A segunda edição do Festival Lollapalooza no Brasil veio para consolidar a marca e ocupar o espaço de novo principal evento musical de rock no país, posto outrora preenchido pelo extinto Tim Festival e o (quase morto) Planeta Terra.
Em comparação com a primeira edição, algumas melhorias foram percebidas por quem se aventurou pelo Jockey Club durante os dias 29, 30 e 31 de março. A principal delas foi a limitação de 60 mil pessoas por dia para evitar o caos causado pelos 70 mil fãs que se esmagaram para tentar ver de perto a apresentação do Foo Fighters, em 2012.
Outros problemas continuaram: os banheiros continuaram impossíveis com gente perdendo quase o show inteiro na fila e a insistência em não deixar as fichas (batizadas de “pilas”) valerem para os três dias. Houve fila também para quem chegou às 16h e demorou mais de duas horas para conseguir retirar seu ingresso e entrar no Jockey. O palco Butantã e a tenda eletrônica continuaram se estranhando e dificultaram a vida de quem estava do lado direito do segundo palco principal do Festival. Mas o “Lamapalooza” compensou com muitos shows de qualidade e poucas decepções.
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A saga: Parte 01
O primeiro dia começou quente e com uma apresentação morna do Holger. Embora tenham muito carisma, a animada banda apresentou o repertório do próximo trabalho e não agradou muito aos fãs antigos. O show só esquentou na metade final quando o produtor Alex Pasternak se juntou aos polivalentes músicos que se revezavam nos instrumentos e no microfone. Aliás, o produtor estava se divertindo horrores no fundo do palco, fazendo dancinhas e tudo mais. Logo depois foi a vez da despedida do projeto Agridoce, da cantora Pitty. Melancólico até falar chega, a parceria com o guitarrista Martin Mendonça está nas últimas apresentações e deixou os fãs animados, especialmente durante a cover de “Across the Universe”, dos Beatles. O Of Monsters and Men se tornou um dos destaques do Lollapalooza e surpreendeu. O jovem guitarrista Bryniar Leifsson chamou a atenção por sua técnica e efeitos na guitarra. Os conterrâneos do Jonsi fizeram um dos principais shows do Festival e conquistaram o público, que lutou contra a chuva durante boa parte da apresentação.
O som baixo parece ter incomodado boa parte do público que fez questão de se espremer para conferir a quarta apresentação do Cake no país. O vocalista John McCrea (e o seu violão) estavam passando por dificuldades técnicas, mas ainda assim conseguiram superar as adversidades e fizeram um show no mínimo divertido. Em determinado momento, o vocalista ignorou completamente o fato de estar tocando durante uma sexta-feira santa e convidou o público para cantar: “Satan is My Motor”. Antes de iniciar a música, como se pedisse desculpas, McCrea pediu para que as pessoas religiosas não levassem a música ao pé da letra. Não faltaram sucessos como “Never There”, “Short Skit/Long Jacket” e duas covers muito bem vindas: “War Pigs”, do Black Sabbath; e “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, e uma das faixas mais conhecidas do Cake no Brasil. Depois de quase oito anos, o Cake retornou com uma apresentação divertida, mas que teria caído bem melhor em um show solo.
Encerrando a noite, o maluco Wayne Coyne apresentou o novo show do Flaming Lips. Deve ter sido uma surpresa e tanto para o público acostumado a ouvir tantos elogios para os concorridos shows da banda se deparar com algo tão peculiar. Não é que o Flaming Lips tenha feito um show horroroso, mas digamos que era necessário estar tão ou mais chapado que o vocalista para entrar na viagem. Coyne ultrapassou alguns limites quando começou a imaginar como seria se um avião caísse durante o show deles e eles continuassem tocando e todo mundo pegando fogo e morrendo. Pois é. Piada pesada e muito mal-recebida pelo público, que fechou a cara ainda mais enquanto aguardava pelo The Killers. Antes de Brandon Flowers e cia fizessem as honras do primeiro dia, a divertida Passion Pit animou os indies no palco Alternativo. Tocaram seus principais sucessos, incluindo um dos singles mais recentes “Carried Away”.
