Quem me conhece sabe que eu tenho um caso de amor com o Lollapalooza Brasil e, pelo terceiro ano seguido, bati ponto em Interlagos para colocar o pé na lama (literalmente) e curtir os dois dias de shows.
É engraçado acompanhar a transformação do Lolla ao longo do tempo, perceber como ele atingiu o seu atual formato e como vai se consolidando como um festival dos diferentes estilos e das diversas tribos, sejam elas musicais ou não. O Lollapalooza chegou aqui como um festival essencialmente rock e, assim como as edições de Chicago, foi abrindo espaço para outros estilos de acordo com o tempo. Ainda tem rock em suas variadas vertentes, mas hoje em dia tem pop, tem eletrônico, tem rap e, ao contrário do que muitos pensam, essa variedade acabou fazendo bem ao festival. Ainda que o lineup não seja o mais feliz em todos os seus nomes, o festival passa bem e, em meio a incertezas com relação a sua lotação, entregou um bom público e já confirma a sua edição 2017.
No entanto, antes de falar do que vem por aí, precisamos entregar o que aconteceu em 2016, certo? Ao andar por Interlagos, fiquei com a sensação de que nunca tinha visto tanta gente bonita em um festival na minha vida. Da mesma forma, acho que esse foi o Lolla mais jovem com o qual me deparei até hoje. Reflexos das mudanças promovidas no lineup e, porque não, no foco em toda a experiência oferecida a quem se desloca ao Autódromo. Com uma estrutura mais feliz que nos anos anteriores, o Lollapalooza teve dois êxitos que merecem destaque: A transformação do Palco Perry em um espaço aberto foi, talvez, o tiro mais certeiro do festival. Passar por ali durante as apresentações do Flosstradamus no sábado e acompanhar os shows da Karol Conka e do Emicida no domingo foram momentos bem interessantes em um espaço que eu tinha medo do resultado final. Apesar de algumas reclamações de fãs da Florence + The Machine com relação a interferência vinda do show do Zedd, eu pessoalmente consegui curtir os shows em cada um dos espaços sem que o som que tocava no outro palco pudesse me atrapalhar.
O segundo ponto positivo é que, cada vez mais, o festival usa o terreno oferecido pelo Autódromo. Esse ano tivemos mais espaços de interação entre público e patrocinadores, tivemos caixas e banheiros bem distribuídos e caminhar por todo o local, apesar do cansaço que gera, foi até uma experiência tranquila. Claro que se não tivesse chuva no dia anterior ao festival e os espaços de terra fofa que viraram lama seria melhor, mas isso não é culpa do festival, né? No geral, não sofri com a estrutura e, entre as conversas que tive nos últimos dias, o saldo do Lolla nesse quesito é bem positivo.
O meu plano era começar o sábado vendo o Supercombo, passando pelo Vintage Trouble e, na sequência, o Eagles Of Death Metal. Como planos acabam sendo desfeitos, acabei perdendo os dois primeiros e chegando ao Palco Onix já na metade do EODM. Se a parte perdida tiver sido parecida com o que eu vi, certamente a banda deveria fazer parte do top de melhores shows do festival. A amiga e companheira de Lolla Larissa Niero resumiu o show com a frase “foi foda”. Acho que é bem suficiente. Queria ter visto completo, mas quem sabe na próxima. Do EODM parti rumo ao Bad Religion e, ao chegar no Palco Skol, já fui teletransportado para os anos 90. Greg Graffin comandou o show e entregou aquilo que a banda tá acostumada. Muito punk rock, velocidade, letras fortes e que foram cantadas por muitos que estavam por lá naquela hora… até mesmo por fãs do Tame Impala. Sim, é sério.
Terminado o Bad Religion, segui para o show do Of Monsters and Men. Eu não esperava muito da banda islandesa mas, durante todo o tempo em que estava no Palco Onix, confesso que eu aguardava por algo que me fizesse gostar mais do show comandado pela doce voz da Nanna Hilmarsdóttir e por Ragnar þórhallsson. Do início ao fim, aquela sensação de que faltava algo bateu na cabeça e, pensando com mais calma – já na ida para o segundo dia de Lolla, me veio a resposta: Faltou sol. Para uma pessoa que se influencia com o ambiente em um show, faltou o pôr do sol. Tente imaginar aquele céu bonito, azul, com o sol se despedindo… agora coloca o Of Monsters and Men como trilha sonora, especialmente “Mountain Sound”. Entendeu, né?
