadense também contou uma história interessante vivida pelo baterista da banda, Daniel Adair. “Certo dia ele estava na academia e um cara o abordou dizendo que era fã do Nickelback. Além disso, o cara perguntou ao Adair porquê dez entre dez amigos dele diziam odiar a banda, mas ainda assim oito daqueles tinham no mínimo três discos da banda”.
Talvez você que esteja lendo isso não está entendendo e muito menos tenha três discos da banda em sua casa, mas enquanto eu escrevo esse texto, olho para o alto da mesa onde estou e vejo os álbuns Silver Side Up, The Long Road e No Fixed Address bem guardados no meio de discos da Patti Smith, Mark Knopfler e Fito Paez, o que me faz pensar que, talvez, esse caso contado por Chad realmente não seja um caso tão isolado assim. No entanto, eu não odeio o Nickelback… ou pelo menos parte dele, se assim podemos dizer.
Para começar a contar essa história, preciso voltar lá em 2001. Estava eu com 14 anos quando ouvi pela primeira vez aquela guitarrinha safada acompanhando a voz de Chad nos versos iniciais de “How You Remind Me”. Rapidamente, aquela música tomou as rádios e canais musicais de TV em todo mundo, graças a sua carinha de baladinha romântica associada a um refrão explosivo, fazendo com que ela batesse no topo do HOT 100 da Billboard e ficando lá durante quatro semanas daquele ano.
Alheio a isso, eu era só um moleque de 14 anos que descobria uma banda nova para chamar de sua, o que me fez buscar o Sliver Side Up e fazer um download ilegal para conhecer melhor os caras. Lá estavam “Never Again”, “Woke Up This Morning”, “Too Bad”, “Just For”, “Hollywood”, “Where do I Hide” e foi quase um amor ao primeiro play. Lembro de apresentar pros meus primos e amigos de escola como se a banda fosse a “salvação do rock”, aquele gênero que para alguns precisa ser salvo até hoje. Com o tempo, o disco passou a ser um dos que eu mais ouvia, mas uma característica que você entenderá mais adiante já se fazia presente: “How You Remind Me” era cada vez menos tocada. Sempre que eu tinha a chance de pular a música, lá estava meu dedo nervoso encerrando a música antes de Chad soltar a famosa “Never made it as a wise man”.
Entre eu ouvir pela primeira vez e o Nickelback soltar um novo álbum, passaram-se dois anos. Nesse tempo, aproveitei para ouvir melhor os álbuns Curb e The State e curtir o DVD Live At Home. O Nickelback era algo próximo de um grunge de banho tomado. Era como se o Nirvana tivesse entrado no chuveiro e não falasse mais de temas tão intensos e/ou sujos em suas letras. Isso ficou mais claro com o lançamento do quarto álbum dos canadenses, The Long Road.
Após o sucesso de “How You Remind Me”, era natural que a banda buscasse um novo hit. No entanto, o disco começa com a agilidade de “Flat on the Floor” e você até chega a pensar que a banda vai tentar manter o padrão dos álbuns anteriores. “Do This Anymore” é uma balada aceitável, mas é em “Someday” que a coisa fica séria. Se a banda queria um novo hit para tocar no rádio e conseguir boas posições nos charts, conseguiu. Se o primeiro single oficial do álbum não teve um alcance tão estrondoso como a música do disco anterior, ela foi TOP 5 em muitos lugares e mostrou ao Nickelback qual era o real caminho das pedras para a banda atingir o tão sonhado estrelato. A banda, que já fazia um grunge 2.0 questionado por muitos, resolveu tomar um novo banho, mas dessa vez de loja. Se “Believe It Or Not”, “Because Of You”, “Figured You Out”, “Throw Yourself Away” e “Another Hole in the Head” eram boas músicas, foi com “Someday” e “Feelin’ Way Too Damn Good” – uma das piores músicas do disco – que o The Long Road teve bons resultados.