Sem fazer cerimônia, o que é estranho se tratando da reputação do seu vocalista, o Killers começou o show com “Mr. Brightside”. O público formado especialmente por adolescentes parecia ter um orgasmo a cada verso e gritava cada palavra da letra, quase que disputando com Flowers quem ia conseguir falar mais alto. Misturando material dos quatro discos (infelizmente, pois o último trabalho é um aborto musical), o Killers tem experiência de sobra para saber como conquistar seu público. No caso do Lollapalooza não foi nada impossível, e a banda não teve vergonha de ser brega e tentar se comunicar em português com os 52 mil fãs presentes. Mesmo quem perdeu o encanto com a banda não deixou de se empolgar tamanha a quantidade de sucessos que os caras têm, mas fica ainda mais claro que o melhor do Killers está mesmo no repertório tirado de Sam’s Town, o segundo disco. Após uma breve pausa, o Killers retornou para finalizar o show com “This is Your Life”, a excelente “Jenny Was a Friend of mine” e “When You Were Young”, e mandar o público de volta para a casa e se preparar para o segundo dia, com a aguardada (e até então inédita) apresentação do Black Keys.
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A saga: Parte 2
Mike Patton é figurinha fácil no Brasil. Quando não visita o país com o Faith no More, ele dá um jeitinho de tocar com alguma de suas várias bandas paralelas. O Tomahawk pegou o público do Lollapalooza de assalto e fez um show incrível. Estava tão bom que até Josh Homme deu as caras e curtiu o show sentadinho nos bastidores. Patton brincou com o público e falou vários palavrões em português, chegando a arrancar boas gargalhadas quando se fez de desentendido ao ouvir “Porra, Caralho” e respondeu: “Eu não falo português”. Essa irreverência que faz com que todos os projetos com a assinatura do inquieto músico sejam garantia de qualidade. Sem esforço, o Tomahawk fez um dos melhores shows do Lollapalooza 2013. Na sequência, os indies do Two Door Cinema Club animaram os seus fãs e aqueceram o público para o Franz Ferdinand, que está para lançar um disco inédito e mostrou algumas das faixas que estarão no trabalho. O vocalista Alex Kapranos interagiu muito com o público e estava com um largo sorriso para cada música que fazia o público pular e cantar. Se um bom show precisa ter entrega tanto dos artistas quanto dos fãs, o Franz Ferdinand merece a atenção por conseguir exatamente isso. E nem precisaram ser tão bregas quanto o Killers para fazerem o público pular em todas as músicas, até nas inéditas (que são boas, diga-se de passagem).
A pontualidade dos shows gerou situações tensas para os fãs. Quem não estava com o preparo físico em dia ou com uma bota de cowboy preparada para a lama teve problemas para encarar a longa distância de um palco ao outro para não perder nada de nenhum show. O Queens of the Stone Age, assim como o Franz Ferdinand, está para lançar um disco novo em 2013, mas foi mais discreto que a banda de Kapranos e tocou apenas uma faixa inédita: “My God is the Sun”. Um show ruim do QOTSA vale mais do que muitos shows espetaculares de outras bandas, portanto não seria uma mentira afirmar que a apresentação pouco inspirada de Josh Homme e seus comparsas ainda assim foi uma das melhores do Festival. Pelo menos, a terceira visita da banda ao Brasil contou com a presença de Jon Theodore (The Mars Volta) assumindo as baquetas da banda pela primeira vez. Com uma provável turnê mundial para divulgação do disco …Like Clockwork, fica a expectativa do Queens of the Stone Age retornar e fazer um show melhor do que esse apresentado pouco antes do A Perfect Circle fazer sua primeira apresentação no Brasil. O projeto paralelo de James Maynard Keenan (Tool) ficou bem longe de ser uma das atrações mais concorridas da noite, especialmente porque Criolo tocava ao mesmo tempo no palco Alternativo e o Black Keys encerraria a noite no palco principal, mas não desagradou aos fieis seguidores que se agruparam em frente ao palco Butantã. Com direito a cover de “Imagine”, de John Lennon, o APC tocou suas faixas mais conhecidas e ainda apresentou uma canção inédita: “By and Down”. Faltou muita coisa, como “Judith”, mas foi o suficiente para quem nunca imaginou poder ver a banda em solo brasileiro.
O Black Keys está na ativa há muitos anos, mas só recentemente virou objeto de desejo dos fãs de música alternativa. Por toda a qualidade técnica dos discos, era de se esperar que a banda fizesse um show superior ao material gravado. A surpresa negativa é que o Black Keys não improvisa tanto quanto o imaginado e ainda sofreu com um problema no som, que deixava a guitarra baixa em alguns momentos. O duo queridinho do momento tocou seus principais sucessos, começou com “Howlin’ for You” (dando a falsa impressão de que o show seria sensacional) e “Next Girl”. O foco do repertório estava concentrado no disco El Camino, que possui algumas das melhores obras da dupla. Deixar “Lonely Boy” como a penúltima faixa pode ser parecido covardia da parte da banda, mas por outro ponto de vista, foi o golpe certeiro que o público estava desejando desde que a banda subiu ao palco. Não se pode confundir qualidade com momento. O Black Keys têm seus méritos, mas achar que a banda tem força para fechar um evento desse tamanho no Brasil foi um grande erro desse lineup maluco do segundo dia.
