Na última sexta-feira, 14 de agosto, eu decidi que era hora de realmente expandir meus horizontes musicais. Há anos trabalhava com a ideia de tentar conhecer tribos diferentes e fugir um pouco da minha zona de conforto. Pensava que a primeira parada seria numa trance ou num duelo de MC’s, mas a brincadeira de curtir um pagodão se tornou realidade numa apresentação do Raça Negra.
É isso aí. Uma apresentação do Raça Negra com o plus de ter o Alexandre Pires, ex-Só Pra Contrariar no encerramento.
Não bastava dançar e cantar Molejo em público: foi preciso ir até a um show de pagode e descobrir como era de verdade. Sem essa de ficar só na imaginação ou preservando os pré-conceitos. Acabou sendo uma daquelas experiências inesquecíveis que você conta e ninguém acredita que é verdade. A melhor parte é que não me arrependi nada desse passeio completamente fora da curva.
A apresentação estava marcada para as 22h, mas só cheguei no Expominas depois das 22h20. O trânsito estava horrível, mas nada parecido com o que eu encontraria lá dentro. Logo de cara tive aquele choque de constatar a diferença gritante dos públicos que frequentem shows de rock aos que preferem o pagode. O jeito das pessoas falarem e se vestirem deixava claro a que tribo pertenciam. Os jovens de camiseta regata para exibir os músculos cultivados com anabolizantes e as garotas usando micro-vestidos para deixar os meninos na dúvida se viram alguma coisa ou não. Mas não vi nenhum sinal de problema, nem mesmo lá dentro com o show rolando, a turma estava realmente a fim de se divertir com Luiz Carlos e seus parceiros do Raça Negra.
Aliás, o comportamento do público foi meio esquisito. Muita gente balançando os braços de um lado para o outro numa coreografia horrorosa e cantando loucamente os principais sucessos. Porra. Até eu depois de umas cervejas estava cantando tudo que lembrava (e se você cresceu na década de 1990, não venha me enganar: você sabe cantar Raça Negra sim!), mas era uma sensação diferente. Notei a presença de um grupo de adolescentes hipsters que estavam lá pelo mesmo motivo que eu (ter uma sexta-feira totalmente diferente do normal, oras!), só que elas foram além e usavam faixas do Raça Negra na cabeça. Tenho a sensação de que o público de pagode não está se importando com quem vai tocar, mas sim em quando vai ter show de pagode. Importa mais estar lá para se distrair e descansar do que quem estará no palco. Era um evento família, por incrível que pareça.
Com mais de uma hora de atraso, o Raça Negra iniciou a apresentação fazendo as garotas gritarem todos os versos de “Cheia de Manias” (também conhecida como a música “dessa barra que é gostar de você“). Fora a irritação com o atraso e o fato do bar só vender Brahma e Skol, custei a superar a acústica horrível do Expominas. Parece que a produção se preocupou com quantidade e não qualidade, pois é evidente que a estrutura não é boa o suficiente para a demanda. As filas para comprar bebida e ir ao banheiro estavam imensas. Compensei a raiva me lembrando da época em que era uma criança obrigada a escutar a FM mais popular de Belo Horizonte e aquelas músicas malditas grudavam na minha cabeça. Poucas cervejas depois, eu estava cantando e dançando desengonçadamente traumatizando a turma do bem que estava por perto. Eles provavelmente tiveram a impressão errada ao meu respeito. Ou ficaram na dúvida se não era uma ilusão de ótica ver um cara barbado cheio de tatuagem berrando as músicas do Raça Negra. O que aconteceu foi que até consegui que um grupo mandasse um áudio no Whatsapp para meus amigos que se recusaram a ter essa noite diferente. Para a minha sorte, tive a companhia de uma loirinha animada que se divertia com o passeio mais improvável de todos os tempos.
O Raça Negra não precisou se esforçar para conquistar o público. O som horrível cooperou para que a apresentação ficasse no piloto automático com as canções clássicas do repertório e algumas canções inesperadas, como “Pescador de Ilusões”, d’O Rappa (!!!!), por exemplo. Tecnicamente, não foi possível comentar a performance da banda por causa das limitações do ambiente e a minha opção de não ficar no meio do pessoal lá no gargarejo. Tive meus momentos de achar coisas engraçadas (geralmente alguém que estava mais bêbado do que eu dançando de algum jeito vergonhoso ou alguma letra de música que eu não conhecia ainda etc). A apresentação acabou com o replay de “Cheia de Manias” e acreditava que o Alexandre Pires não ia demorar muito para começar, mas não foi bem assim. Eram quase 2h da manhã quando o ex-líder do SPC iniciou seu show para fechar a noite.
De cara deu para sentir que a produção era de primeira, ao contrário do samba do Raça Negra que não fugia muito do que era básico e necessário, Pires usava e abusava da tecnologia e de uma banda “nervosa”. O baixista chamava a atenção sempre que a música permitia, e isso garantia o meu interesse. Ou pelo menos era o suficiente para que eu não deixasse o sono vencer, mas na falta de canções do Só Pra Contrariar (e músicas muito chatas), decidi que meu sono era valioso demais para ser atrasado por causa da falta de noção de começar um show grande às 2h da manhã. Devo ser velho demais ou mal acostumado para estranhar esse comportamento das produtoras numa apresentação grande assim.
Enquanto voltava para a casa pensava no saldo final da noite. Vi o show de uma das principais bandas de samba do país; curti uma balada que todos meus amigos torceram o nariz; aprendi que Budweiser e Heineken não combinam com pagode; e tive a certeza de que são as companhias que fazem a sua noite ou o seu show valerem a pena. Pode ter a porra do Raça Negra cantando “Cigana” ou “É Tarde Demais”, que se você tiver alguém dividindo aquele momento com você irá valer a pena. Mal posso esperar pela próxima aventura.