Saindo do Onix, surgiu a primeira dúvida do festival: Ver Tame Impala, Halsey ou Flosstradamus? Em uma escolha sensata, acabei vendo um pedaço de cada um dos que me interessavam, começando pelo Flosstradamus. Foi a minha primeira passagem pelo Trident at Perry’s e o som forte entregue pelo duo americano acabou fazendo eu gostar mais do espaço. Não a ponto de brigar com o Palco Onix, mas parece que ganhamos um outro ponto bem legal de shows no festival. De lá, subi para ver um pouco da Halsey. Pouco conhecia dela até então, mas a sua voz já impressionou de cara. Por lá, consegui ouvir “Control”, “Ghost”, “Is There Somewhere” e “Hurricane”. Talvez, se tivesse dado a devida atenção a Halsey antes, não teria ficado em dúvida nessa faixa de horário. O Tame Impala? Bom, aproveitei para comer e acho que fiz a melhor escolha.
De volta ao Onix, fui dar uma olhada no Mumford & Sons. Frio, garoa e um show morno contribuíram para que eu sentasse e curtisse aquilo bem acomodado durante boa parte das 14 músicas antes do bis. Foi bom ouvir “Little Lion Man”, “Snake Eyes” e “Believe” ao vivo. Foi bom ver que, ao vivo, a banda não abandonou completamente as características dos álbuns anteriores. No entanto, foi morno. Não funcionou e, dessa vez, não dá pra colocar a culpa no clima como fiz com o OMAM. Saí pouco antes do bis começar e perdi “I Will Wait”, mas acho que nem isso faria o show ter uma posição melhor no meu ranking pessoal.
O cansaço do dia já batia e ainda tinha a dúvida final para sanar: Ver o Eminem ou Marina and The Diamonds? Como falei por aqui nos posts pré-Lolla, tinha uma dívida comigo mesmo e, por isso, fiquei no Palco Skol para ver o rapper. Com um show redondo e bem entregue, Eminem tinha tudo para ser o nome da noite – e até foi para muita gente. Eu vi o show de longe e, de onde tava, o som não ajudou. Insisti e fiquei por lá até a 22ª música de um setlist de 32. Foi com “Love The Way You Lie” que os pedidos por um banho e cama falaram mais alto e eu fui rumo a saída. No entanto, valeu a permanência. Perdi “My Name Is”, “The Real Slim Shady”, “Without Me” e imagino que o Palco Skol tenha ido abaixo quando elas foram tocadas, mas ouvir “Business”, “Rap God” e pedaços de “Just Don’t Give a Fuck”, “Sing For The Moment” e “Like Toy Soldiers” já valeu pela noite. Espero conseguir riscar um show do Eminem por completo no futuro.
Na saída, ainda dei uma olhada no show da Marina. A voz dela realmente chama a atenção ao vivo e, talvez, eu teria visto o show se não tivesse batido horário. Naquele momento, eu só queria o hotel e nem se o Red Hot Chili Peppers estivesse no palco eu conseguiria ficar em Interlagos. Eu acho.
O segundo dia de Lollapalooza Brasil deveria ter começado às 12:55 com o show da Maglore. De fato, começou 13:30 no show da Karol Conka, já que a logística da coisa me impediu de chegar no horário previsto. Antes da Karol, consegui pegar um trecho do show da Versalle no Palco Axe e ouvir a única música que eu realmente queria ouvir, “Verde Mansidão”. Questão de sorte talvez, mas que me deixou feliz.
Ao descer para o Trident at Perry’s, já veio a primeira surpresa do dia: Karol promoveu um verdadeiro tombamento com um público que eu realmente não esperava. Pensei que as pessoas já se organizariam para ver o Walk The Moon, mas boa parte resolveu ver de perto o que a Karol ia aprontar. E que show. Um dos melhores do festival para mim. “Gueto Ao Luxo”, “Gandaia”, “Caxambú” e “Tombei” foram pontos altos da apresentação, que ainda teve participação de MC Carol na faixa nova “Toca na Pista”. Valeu mesmo a pena.
Enquanto eu subia para ver o SEEED, a Mari Duarte já estava lá no Palco Onix para ver o Walk The Moon. “Muito animados e ansiosos para tocar no Brasil, o quarteto do Walk To The Moon se mostrou bem firme ao vivo. Cabelos coloridos, pinturas no rosto, muita alegria, foram o que comandaram o power pop da banda. Apesar da animação do público em ‘Different Colours’ e ‘Anna Sun’, o ponto forte foi em ‘Shut Up And Dance’, certamente uma das músicas mais esperadas no show”. Do outro lado do Lollapalooza, estava eu vendo uma banda alemã fundada em 1998 com onze músicos, uma banda marcial (dessas de colégio americano) e que faz um bom reggae jamaicano. Pegou? Isso é o SEEED e, após ouvir ao vivo faixas como “Respectness”, “Ding”, “Wonderful Life” e “Dickes B”, era impossível não se pegar curtindo o show. Isso sem contar o domínio de palco da banda, as coreografias da banda e um dos vocalistas que parece o Ed Sheeran. Por todo o conjunto da obra, foi uma das boas surpresas do festival.
