Demorou mais de 10 anos para o Foo Fighters voltar ao Brasil. A banda liderada por Dave Grohl foi a atração principal do Festival Lollapalooza, evento criado por Perry Farrel, vocalista do Jane’s Addiction, durante os anos 90. Ainda que tenha deixado muito a desejar em comparação com as edições de Chicago e Santiago, o Lollapalooza revelou um forte potencial para se tornar o maior Festival de música do país, batendo de frente com o Terra (ainda melhor), SWU e Rock in Rio. O grande problema foi que, assim como no clipe de “Everlong”, do Foo Fighters, o sonho não foi totalmente agradável e houve o risco dele se transformar em um grande pesadelo.
Uma das principais receitas de sobrevivência em um Festival em terras tupiniquins é chegar cedo, comprar todas as fichas de bebidas e evitar as intermináveis filas. Quem conferiu o evento em Chicago revelou que as filas não costumavam durar nem mesmo cinco minutos e que parte dos funcionários dos caixas eram voluntários. Aqui no Brasil, além de você perder um show inteiro para conseguir comprar a sua ficha e ser atendido, ainda corre o risco de lidar com a mesma cena acontecida durante o Rock in Rio IV, quando vários atendentes “fugiram” após o começo dos shows. O Lollapalooza não escapou deste, que é um dos principais problemas dos grandes eventos no país. A organização também errou no desenho da estrutura do festival: havia apenas um espaço para o público descansar e ele ficou lotado quando a chuva caiu durante o domingo; a Tenda do Perry ficava praticamente colada no palco Butantã e uma apresentação abafava a outra, tornando impossível assistir aos shows naquele lugar. Um erro grotesco, para se dizer o mínimo. Os organizadores só “perceberam” o deslize na hora da última apresentação do Lolla, quando atrasaram a apresentação do Racionais Mc’s para evitar o conflito sonoro. O público, principal interessado em conferir os shows, não foi avisado da alteração, embora naquela altura a maioria estivesse mais interessada em ir embora para casa e descansar após a maratona de dois dias. Ainda mais incômodo que as filas para os caixas, a primeira edição do Lollapalooza Brasil ignorou um dos únicos acertos do último Rock in Rio e manteve os banheiros químicos. O Festival criado por Roberto Medina ofereceu um grande mictório para evitar as longas filas e resolveu parcialmente o problema, pelo menos do lado masculino.
Mais grave ainda foi o caos para sair do evento. Boa parte das 70 mil pessoas que foram ao Lollapalooza precisava utilizar um transporte público para voltar para casa. Aliás, havia um grande incentivo por parte dos organizadores para que o público deixasse o carro em casa e optasse por usar o metrô (considerando que os shows estavam previstos para acabarem às 23h) ou ônibus. O resultado foi o completo despreparo das autoridades em lidar com a massa que se espremia e lutava para entrar no metrô. Se para encontrar um táxi livre era preciso andar até depois da Marginal Pinheiros, a situação não era nada fácil para quem esperava a PM liberar a estação Butantã. O caos não diminuiu nem mesmo no segundo dia, quando mesmo com 15 mil pessoas a menos, houve nova confusão, inclusive com relatos de violência por parte do público e também da polícia.
Como se não bastasse a tradicional reclamação das filas e estrutura, o Lolla também começou com o pé esquerdo quando a primeira atração internacional do evento subiu ao palco. Os malucos do Cage The Elephant fizeram um show visceral para o público com menos de 20 anos e que estava ocupado demais com os moshs e stage dives do vocalista Matt Schultz para prestar atenção na péssima qualidade do som da apresentação. O volume estava baixo demais e para uma banda com um vocalista que prefere fazer bagunça do que cantar, o resultado não foi positivo. Toda a pegada presente nos discos da banda foi apagada e ficou a impressão de que o som estava preso em algum lugar bem distante dali. Felizmente, Schultz usou tudo que aprendeu assistindo aos shows do Pixies e Nirvana e fez um show à parte, inclusive com direito a dois stage dives, sendo o último no final do show.
O Rappa subiu ao palco do Lollapalooza apenas para garantir a presença na edição norte-americana do show. Muita gente estava cantando os versos de “Rodo Cotidiano” e “Minha Alma”, mas o melhor momento do show foi quando Falcão e sua trupe deixaram o público ouvindo “Killing in the Name”, do Rage Against the Machine. Quando o melhor momento do seu show é motivado por conta de uma música de outra banda, é melhor repensar o que você fez de errado. O Band of Horses fez uma das apresentações mais elogiadas do Festival (com direito até a um pocket show acústico surpresa), enquanto o Tv on the Radio dividiu opiniões, chegando a ser chamado até mesmo de “Infinity on the Radio” por alguns fãs mais ansiosos pelo show do Foo Fighters. Dave Navarro, guitarrista do Jane’s Addiction, deu as caras para tocar “Waiting Room“, do Fugazi. Engraçado notar que pela segunda vez no dia, o melhor momento do show de uma banda foi consequência de uma cover. Pelo menos a banda preferiu tocar a música, ao invés de imitar O Rappa e deixar o som mecânico fazer o trabalho “duro”. Joan Jett se apresentou no palco Butantã, enquanto a maioria do público se espremia para chegar o mais próximo possível do palco principal Cidade Jardim e assistir ao show do Foo Fighters, que assim como todos os outros shows, começou pontualmente às 20h30.
