Se você é fã do Raimundos até os dias de hoje, provavelmente vai saber de tudo (e até um pouco mais) o que será abordado neste texto mas, certamente, defende o mesmo ponto de vista que o meu: A banda formada atualmente por Digão, Canisso, Marquim e Caio merece o mesmo respeito que a formação clássica, que tinha as presenças de Rodolfo e Fred.
Ao contrário do que uma parcela das pessoas dizem por aí, o Raimundos não parou/acabou em 2001, ano em que Rodolfo decidiu deixar o grupo munido da vontade de seguir o evangelho e se desintoxicar do vício em drogas. Apesar de importante (e a minha intenção não é diminuir isso), a saída do Rodolfo foi apenas mais percalço vivido pela banda nessa montanha russa musical desde a sua formação, em 1987. Para começo de conversa, vale lembrar que Digão era baterista e a banda era um trio formado por ele, Rodolfo e Canisso. Assim foi até 1990, quando decidiram se separar. Dois anos depois, a banda retomou as atividades e, como não podia mais tocar bateria devido a problemas auditivos, Digão passou a segurar uma guitarra, deixando o posto de baterista vago. Foi assim que Fred chegou, a banda virou um quarteto, gravou uma fita demo com quatro faixas e saiu de Brasília para ganhar o underground do rock nacional graças a faixas como “Nega Jurema” e “Marujo”.
O primeiro disco veio em 1994 e, com mais de 150 mil cópias vendidas, Raimundos chamou a atenção da grande mídia. Quem não se lembra de faixas como “Puteiro em João Pessoa”, “Bê a Bá” ou “Selim”, responsáveis por tornar a banda conhecida no país inteiro por uma inovação de som e atitude, além de contribuir com a conquista de um maior espaço pelo rock nacional no mainstream naquela década. No ano seguinte, Lavô Tá Novo foi lançado, marcando a estreia da banda na Warner. E lá estavam “Eu Quero Ver o Oco”, “Esporrei Na Manivela”, “Pitando No Kombão”, “O Pão da Minha Prima” e “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”. Aproveitando a exposição, é lançada em 96 uma caixa com CD, história em quadrinhos e fita VHS chamada Cesta Básica.
A montanha russa em torno da banda começa a aparecer em 1997, quando a banda lançou o disco Lapadas do Povo. Deixando de lado o humor característico da banda para focar em letras mais sérias e críticas sociais, o disco rendeu faixas como “Baile Funky”, “Nariz de Doze”, “Andar na Pedra” e o cover dos Ramones, grande inspiração do grupo, feito com “Pequena Raimunda (Ramona)”. Na época, um acidente em um show em Santos provocou a morte de oito pessoas e o ocorrido acabou levando a banda a cancelar diversas apresentações e “sair de cena” por um tempo.
Para voltar ao topo, um novo álbum era preciso. Em 1999, chega Só no Forévis e, com ele, vem a mais expressiva vendagem da banda até hoje. Retomando a fórmula com letras mais debochadas, o disco se tornou uma fábrica de hits, com “A Mais Pedida”, “Me Lambe”, “Mulher de Fases”, “Alegria”, “Pompem” e “Aquela” tocando em alta rotação nas rádios brasileiras e na MTV Brasil. O sucesso foi tanto que o Raimundos foi alçado ao grupo das maiores (e melhores) bandas de rock do cenário nacional, se tornando inspiração para vários nomes que surgiram anos depois.
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Daí veio o ano de 2001 e, com ele, a primeira das principais mudanças na banda. Em junho daquele ano, Rodolfo anuncia a sua saída da banda e os demais integrantes decidem colocar um ponto final no projeto. A ideia que durou apenas dois meses, quando Digão, Fred e Canisso resolveram retomar a banda, após ouvirem a primeira demo gravada de “Sanidade”, ainda na época como trio, que era cantada por Digão e aquilo acabou despertando a vontade de continuar. Em setembro, saiu Éramos Quatro, disco recheado de covers (principalmente dos Ramones) e com a regravação de “Sanidade”.
