Um jogo de palavras somado a brados políticos, emoções e melodias. Este é o breve resumo do álbum Caroço da banda Abacaxepa, que tem como ponto forte a pluralidade e a presença de ritmos brasileiros, bem como movimentos artísticos do país.
Lançado após uma extensa campanha no Catarse, o grupo dá seguimento a uma pesquisa mais ousada e ambiciosa que apresentada no EP homônimo de 2018. Sob instrumentais recheados de influência, um trio de vozes marcantes e forte regionalismo, o caminho tomado pela banda é, enfim, transformado em impressão tanto na estética visual quanto na sonoridade.
Caroço
O álbum já chacoalha o ouvinte desde os primeiros segundos: a voz de Bruna Alimonda inicia Abacaxi Azedo de forma marcante. Em pouco menos de três minutos, a banda entrega um rock mpbista vindo do fim dos anos 60, com a guitarra de Ivan Santarém em evidência. Ainda sobra tempo para uma cômica alusão a Mania de Você nos versos: “meu bem você me dá / afta na boca / dizendo que eu sou sua / mas tá com outra“, grande sacada que não sai da cabeça.
Diferente do EP, a saudade de casa não é tema das faixas iniciais. Entretanto, Crudo e Olhos da Cidade têm relação entre si: a primeira retrata a desolação por viver longe da natureza. A segunda expressa a falta do mar o desajuste por residir em uma metrópole. Apesar da semelhança de narrativas, as canções têm estruturas diferentes — Crudo é uma canção lo-fi voz e violão. Olhos da Cidade puxa para o rock, apresentando a potência do vocal de Rodrigo Mancusi.
Semelhante a Crudo em tom melancólico, Por Enquanto é Chuva apresenta o talento de Carol Cavesso para emocionar. Com a voz acima de um susurro, a vocalista representa a saudade com versos simples e existencialistas.
É interessante perceber que há interesse em reestruturar canções, como o caso de Pimenta, que perdeu parte do aspecto funk experimental e foi remodelada na bateria por Juliano Veríssimo. Sarcástica canção contra a conduta da moralidade hipócrita, arrisca no jogo de palavras, com direito a uma ponte de samba. Dinâmica semelhante é utilizada em Xepa, a mais despretensiosa do disco. Nelas, Fernando Sheila e Vinícius Furquim merecem destaque, em conjunto com a poesia trava-língua de Rodrigo. Curiosamente, os versos de pimenta (“Se todo mundo tem ouvido / Por que só eu tenho que escutar?”) estabelecem comunicação com Semente Cadáver (“Quais partes de mim vem velar as palavras mortas na boca muda e seca / de não dizer o que brotou?”), questiona Rodrigo antes de o intenso arranjo de Ivan dar seguimento à canção.
Assim como a irmã Abacaxi Azedo, Piracema e Picadinho são, talvez, as músicas com maior potencial de “hit indie” do trabalho. Delicada e com um quê de baião, Piracema retrata um romance marcado pela luta. Brega/bolero, Picadinho traz a história do rompimento de um relacionamento. Aqui, o importante é fazer o ouvinte dançar, seja sozinho ou agarradinho.
O álbum finaliza com “Remédio Pra Gente Grande”. De composição inconformada, a percussão repetitiva é o destaque da música, contribuindo significativamente para a atmosfera de angústia frente à apatia. No todo, grande atrativo do álbum é a facilidade de absorção por parte do público, embora seja extremamente criativo, cativante e bem trabalhado.
Complexo e cheio de camadas, Caroço cumpre com o prometido ao propor uma imersão ao território atemporal da música. Os arranjos e vozes se apresentam com suavidade, contrastando em alguns momentos com a inquietação das letras, experiências vividas pelos integrantes tanto no processo criativo quanto na vida. Caroço é o final, mas para Abacaxepa é a semente que possibilitará a criação de trabalhos ainda mais significativos.
Abacaxepa – Caroço
Lançamento: 16 de agosto de 2019
Gravadora: YB Music
Gênero: Indie, MPB, Folk
Produção: Ivan Gomes
Faixas:
01. Abacaxi Azedo
02. Olhos da Cidade
03. Xepa
04. Piracema
05. Pimenta
06. Semente Cadáver
07. Crudo
08. Por Enquanto é Chuva
09. Picadinho
10. Remédio Pra Gente Grande