A primeira nota de “All My Life” foi o suficiente para ganhar o público, que gritava e se apertava cada vez mais. Foi assim durante as primeiras músicas, o que dificultava muito a visão do palco. Os “baixinhos” não tinham nem como recorrer aos telões, já que a produção também falhou ao deixa-los baixos demais. Sem muitas surpresas no repertório (“Generator”, “Hey Johnny Park”, “For All The Cows”), o Foo Fighters fez uma apresentação para realizar os sonhos de todos os fãs. Dave Grohl chegou até mesmo a tocar bateria em “Cold Day in the Sun”, tornando aquele momento ainda mais inesquecível, mas o grande problema do show foi o fato dele ser uma vítima da tecnologia e não ter conseguido fugir do óbvio. Grohl criou um personagem extremamente carismático, mas que repete as mesmas frases e interações com o público. Quem acompanhou a transmissão do show do Chile e das duas apresentações na Argentina não se surpreendeu nadinha com o repertório e nem mesmo achou graça nas piadas, mas valeu pela experiência de estar diante tudo aquilo e a certeza de que o Foo Fighters é uma das maiores bandas da atualidade, independente das críticas. A cantora Joan Jett subiu ao palco para tocar duas músicas (“Bad Reputation” e “I Love Rock n’ Roll” – após um belo discurso homenageando Perry Farrel por sua importância no mundo da música e de como o Lollapalooza é uma marca de respeito e orgulho para as bandas alternativas) e logo depois foi o momento de “Everlong” encerrar o show. Grohl prometeu retornar em breve. Só resta esperar.
O segundo dia começou ainda mais quente e com uma concentração bem maior de pessoas para conferir aos primeiros shows do dia, especialmente do punk cigano insano do Gogol Bordello. Eugene Hutz se apresentou com a mesma empolgação (e roupa) do show realizado na sexta-feira, no O Beco, em São Paulo, e deixou todo mundo se perguntando o motivo que fez a produção escalar a banda logo no começo do domingo, deixando artistas como Thievery Corporation e Manchester Orchestra (que encerrou o show no momento em que a chuva começava a apertar e as pessoas fugiam para a tenda coberta) em horários melhores. Um dos grandes conflitos do domingo foi decidir entre assistir ao rock n’ roll incendiário dos goianos do Black Drawing Chalks ou aos movimentos pélvicos do vocalista do Friendly Fires. O MGMT fez um show que agradou apenas aos seus leais fãs, embora “Time to Pretend” e “Kids” sejam (as únicas) músicas divertidas e que fizeram muito barulho. Já o Foster the People surpreendeu muito positivamente, tanto pelo público que cantava tão animado como os fãs do Foo Fighters quanto pela própria performance da banda. Se o disco de estreia da banda era “certinho” demais e desprovido de pegada, o show é exatamente o contrário e ainda que o som seja extremamente organizado, tudo é tão bem trabalhado que é apenas mais um motivo para se admirar e acompanhar a trajetória da banda.
O Jane’s Addiction começou o seu show com um trecho de uma canção do Pink Floyd e uma performance de um grupo de acrobatas. Ainda que tenha tocado para um público novo demais para lembrar do clipe de “Been Caught Stealing”, existiam aqueles curiosos em conhecer o som da banda que Dave Grohl chegou a comparar como o Led Zeppelin de sua geração. Ainda que saibam perfeitamente como construir arranjos e um show de rock para fã nenhum botar defeito, Farrel e sua bizarra semelhança com Dinho Ouro-Preto fizeram o básico e não inventaram demais na apresentação, que foi perdendo força na medida em que se aproximava a hora do Arctic Monkeys “encerrar” o Lollapalooza.
A banda liderada por Alex Turner tocou boa parte do disco Suck it and See, deixando de lado muitas canções dos discos anteriores. Os fãs não se importaram, especialmente por estarem diante uma banda bem mais madura do que a que havia se apresentado no Tim Festival de 2007. Turner está mais simpático e evoluiu muito como vocalista e guitarrista. Enquanto não deixava escancarada a influência de Josh Homme, do Queens of the Stone Age e produtor do disco Humbug, na sua forma de cantar e tocar guitarra, o líder do Arctic Monkeys se divertia fazendo caras e bocas para o público.
Não é exagero dizer que a apresentação rápida e rasteira (e sem enrolação) foi a melhor dessa primeira edição do Lollapalooza Brasil, que deixará os fãs na expectativa para a confirmação (ou não) do evento no ano que vem.