2005 chega e com ele um novo álbum do Nickelback. All The Right Reasons é o primeiro disco da nova formação, que perdeu o baterista Ryan Vikedal e recrutou o já citado Daniel Adair, que cumpria expediente no 3 Doors Down. Ao ouvir o disco, você nota uma bateria muito mais marcante ao longo das músicas mais pesadas, representadas por “Follow You Home”, “Animals”, “Fight for All the Wrong Reasons”, “Next Contestant” e “Side of a Bullet”. No entanto, a banda apostou mais nas baladas para se fazer presente no rádio. “Animals” até foi bem nos charts, mas foi com a trinca “Photograph”, “Savin’ Me” e “Rockstar” que a banda vendeu melhor o trabalho. E isso porque não falei da irritante “Far Away” e de “If Everyone Cared”.
A entrada de Adair na banda começou a acentuar na minha cabeça uma ideia de que existiam dois projetos em um, o que acabou se reforçando com o trabalho seguinte, Dark Horse. Lançado em 2008, o disco levou o Nickelback para um outro caminho… um caminho diferente do meu. Para quem gostava dos três primeiros álbuns, ver o quarteto soando como uma versão piorada do 3 Doors Down – e olha que eu gosto da banda do Brad Arnold – incomodava. Lá estavam “Something in Your Mouth” e “Next Go Round” para me agradar, mas a fórmula de entregar baladas mastigadas se fazia presente com “Gotta Be Somebody”, “If Today Was Your Last Day” e “I’d Come for You”. Nenhuma delas causou tanta repulsa como “Never Gonna Be Alone” – mas eu não sabia ainda o que o futuro nos reservava. Se essa música serviu para algo, foi para colocar um ponto final em qualquer esperança minha de salvação do Nickelback.
De lá pra cá, o Chad e companhia não despertaram tanto interesse nos meus ouvidos. Em 2011, a banda soltou o Here and Now sem grandes destaques além da faixa “Midnight Queen”. Em 2014, veio o mais recente e confuso No Fixed Address. Desse, eu me lembro de como “She Keeps Me Up” me fez rir e isso é suficiente para dar ao disco o título de pior coisa que o Nickelback fez até hoje.
O problema é que o Nickelback vende e, se vende, é por causa das baladas soft-rock como “How You Remind Me”. Só nos EUA, a banda vendeu mais de 20 milhões de discos até hoje e ser uma banda de rock cujos principais sucessos são baladas acaba incomodando os tradicionalistas do gênero.
Não faz muito tempo, li trechos de um estudo feito por Salli Anttonen, estudante da University of Eastern Finland, que analisava vários artigos sobre a banda tentando reunir os pontos comuns em torno das criticas aos canadenses. No geral, boa parte dos questionamentos se dava pela falta de originalidade ou autenticidade. Para muitos, o Nickelback é uma banda incapaz de apresentar algo novo em sonoridade e, principalmente, transpira algo totalmente planejado, como se a banda não tivesse naturalidade e cada passo fosse cuidadosamente calculado. Quando se fala isso de artistas pop, é algo bem aceitável e não podemos negar a presença dessa estrutura. Agora, quando isso é creditado a uma banda de rock acaba gerando haters.
Eu acompanhei a banda durante toda essa transformação e, inclusive, tenho uma teoria capaz de definir o Nickelback, da qual falei rapidamente ao longo do texto: Existe a banda dos singles melosos para tocar no rádio e existe uma outra banda, cada vez mais oculta, que tenta fazer um bom e velho rock. Claro que essa é uma teoria pessoal e, provavelmente, não é algo que tenha sequer passado pela cabeça da banda até hoje, mas tente se despir de todo o conceito elaborado sobre a banda e faça um exercício rápido: Analise cada um dos álbuns lançados depois do Silver Side Up e perceba que você consegue dividir cada um deles em dois blocos bem distintos. Se você notou, eu fiz isso ao longo do texto – e vou deixar explícito agora em forma de duas playlists.