Durante a turnê do álbum, Marquim se juntou aos Raimundos e, com ele, o quarteto gravou Kavookavala. Lançado em junho de 2002, o disco é o primeiro sem Rodolfo e mostra o início do seu processo de reinvenção. Na época, a banda lidou com dois problemas: Os atritos com a Warner, com quem romperam o contrato em 2004, e a saída de Canisso, que ocorreu pouco tempo depois do disco ser lançado. Em seu lugar, o baixista Alf (que também era vocalista do Rumbora) assume o posto, onde ficou até 2006. Nesse meio tempo em que Alf fez parte do quarteto, a banda lançou um EP (Pt Qq cOisAh, liberado para download no site da MTV) e realizou alguns shows, mas os projetos paralelos falaram mais alto e o Raimundos acabou ficando em segundo plano. Enquanto Digão se juntou a Denis Porto no projeto Denis & Digão, Fred e Alf deram origem ao SuperGalo. Com os problemas de agenda entre os três projetos (e ainda o Rumbora, de Alf), a formação passou por mais mudanças. Canisso acabou voltando ao Raimundos em 2007 e o seu retorno causou a saída imediata de Fred que, aliando isso aos desentendimentos musicais com Digão, resolveu deixar a banda. Isso abriu espaço para Caio, antigo baterista do Dr. Madeira, passar a fazer parte da banda.
A entrada de Caio e a turnê “A volta de Canisso” marca a retomada na carreira da banda, que saiu rodando pelo país buscando os velhos fãs e, principalmente, reciclar esse grupo conquistando também a galera mais jovem e que não teve a oportunidade de ver a banda ao vivo durante o período mais ascendente, entre 1999 e 2000. Privilegiando as apresentações ao vivo, a banda chegou a ter Tico Santa Cruz (Detonautas) como vocalista em alguns shows de 2010 e, no fim daquele ano, veio a gravação de Roda Viva, lançado oficialmente em maio de 2011. Com uma inédita, “JAWS”, o disco resgata as principais faixas de toda a carreira da banda em seu segundo álbum ao vivo. Apesar da boa recepção, as críticas pelo não lançamento de um álbum de inéditas começavam a perseguir a banda. Para colocar um ponto final nessa espera, a banda começou a trabalhar em material inédito. Em 2013 divulgaram a faixa “Politics” e, no ano seguinte, o aguardado Cantigas de Roda.
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Com produção de Billy Graziadei (Biohazard) e financiado por crowdfunding, o oitavo disco de inéditas da banda era a prova final que o quarteto precisava passar para vencer qualquer desconfiança que exista desde as saídas do Rodolfo e, posteriormente, Fred. O mais interessante ao ouvir o disco é que você consegue perceber um crescimento da atual formação. Enquanto Caio e Marquim conseguem mostrar o seu trabalho (de qualidade) na banda, Canisso segue sendo um dos grandes baixistas do País. Contudo, é Digão quem representa toda essa mudança vivida pelo Raimundos. Ao vê-lo cantar, é possível notar o quanto ele está a vontade com a função, dominando as letras rápidas (como em “Cachorrinha”) e se mostrando um bom vocalista para diversos estilos. Músicas como “Baculejo”, “Gato da Rosinha”, “Rafael”, “Gordelícia” e “Politics” também são exemplos de que todos os elementos presentes do DNA da banda estão inseridas no Cantigas de Roda e não foram esquecidas pelo “novo Raimundos”.
Dizer que o disco vai repetir o sucesso obtido no fim dos anos 90 é colocar (mais uma) pressão em cima do quarteto e eles não precisam disso. O que devemos ter em mente é que muitas coisas aconteceram desde o sucesso de “Mulher de Fases” e que, se a banda ainda carrega muito do que foi feito durante a sua primeira formação, os doze anos sem um álbum de inéditas serviram para o Raimundos absorver novos ingredientes que resultaram em novas e boas músicas, sendo capaz de superar as expectativas até dos mais descrentes.
Talvez você se considere velho para essas letras de duplo sentido ou os doze anos sem novidades tenham mudado a sua cabeça a ponto de não conseguir mais ouvir o que eles fazem. Contudo, se esconder atrás do conceito de que “o Raimundos só era relevante nos anos 90” para justificar a sua escolha de não ouvir o que fazem Digão, Canisso, Marquim e Caio atualmente é tão errado quanto dizer que “o Raimundos acabou sem o Rodolfo”.
Por isso, te desafio a ouvir atentamente o Cantigas de Roda aqui ou o Cantigas de Garagem (registro de um ensaio fechado da banda, que conta com o último álbum na íntegra e mais alguns clássicos) abaixo: