Na semana passada publiquei um dos maiores artigos da coluna até o momento e acho que isso pode ter deixado alguns leitores assustados. Para os poucos que não ficaram de saco cheio, agora vem a segunda parte da minha jornada épica no Rock in Rio 2011.
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É claro que agi como um completo retardado na Montanha Russa. Ficava berrando (“Quero a minha mãe!!!”, “Para essa porra porque eu vou vomitar”, dentre outras pérolas que faziam a Débora se contorcer no banco do carrinho. Acho que ela chegou até mesmo a chorar de tanto rir ao perceber que eu estava chorando de verdade. Depois que acabou a volta (Porra, cara! Uma hora e meia esperando na fila para TRINTA SEGUNDOS de passeio é foda!), me recusei a sair do carrinho e fingi que não havia me borrado de medo TRINTA SEGUNDOS mais cedo. Pedia para os funcionários me deixarem ir de novo e mais rápido. Nenhum deles sorriu ou se entusiasmou com a ideia, infelizmente.
No caminho encontrei com um grupo de amigos que não via há algum tempo. A única pessoa que me importava ali não estava sozinha, assim como eu. Nem deu para conversar direito com ninguém e tive que me contentar com um abraço. Talvez tenha sido um dos melhores abraços de todos os tempos de qualquer pessoa na história do Rock in Rio. Sabe. Nem Cassia Eller deve ter sentido isso ao abraçar Dave Grohl em 2001. E a vida seguiu, como sempre segue, e esse seria apenas um capítulo de uma história realmente imensa, mas nosso foco aqui é outro. Enquanto a vida seguia o seu caminho, eu aguardava ansiosamente para ver o resultado do encontro da minha musa Tulipa Ruiz com a Nação Zumbi no Palco Sunset. Estava tão ansioso que Bob Marley fez uma aparição em forma de fumaça para nos acalmar.
O show da Tulipa foi foda.
Mas mais foda ainda foi encontrar com a própria Tulipa no meio daquele mar formado pelas 100 mil pessoas que estavam se divertindo na Cidade do Rock naquele dia 24 de setembro. Enquanto a Esperanza Spalding estava no palco, e eu me sentia extremamente feliz e relaxado, avistei uma figura familiar e quase gritei quando reconheci. Eu estava tão bem que fui pertinho dela para conversar e declarar (quase) tudo que sentia por ela e seu trabalho. Trocamos a maior ideia. Tiramos foto. Fiquei realizado. E meu estado de euforia aumentou por causa daquele show fenomenal do Mike Patton. Até o Stone Sour fez direitinho, para falar a verdade.
À essa altura do campeonato, a aparição de Bob Marley em formato de fumaça havia aproveitado para aparecer mais outras vezes. Tocou violão, cantou “Redemption Song”, dançou com as mãos erguidas. Rolou até momento em que ele tentava resolver as brigas de alguns de seus piolhos. Era um excesso de paz e amor na Cidade do Rock. O Kibe, a Débora e eu tossíamos bastante, mas era tudo do bem. Decidimos que já estava na hora de dividir nosso quartinho de ilusão. O Kibe teve que ficar de fora dessa e eu ainda disse para a Débora que o pedaço maior tinha que ser meu porque eu era mais velho do que ela.
…
(As coisas que a gente diz nessas horas são toscas, né?)
Débora permitiu que eu realizasse o meu desejo, mas pediu para que eu tivesse cuidado para que o vento não levasse os pedacinhos que ela iria colocar na minha mão. Já passavam das 16h, mas o Chapeleiro Louco iria tomar o seu chá. Animado e desastrado, ignorei solenemente o aviso dela e deixei que o vento estragasse a vibe. O vento veio. E o vento levou. Débora ficou puta pra caralho e começou a me xingar. “Eu vou pegar é o seu pedaço maior, seu idiota! Você vai ficar sem”, era o que ela dizia. Para a minha sorte, minha ex-namorada tem olhos de águia (ou coruja) e conseguiu achar o quartinho na grama. Já estava escuro. A gente não estava no juízo perfeito, mas mesmo assim ela conseguiu achar a chave do portal da percepção no gramado. Até hoje acho isso bizarro. Vai ver ela estava tão chapada que pegou um pedacinho de papel higiênico do chão e viajou por causa disso. Nunca vou saber. Confesso que até cogitei dar o pedaço maior para ela, afinal ela realmente merecia, mas acabei colocando ele na boca e perdeu o sentido pensar nisso.
Minutos depois, a combinação de todas aquelas substâncias (incluindo a tortura sonora protagonizada pelo NX Zero no palco Mundo) me fizeram ter uma viagem muito errada. Nem as aparições fumacentas do Bob (seja Marley, Smith ou Dylan, tanto faz. É tudo maconheiro!) foram tão malucas. O que aconteceu foi que, de repente, a minha percepção sensorial ficou muito comprometida. Não conseguia sentir as coisas do jeito que elas eram realmente e “vi” o tablado e o gramado da Cidade do Rock se “transformarem” em areia seca e molhada da praia, respectivamente. Apesar de usar tênis, eu me sentia descalço. Não demorou para que começasse a me sentir como um autêntico caranguejo fadado a andar eternamente de lado. Minha boca ficou saca e tive desejo de mergulhar no mar para me encontrar com a minha família. De nadar e nadar sem me preocupar com nada. Esse sonho amoroso foi devidamente interrompido pelos esforços da Débora e da Bruna para me segurarem e impedirem que eu me jogasse na grama para ficar batendo meus braços e pernas. O Kibe nem se deu ao trabalho de tentar me segurar porque já estava em posição fetal na grama. Ele ria tanto que nem conseguia esboçar uma reação. Maldito.
Um pouco mais controlado, mas com dificuldade para caminhar em linha reta, pude constatar que às vezes, nem as piores coisas conseguem cortar o nosso barato. Meu medo era o Capital Inicial fazer um show tão ruim que me deixaria sóbrio novamente. No entanto, aconteceu exatamente o contrário: vi a banda de Dinho Ouro-Preto intensificar minha viagem com um verdadeiro show de horrores no palco e quase que meu maxilar caiu no chão de tanto que eu ria de um pobre coitado que ficou preso na tirolesa durante a apresentação inteira. Eu ria porque não bastava o cara ficar preso. Ele ficou preso no show do Capital Inicial. Vai ver ele queria brincar na tirolesa justamente para não ver o Capital Inicial, sabe? Essa era uma das teorias que eu repetia para a Débora e eu ria tanto que me senti num treinamento intensivo de Ab-shape. Todo mundo ao meu redor apontava para o cara e gritava: “Uh, vai morrê! Uh, vai morrê!”, e eu não sabia se sentia dó ou gritava junto. E o Dinho lá na puta que pariu sem ter a menor ideia do que estava acontecendo no fundão. Cacete. O Dinho nem deve ter visto que havia um sujeito preso na tirolesa durante o show inteiro e que devia estar desesperado com medo de cair e quebrar o pescoço. Ou você realmente acha que alguém iria ficar esperando para segurar o cara?
O show do Capital Inicial acabou e buscamos mais algumas cervejas para que todo mundo permanecesse legal até o fim da noite. Mesmo com o Snow Patrol morrendo de preguiça no palco Mundo e tentando deixar todo mundo com sono. Seria crueldade dizer que foi uma performance ruim, mas era a banda errada para aquela vibe. Não apenas a minha, mas da noite do evento em geral. Pelo menos, ouvi as músicas que queria e risquei o Snow Patrol da minha de lista de “preciso assistir ao vivo antes de morrer”. A Bruna até tentava conversar, só que toda hora eu lembrava do cara preso na tirolesa e começava a rir. Minha coordenação motora já permitia que eu andasse em linha reta e meu desejo de rolar na grama havia passado, no entanto.
Reclamei com a Bruna que aquele não era o show do Chili Peppers que a gente merecia. Sem o John Frusciante não é a mesma coisa. Ela concordou, mas não se importou: quase dez anos atrás, ela havia visto a banda pela primeira vez e na melhor fase dos caras. Nós não precisamos falar isso em voz alta, mas trocamos um olhar que deixou bem claro que a gente estava pensando na mesma coisa. Devolvi o olhar com que fui recebido ao chegar no Rio. Se não tinha o John Frusciante, tinha o Flea. Seria a realização do sonho de ver meu primeiro bass hero em ação e teria que me contentar com “apenas” isso.
No meio da apresentação percebi que, assim como em 2001, o Chili Peppers parecia ter exagerado nas caipirinhas no camarim. Tudo bem que minha percepção estava meio alterada, mas não o suficiente para abalar meu feeling musical, e senti que eles estavam muito atravessados. A impressão era que o guitarrista wanna be John estava em outra dimensão e totalmente perdido em relação ao baixo e bateria. Pode parecer que eu deteste o cara, porém não é o caso. Torço por ele. Porra. É um fã da banda realizando o sonho de poder dividir palco com seus ídolos. Só um idiota torceria contra. E eu não sou esse tipo de idiota. Ainda mais porque eu também estava realizando o meu sonho de assistir ai Chili Peppers ao vivo (e riscar mais uma banda da minha lista de “preciso ver ao vivo antes de morrer”).
O legal de ir num festival desses é que sempre existirá alguém mais maluco ou numa situação pior que a sua (estou falando de você mesmo, amarradão da tirolesa!). Durante “By the Way”, tive a impressão de que índios estavam invocando a chuva no meio da Cidade do Rock. “Oh ah, kissed ya then I missed ya” virou “uga uga uga buga buga uga buga uga”. Eu juro. Minha barriga voltou a doer de tanto que eu ria e as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Débora também estava na mesma situação. Piorou quando nos juntamos aos fãs do Chili Peppers fugitivos das aulas de inglês para cantar junto.
A apresentação nem havia acabado e eu já havia iniciado as minhas reflexões. Fiz tudo que nunca havia feito antes num show e descobri que, assim como o Jon Snow, eu não sei de nada. Dentre as várias coisas que Débora me ensinou, talvez esta tenha sido uma das mais mais preciosas: aproveitar o que é trabalho, aproveitar o que é diversão. Passar a ver um evento como um grande todo em que mais vale é protagonizar suas próprias histórias do que ser uma múmia travadona sozinha na grade foi uma mudança e tanto, que acabou tornando possível toda a diversão sem noção nas edições 2014 e 2015 do Lollapalooza, por exemplo.
Posso afirmar sem medo que o dia 24 de setembro de 2011 continua como um dos favoritos desses meus trinta anos de histórias. Obrigado aos responsáveis!
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