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A saga: Ato final
Depois de dois dias cansativos, de muita lama, shows, dinheiro voando (eram R$8 em um pacote de PIPOCA), e adolescentes exóticos, a edição 2013 do Lollapalooza Brasil se encerrou no domingo de Páscoa. O Pearl Jam era a atração mais esperada da noite (talvez do evento), e o grande responsável pelo dia 31 ter sido o único com todos os ingressos vendidos, ou seja, haviam 60 mil pessoas aguardando para rever Eddie Vedder e companhia. Mas antes do PJ subir ao palco Cidade Jardim, o público acompanhou as apresentações de vários artistas. O ex-vocalista do Cordel do Fogo Encantado tocou no sol de 14h para os guerreiros que estavam dispostos a enfrentar mais de seis horas até o show principal da noite. Logo depois foi o Foals, que fez um show curtinho em um horário meio ingrato, e que dividiu as opiniões entre os fãs antigos e os mais recentes. O maluco James Maynard Keenan deu as caras novamente, se é que podemos dizer isso. Com um visual completamente diferente, o vocalista do A Perfect Circle apresentou o Puscifer. A apresentação estava bem morna até que Eddie Vedder surgiu no palco e ficou assistindo de camarote. O público “acordou” e começou a prestar mais atenção na banda com performance teatral que fez outro show memorável do Lollapalooza. Percebendo que estava interferindo no show, Vedder se retirou e acompanhou o show inteiro do fundo do palco.
Assim como o Franz Ferdinand, o Kaiser Chiefs sabe divertir seu público. O carismático Ricky Wilson (que parece ter perdido uns 30 kg desde a visita anterior da banda no Terra de 2008) correu de um lado para o outro e se arriscou ao escalar a estrutura do palco em duas oportunidades. Sem querer se fazer de difícil ou tentar empurrar músicas ruins para o seu público, o Kaiser Chiefs preparou um repertório especial e 100% eficiente com os principais sucessos dos quatro discos da banda. Foi mais uma prova de que uma boa apresentação não depende exclusivamente da qualidade das canções, e sim da capacidade do vocalista em tentar seduzir o seu público. O The Hives até tentou imitar o Kaiser Chiefs, mas o vocalista Pelle Almqvist exagerou na dose e ao invés de ser apenas um sujeito maluco hiperativo se tornou em um maluco hiperativo carente e encarnação de Alex Delarge, de Laranja Mecânica. Apesar das tentativas excessivas de ganhar o público do Pearl Jam (ele até conseguiu algum sucesso, exceto quando extrapolou ao pedir para as pessoas se agacharem), o The Hives fez uma apresentação empolgada e que teria sido bem melhor se não fosse pelos exageros de Almqvist.
A última visita do Pearl Jam ao Brasil foi em novembro de 2011. Se compararmos as duas apresentações apenas pelo repertório não é fácil escolher a melhor, mas considerando o que Eddie Vedder e companhia apresentaram fica bem fácil afirmar que o show que encerrou o Lollapalooza 2013 não chegou aos pés daquelas noites inspiradas do Pearl Jam. Com mais de duas horas duração, o destaque da noite ficou por conta do trabalho do guitarrista Mike McCready, em uma noite infernal e com solos inspiradíssimos. Como se trata de uma banda com mais de 20 anos de estrada, é claro que uma ou outra música ficaria de fora do repertório sempre imprevisível do Pearl Jam. Felizmente, as principais estavam lá e deixaram o público satisfeito. Houve espaço para covers de Ramones e The Who, antes do encerramento com “Yellow Ledbetter”. Educado e consciente, Vedder desejou feliz Páscoa para o público e também comentou sobre questões envolvendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Vez ou outra, ele perguntava se estava tudo bem com o público e que estavam gravando o sucessor de Backspacer, de 2009.
O show não foi transmitido para a televisão devido a uma picuinha que banda criou com a rede AT&T durante o Lollapalooza de 2007. Na ocasião, Vedder criticou o ex-presidente norte-americano George W. Bush e foi censurado pela rede. Desde então o Pearl Jam se recusou a liberar as transmissões de seus shows. A banda de Seattle saiu do palco pouco antes das 23h encerrando a maratona de três dias da segunda edição do Lollapalooza Brasil. A edição de 2014 já está garantida. Alguém aposta em alguma banda para ser headliner? Meu palpite tem três palavras: Nine Inch Nails.
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A minha lista de shows favoritos:
5 – Of Monsters and Men
4 – Pearl Jam
3 – Kaiser Chiefs
2 – Franz Ferdinand
1- A Perfect Circle