Para grandes cantoras, grandes homenagens. Nada mais justo. Elis Regina saiu de cena há mais de 30 anos e continua sendo uma das maiores cantoras que o Brasil já viu e uma referência para as artistas novatas. Homenageada por diversas vezes ao longo dos últimos anos, desta vez a cantora porto-alegrense é perpetuada no musical “Elis, a musical“, produção que conta parte da sua trajetória pessoal e profissional. Belo Horizonte foi a primeira cidade, fora do eixo Rio-São Paulo, a receber o espetáculo que foi apresentado no palco do Palácio das Artes.
Com direção de Dennis Carvalho e texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade, o musical tem a difícil missão de promover o encontro do extenso repertório da cantora com diversos fatos da vida da artista e o produto final é positivo. Quarenta e nove músicas são apresentadas ao longo do espetáculo, em dois atos, e há canções para todos os gostos, mas fica a famosa sensação de “faltou aquela”.
Laila Garin é Elis Regina. Vendo a atriz, de cabelo ruivos, encaracolados e olhos azuis, descaracterizada pouco se acredita que protagonizar o musical poderia dar tão certo. Mas bastou o olhar clínico da direção do espetáculo para perceber que por trás da artista era possível encontrar todo o pacote cênico e musical necessário. O resultado é que há sim uma Elis em Laila e a aparência é o menor dos problemas. Em diversos momentos é possível perceber a conexão da artista com Elis que conseguia ser multidisciplinar no palco. Era forte e emotiva e números como o de “Como os nossos pais” e “O bêbado e a equilibrista” expressam essas duas características. Também era dramática e tinha a capacidade de interpretar uma canção como se fizesse parte da história dela e “Atrás da porta” e “Aos nossos filhos” podem ser os melhores exemplos disso.
Além de cantar como Elis em muitos momentos, a protagonista conseguiu projetar trejeitos e fala idênticos aos dela, sem contar na poderosa e afinadíssima voz que Laila tem e que em várias cenas se confunde com a original. Prova disso está nos primeiros versos de “Fascinação”, a primeira música do espetáculo. A atriz já mostra que não está ali para brincadeira e que o público não vai se arrepender de sentar nas cadeiras do teatro por 3 horas. Em algumas apresentações, ela divide o papel com a substituta Lilian Menezes que assume o comando do musical.
No elenco, nomes conhecidos como Tuca Andrade e Cláudio Lins e um grupo grande de atores que se dividem nas atuações, coro e coreografias. Os cenários aparecem e somem do palco pelas laterais e a iluminação é essencial para a transição de cada um deles durante as cenas. Os figurinos também são bastante importantes e ajudam o público a lembrar com facilidade das diversas fases da carreira da artista. O musical transita pela intensa vida de Elis e retrata os primeiros contatos dela com a música, mostrando a menina que fugiu cheia de vergonha do primeiro teste para cantar se transformar na performática artista do qual é lembrada. Tinha apelido de Pimentinha pelo temperamento forte, mas não deixava de mostrar simpatia. Não era a mais a fácil de lidar e até mesmo agradar, mas era aquela que exalava talento e hipnotizava todo mundo ao abrir a boca para cantar.
O público pode acompanhar o momento em que a artista consegue o seu primeiro contrato de gravadora e quando começa a se envolver com nomes importantes da indústria da música como Nelson Motta, Luís Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli que foi seu primeiro marido. Também aparecem artistas como Jair Rodrigues, com quem participou do programa “O fino da Bossa” na TV Record, Tom Jobim, Milton Nascimento e ate mesmo Marília Gabriela num momento divertidíssimo em que ela entrevista Cesar Camargo Mariano. Esse último foi o segundo marido de Elis e parceiro musical com o qual teve dois dos seus três filhos.
Milton Nascimento tem um bloco especial e mais do que merecido no musical e músicas como “Nada será como antes”, “Canção da América”, “Fé cega, faca amolada”, “Paula e Bebeto” e “Maria, Maria” são apresentadas em cena com clima hippie bem descontraído. Para quem não sabe, Elis e Milton tiveram uma das amizades mais bonitas da história da música brasileira. Tanto que até hoje o artista faz canções pensando em Elis e para ter certeza que elas são boas o suficiente, costuma imaginá-las na voz da amiga e se isso acontece, é porque a canção é realmente especial. Por outro lado, Elis costumava dizer que se Deus tivesse voz, seria igual a de Milton.
A canção “Redescobrir” fecha o espetáculo em clima de festa e sem deixar dramática a representação da morte da cantora, o que garante o aplauso intenso do público. “Elis, a musical” é uma superprodução que traz a lembrança de uma cantora que não merece ser esquecida e que certamente nunca será. Elis Regina nasceu para cantar, emocionar e arrepiar e é assim que toda a plateia deve sair dos teatros lotados dos quais o musical passa, mérito que não poderia ser diferente disso.
Primeiro Ato
1. Fascinação
2. Aprendendo a jogar
3. Garoto último tipo – Puppy Love
4. Ela é Carioca
5. Imagem
6. O Pato
7. Menino das Laranjas
8. Samba do Avião
9. Arrastão
10. Deixa Isso Pra Lá
11. O Morro Não Tem Vez
12. Feio Não É Bonito
13. O Sol Nascerá
14. Esse Mundo É Meu
15. A Felicidade
16. Samba de Negro
17. Diz Que Fui Por Aí
18. Acender as Velas
19. A Voz do Morro
20. Lobo Bobo
21. Alô, Alô Marciano
22. Come Fly With Me
23. Eu Sei Que Vou te Amar
24. Samba Saravá
25. Upa Neguinho
26. Vou Deitar e Rolar
27. Falei e Disse
28. Madalena
29. Não Tenha Medo
30. Atrás da Porta
31. Casa No Campo
Segundo Ato
1. Nada Será Como Antes
2. Canção Da América
3. Fé Cega, Faca Amolada
4. Paula E Bebeto
5. Maria, Maria
6. Wave
7. Só Tinha De Ser Com Você
8. Águas de Março
9. Dois Pra Lá, Dois Pra Cá
10. O Guarani (Instrumental)
11. Como Nossos Pais
12. Querelas de Brasil
13. Deus Lhe Pague
14. O Bêbado e A Equilibrista
15. As Aparências Enganam
16. O Trem Azul
17. Aos Nossos Filhos
18. Redescobrir
19. Fascinação