Nessa edição temos a estreia do Cássio Gabus, nosso novo redator que falará muito sobre rock nas páginas laranjas. Em sua primeira participação, ele compartilha com a gente uma história sobre uma das principais canções do mestre Bob Dylan: “The Times They Are A-Changin'”.
Costumo pensar que um dia terei um catálogo de músicas em minha mente e que cada uma delas terá uma pessoa relacionada. Ainda que faça mais sentido a pessoa vir primeiro e depois, ao acaso, o momento que conecta um ao outro, tenho essa mania de pensar em situações perfeitas para as músicas que ouço durante o dia. “Like a Rolling Stone”, do Dylan, por exemplo, é ótima para aquele casinho que você sabe que não vai dar certo mas que se arrisca do mesmo jeito. Aquela menina mimada que acaba de deixar o seio da família para se descobrir por aí. E só William Miller (do filme Quase Famosos) sabe como pode ser problemático se apaixonar por alguém assim. No entanto, é como magnetismo, a vontade de ver tudo isso acontecer na vida de alguém. É isso que quero dizer com fantasiar situações perfeitas para certas músicas. O fato de, no fundo, querer que alguém complicado assim entre em sua vida só para dizer: “essa música me lembra você”, e fazer todo sentido.
Apesar de não ser exatamente essa música que me lembra a Joana (um nome inventado, como em Joana Dark, pois nunca cheguei a saber seu nome), foi uma música de Dylan que coroou minha paixão (platônica) por essa garota desconhecida. Vou tentar explicar o que aconteceu e se não conseguir atingir seu interesse por ela, peço sinceras desculpas.
Era 2009, recém-saído de meu próprio seio familiar na cidade pequena onde nasci, fui morar na capital mineira a fim de ingressar em um cursinho preparatório para o vestibular. Tudo era mais ou menos novo e me lembro até hoje do dia em que li e assinei um dos primeiros contratos com recentes dezoito anos, sem precisar da validação de ninguém. Entrei em uma sala gigante que ainda pensei: “não devem ter alunos para encher toda essa sala”. Numa conta rápida enquanto lia o contrato me deparei com mais de cento e cinquenta carteiras e um microfone próximo ao palco do professor. Era eu a ‘rolling stone‘ descobrindo coisas novas naquele momento.
Começaram as aulas e, sim, as salas ficavam abarrotadas de gente. Nos primeiros dias sempre acontece de fitar a galera, olhar um por um que entra na sala enquanto você, cru de tudo, chegou bem cedo e escolheu um lugar nas últimas fileiras. Eis que aparece Joana: saião solto, um chinelo qualquer feito de couro, camiseta regata de cor lisa e brincos longos escondidos por um cabelo longo, ondulado. Algum tempo depois me inseriram o termo ‘tilelê’, que sem a carga pejorativa me atrevo a dizer que virou um tipo muito apreciado enquanto interesse em parceiras em potencial. Tudo culpa dela, talvez.
A partir de então rolavam aquelas olhadas periódicas, no outro canto da sala, sempre que me distraía com a matéria no quadro. Essas coisas que a gente faz sem pensar, até perceber que está duas páginas atrasado ao copiar a matéria de biologia, justo a que tem mais dificuldade. Coisas de paixonite platônica que perduraram durante um bom tempo naquele semestre. Muito provavelmente uma pessoa de Humanas, apenas algumas aulas batiam horário e dificultavam qualquer tipo de aproximação. Ainda mais para um garoto tímido e deficiente em sapiência para “assuntos do coração”. Até porque não havia coração na história, era a pura platonicidade e uma idealização de que um dia uma música a faria entrar para o catálogo mencionado anteriormente.
Foi sem aviso que o momento a seguir se tornou o fato derradeiro para toda a carga de memória que Bob Dylan despertaria. Em meio uma aula dessas qualquer, coincidentemente me encontrava a algumas carteiras de Joana, focado em concentrar no que estava rolando lá na frente. Toda aula passou e, em um momento inesperado ouço o início inconfundível de “The Times They Are A-Changin’”, como toque de celular. Sabe quando você transforma um fato quase insignificante num sinal do universo para tudo que rege um momento?
Foi exatamente o que aconteceu. Na minha cabeça ela estava predestinada a ser mãe dos meus filhos, ouvindo folk na varanda em uma cadeira de balanço e ensinando a eles o que é música boa de verdade.
Três livros, alguns DVDs e vinis, duas camisas e uma fita cassete não falham em demonstrar que Robert Zimmerman não é só mais um compositor com o qual tenho apreço. Coisa de ídolo mesmo. E num mundo perfeito, eu e Joana realmente teríamos tido a chance de nos conhecermos e descobrir outras particularidades em comum. Infelizmente, foi uma das últimas vezes que a vi. Nunca soube o que aconteceu; se passou em algum curso no meio do ano ou sei lá. Sei que aquele momento mínimo, por algum motivo muito forte, nunca saiu da minha cabeça. Talvez se tivesse assistido Antes do Amanhecer antes do ocorrido, e conseguisse juntar coragem o suficiente para abordá-la com alguma fala inteligente, não tão clichê ou com cara de cantada barata. Talvez e só talvez, não a reduziria a uma simples lembrança digna de um texto como esse.
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