O The Cure demorou 17 anos para voltar ao Brasil. Talvez isso explique os motivos para os jovens não serem nem de longe a grande maioria do público presente na noite de quinta-feira, 4 de abril, no HSBC Arena, no Rio de Janeiro.
O que mais se via ao redor do local eram senhores já com os cabelos brancos, calvos e acompanhados de seus filhos e esposas. Um ambiente diferente do que se vê normalmente nos shows de rock.
O trânsito foi um grande inimigo do público. Eu mesmo demorei quase quatro horas, saindo de Niterói, para conseguir fazer o trajeto de dois ônibus e táxi até o local do show. Com isso, a banda pediu a compreensão do público para o atraso na apresentação, que começou às 22h, ainda com muitos lugares vazios nas cadeiras. A banda entrou sem fazer muito alarde. Robert Smith, um senhor de idade, caminhava lentamente para o microfone. Impossível não pensar no cineasta Tim Burton quando se vê o vocalista do The Cure.
A saga de mais de três horas começou com “Open”, do disco Wish, de 1992. O telão oferecia um clima soturno com uma espiral rodando e mudando de cor de acordo com o belo trabalho de iluminação. Aliás, o palco do The Cure é um dos mais simples e bonitos que já vi. Excelente trabalho de iluminação e cores. Na sequência, ainda no disco Wish, a banda tocou “High” com o telão acompanhando a mudança drástica de humor: o clima sombrio deu lugar para um belo céu azulado e uma sensação boa de otimismo. A promessa era de um show incrível, e eles mal haviam começado.
Do disco de 2004, The Cure, veio “End of The World”. O primeiro grande sucesso da noite foi “Love Song”, que fez muita gente cantar bem alto. Nada comparado com a explosão eufórica na dobradinha “Inbetween Days” e “Just Like Heaven”. Os arranjos desta última a fizeram soar muito melhor que na gravação. Curiosamente, houve quem reclamava da acústica do HSBC atrapalhar na hora de ouvir os efeitinhos de fundo das principais canções da banda.
A banda estava disposta a cumprir o combinado de compensar os verdadeiros fãs pela longa ausência e tocou muitas canções intimistas e desconhecidas de boa parte do público que apenas gostava do que tocava na rádio. Esse público deve ter tido uma grande surpresa quando percebeu que o The Cure é uma banda extremamente eficiente e com um som pesado, de não dever nada para o Radiohead e Nine Inch Nails, só para citar grupos influenciados pelo legado musical da banda. Infelizmente, por algum motivo, o disco Bloodflowers acabou sendo excluído da festa e “There is No If…” e “Maybe Someday” não estavam programadas no repertório.
Com uma voz incrível e com instrumentistas afiados, o The Cure continuou oscilando entre os momentos mais melancólicos com partes mais empolgadas, geralmente com a participação do público. Foi assim na insinuante “Lullaby”, “Friday I’m In Love” e “Lovecats”, que deixou o público dançando e cantando todos os versos. Foram poucas as faixas mais intimistas que conseguiram arrancar reação de quem não era fã. Um exemplo foi a psicodelia de “A Forest”.
Exceto por um ou outro fã mais animado por conta do excesso de cerveja durante a longa duração do show, muitos ficaram meio cansados com a escolha do setlist. Foi a prova de que apresentações de três horas de duração são melhores na teoria do que na prática.
Apesar de improvável, a banda não perdeu o fôlego e encerrou a maratona em grande estilo, tornando a noite inesquecível para os admiradores do The Cure. Fica a expectativa para que não demore mais 17 anos por um novo show.
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Foto: Mauro Pimentel / Terra