Goste você ou não, dentro do que se propôs a fazer de 2003 para cá, o Nickelback executa bem o seu trabalho, entrega singles de alta rotação para as rádios e explora isso com maestria. Isso é indiscutível. As baladas podem não ser boas como a que apresentou a banda ao mundo e a fórmula pode estar se desgastando cada vez mais, mas a banda não atingiu esse status sozinha.
Isso me faz lembrar inclusive de quando vi a banda ao vivo em 2013, abrindo o show do Bon Jovi em São Paulo. Aquele foi meu último contato por muito tempo com o Nickelback – antes desse texto, claro – e, por ser a banda de abertura, eles tocaram 11 músicas durante aquela apresentação no Morumbi. O engraçado é que em cada uma das baladas tocadas, o público cantava como se não houvesse amanhã. E a banda ainda premiou os mais de 60 mil presentes com uma sequência de “Photograph”, “Far Away”, “When We Stand Together” e “Savin’ Me” que foi tão dolorosa para mim e tão amada por muitos em volta que fez com que eu me sentisse realmente incomodado por não estar curtindo.
Essa experiência só reforçou essa visão de que existem duas bandas em uma. Ou que existem dois grupos de fãs: Os que gostam da banda por inteiro e os que gostam só das músicas mais rock n’ roll, o que seria o meu caso. O problema é que essa pequena parcela de fãs dificilmente vai se satisfazer com o formato atual da banda. Um exemplo disso são os setlists dos últimos dez shows da banda em 2015, durante a No Fixed Address Tour. Sabe quantas músicas dos álbuns Curb e The State foram tocadas? Um total de zero. Teve cover do Led Zeppelin, teve “Everlong” do Foo Fighters, medley com “Hotel California” e “Summer of ’69”, teve até “Hero” – aquela música grudenta do Chad Kroeger para a trilha sonora de Spider-Man, mas não teve nada dos dois primeiros discos.
Ou seja, a banda parece cada dia mais confortável com o som que faz e com os caminhos que escolheu. Muito disso pode ser visto nas formas com o Nickelback lida com as críticas. Em nenhum momento, você vê a banda tentando mudar a sua imagem perante aos críticos. Aliás, para uma banda cujo primeiro nome era Village Idiots e tem o seu atual nome tirado do fato de que o seu baixista trabalhava no Starbucks e normalmente devolvia troco em moedas dizendo “Here’s your nickel back”, dá para se imaginar que a banda não levaria essas coisas tão a sério.
sdds nickelback de raiz. nickelback moleque. nickelback toco y me voy
O fato é que a banda – e principalmente Chad – aprenderam a lidar com o mercado de uma forma saudável para eles. O vocalista por várias vezes falou sobre como percebeu que o mundo funciona após entender o monólogo do personagem de Brad Pitt no filme O Clube da Luta. Lá está Tyler Durden falando sobre como todos tentam te vender as mais diferentes coisas que você não precisa, mas acaba adquirindo e, talvez, Chad tenha levado isso ao pé da letra junto com o resto da banda. Eles estão se aproveitando do mercado musical, vendendo as suas músicas para pessoas que, mesmo não gostando, acabam consumindo das mais diversas formas e dando retorno para o Nickelback. Não é à toa que Chad sozinho tem um patrimônio estimado na casa dos 60 milhões de dólares, né?
Você pode não gostar… ou dizer que não gosta para parecer a pessoa legal. Você pode xingar e enumerar diversos motivos para criticar a banda, mas Chad, Mike Kroeger, Ryan Peake e Daniel Adair estão tão confortáveis com isso que o único pensamento que deve passar pela cabeça da banda é o famoso “falem bem, falem mal, mas falem de mim”. E isso ainda dá dinheiro. É quase o mundo perfeito, não é mesmo?
Nesse momento, me lembro que já gostei da banda um dia e não acho isso tão perfeito assim…