Fim de show, era hora de ver o aguardado (por muitos) Twenty One Pilots. Sabe aquela banda que consegue empolgar ao vivo e até te faz curtir mais o som feito por eles? Então, foi isso o que o duo fez no Palco Skol. Eu, talvez, era um dos mais céticos em torno desse show, mas acabei optando por ele do que ter a chance de ver um pedaço do show do Albert Hammond Jr. Nem faço ideia do que o guitarrista do Strokes aprontou por lá, mas sei que o Twenty One Pilots acabou fazendo um show interessante, ainda que curto. Se não foi um show capaz de arrebatar corações (o meu, pelo menos), conseguiu a atenção de todos que estavam por lá… até que o show do Alabama Shakes começou a se aproximar.
Ver e ouvir a Brittany Howard era um dos dois momentos mais esperados por mim no domingo e, no geral, saber que o Alabama Shakes estava ali no Palco Onix me fez esquecer de algumas coisas como o lugar escolhido para ver o show. Pode me chamar de chato, mas para uma pessoa que consegue se influenciar com sol ou tempo nublado em uma apresentação, escolher um lugar inadequado acaba influenciando bastante na experiência. Ouvir “Miss You”, “Be Mine” e “Hang Loose” valeram o momento, mas ver o show depois pelo Youtube me deixou arrependido por não ter procurado um lugar melhor para ver tudo aquilo. Coisas da vida.
Passada a baixaria made-in Alabama, lá fui eu rumo ao Skol para ver o Noel Gallagher. Com um setlist lindo, Noel até deixou o seu lado ranzinza de lado por um momento e resolveu agradar os fãs do Oasis que lá estavam. Claro que, antes, ele alfinetou cada um deles com “You Know We Can’t Go Back”. Depois de ser sutil como um elefante, passou a mão na cabeça dos apaixonados pela banda com “Champagne Supernova”, “Listen Up”, “Digsy’s Dinner”, “Don’t Look Back in Anger” (que fechou o show) e ela, a clássica “Wonderwall”. Com 15 músicas, o show teve também as principais faixas de seus discos solo, com destaque para “The Death of You and Me”, “If I Had A Gun…” e “AKA… What A Life!”, as minhas preferidas. Depois de não ter sido completamente feliz no Alabama Shakes, ver o Noel entregar um show tão redondo e bem feito me fez ter a certeza de que aquele era, sem dúvida, o melhor show que o Lollapalooza Brasil poderia me dar naquele fim de semana.
Após ser feliz com o Noel, eu poderia escolher entre Jack Ü, Jungle e Emicida. Enquanto eu estava em dúvida, a Mari Duarte optou pelo primeiro deles e seguiu rumo ao Palco Onix. “O projeto formado pelos DJs Skrillex e Diplo era uma das atrações mais esperadas no segundo dia do festival. Com um público bastante agitado do começo ao fim, a apresentação da dupla surpreendeu até mesmo os que já estavam empolgados na espera por eles. Animação, muita presença e interação foi o que descreveu o show memorável do Jack Ü. Entre seus maiores hits a tão esperada ‘Where Are Ü Now’ foi tocada duas vezes, intercalando partes dela com outras músicas do projeto. Sucessos de outros artistas também foram mixados e apresentados pelos Djs: ‘Hello’ (Adele), ‘Summer’ (Calvin Harris), ‘Work’ (Rihanna), ‘Sorry’ (Justin Bieber) e pra surpresa do público, hits atuais brasileiros saíram também da mesa de som da dupla: ‘Baile de Favela’ (Mc João) e ‘Veja Só No Que Deu’ (Wesley Safadão), foram algumas delas. E pra terminar com mais brasilidade ainda e confirmando alguns boatos, os DJs levaram ao palco o MC Bin Laden, que apresentou junto ao Jack Ü a famosa ‘Tá tranquilo, Tá favorável'”.
Após uma indecisão ao caminhar, cheguei sozinho ao Trident at Perry’s para ver o Emicida. Deixei o Jungle de lado e, mesmo tendo me arrependido após saber o que aconteceu no show do Jack Ü, banquei o rolê e não fiquei triste por ter escolhido conferir o rap forte e intenso do paulista. E que show, meus amigos. Emicida sabe como poucos colocar o dedo na ferida ao falar de questões sociais, econômicas ou raciais, seja nas suas rimas ou nas referências feitas ao longo do show. Difícil não lembrar da cena da briga entre Lázaro Ramos e Wagner Moura em Ó paí Ó e de como ela funcionou naquele momento e lugar. Difícil também não lembrar de uma família uniformizada com a camisa do Brasil assistindo ao show e, ao verem a filha feliz cantando as músicas, perceber que os pais ficaram visivelmente incomodados com a situação.
Deixei o show do Emicida pouco antes do fim, pois o encerramento do festival se aproximava e, no caminho, várias pessoas se deslocavam rumo ao Palco Axe para ver o Planet Hemp ou rumo a saída. Estou certo de que o Florence + The Machine provavelmente causou comoção em muitos que lá estavam. Infelizmente – e não foi por falta de vontade, não me incluo nesse grupo. Lá de trás, o som parecia baixo e o show bem sonolento em alguns momentos, tanto que não resisti por muito tempo. Nem a chance de ouvir “Dog Days Are Over” ao vivo conseguiu me prender em Interlagos e, pouco antes da metade, dei a aventura Lollapalooza Brasil como encerrada. Ainda deu tempo de ouvir “Queimando Tudo” do Planet Hemp no caminho rumo a saída.
Enquanto eu acionava o botão Game Over, a Mari Duarte tava se jogando no show do Zedd. “O DJ alemão não ficou pra trás do Jack Ü e também mostrou que sabe representar quando o assunto é animação. Em um palco menor com um público mais reduzido comparado ao Jack Ü, Zedd esbanjou simpatia e muita música boa. Entre o que certamente esperávamos ouvir, não ficaram de fora ‘Break Free’ (feat Ariana Grande), ‘Stay the Night’ (feat Hayley Williams), ‘I Want You to Know’ (feat Selena Gomez) e ‘Clarity’ (feat Foxes). Em ‘Clarity’ inclusive uma grande surpresa para o público: Zedd levou ao palco Halsey e Skrillex para fazerem parte da apresentação. E pra não falar que não foi marcante: Halsey e Skrillex dançaram ‘Macarena’, remixada pelo Zedd”.
Se a estrutura foi tão boa quanto a dos dois anos anteriores em Interlagos, o lineup pode ter deixado um pouco a desejar quando comparado ao dos anos anteriores, sobretudo nos anos de 2012 e 2013. O Lolla segue por um novo caminho, onde oferece mais estrutura, mais opções e mais entretenimento para o público. Para alguns, os shows acabam sendo plano de fundo. Para muitos, o grande atrativo ainda é o lineup e, se ele levou muita gente nova para Interlagos, deixou muitos fãs de carteirinha do festival em casa vendo pela TV, principalmente quando se pensa no valor dos ingressos. É legal apostar no Pop, no Rap, no Reggae, no Eletrônico e não ficar preso só no Rock. É maravilhoso oferecer uma estrutura de qualidade com várias opções de alimentação e diversão. No entanto, o festival oferece bons nomes intermediários e alguns nomes que, em anos anteriores, não seriam alçados a categoria de principais nomes do evento.
É estranho dizer isso e pedir para mudar uma fórmula que vem dando resultado (ainda que abaixo do esperado). Esse ano não tivemos ingressos esgotados, foram várias promoções dando ingressos, vi muita gente indo embora pós apresentação do Jack Ü e isso é realmente sintomático. O Lollapalooza tinha uma estrutura mediana e um lineup bem interessante quando chegou ao Brasil. Hoje, tem uma estrutura bem interessante, mas entrega um lineup mediano. Se algo precisa ser feito para 2017, é voltar os olhos para o lineup novamente. É muito bom ver ver o Eagles Of Death Metal e o Bad Religion tocando a tarde, ver o Noel tocando no fim do dia, assim como o Alabama Shakes e o Of Monsters And Men. É muito bom ver apostas acertadas como o SEEED e a Karol Conka fazerem parte do festival. Apesar disso, o Lollapalooza passou e ficou a sensação de que faltou algo. Talvez tenha faltado a animação de ver o show acompanhado por um grupo de dez/doze pessoas como fiz em 2015. Talvez tenha faltado o sol e a temperatura mais agradável. Talvez tenha faltado mais shows interessantes. No fim, algo faltou… e eu espero que não falte em 2017 pois, apesar disso, não tem nada melhor do que curtir um festival como o Lollapalooza.
O que vai ser do ano que vem? Isso é assunto para outro texto. Encerro essa resenha apenas dizendo: Amigo Lolla, um grande abraço e nos vemos em 2017.
Fotos: I Hate Flash, MROSSI e Jeremy Deputat.