Pam Hogg é uma das estilistas mais célebres e elogiadas de nosso tempo. Suas criações, entretanto, não se limitam às passarelas, mas se expandem para inúmeras outras formas de expressão artística. Como veremos a seguir, a grandiosa audto-didata escocesa tem muito a oferecer para um mundo alienado, que transborda em mesmice e radicalismo. Ela pode gerar inspirações capazes de salvar algumas alma desta atual realidade sombria.
Posso dizer que a história desse texto e dessa entrevista, começa em de 2015, na noite em que eu e minha mãe conhecemos a Lydia Lunch. Não vou contar detalhes sobre esse encontro, porque se eu contar, o texto vai ser muito mais longo. Obviamente foi uma ocasião interessante, um grande privilégio. Mas o mais importante foi que por causa da Lydia, eu conheci o baterista Bob Bert. Encontrei com ele no dia do show do Retrovirus e também no dia seguinte, quando ele tocou em outro local em São Paulo. O Bob é uma pessoa maravilhosa, me fez rir bastante naquele domingo e eu tenho um carinho enorme por ele. Se tornou uma pessoa importante pra mim porque o trabalho e as atitudes dele sempre me transmitiram coragem. Inclusive, fiz uma entrevista com ele em 2017 e em uma resposta, ele disse: “Be creative, enjoy yourself and don’t give a fuck about being successful”. Eu amei essa frase. O Bob tem um espírito underground muito inspirador pra mim. Bom, eu mencionei ele aqui porque antes de entrar em contato com a Pam para comentar sobre a ideia de escrever sobre ela, lembrei dessa frase, da entrevista e de como esse cara me motiva. Eu lembrei disso porque eu estava insegura… Mas lembrei que a própria Pam, em seus desfiles, incentiva a coragem. Então, movida pelo que aprendi com o Bob e por um súbito impulso dionisíaco, decidi ter coragem, seguir uma lógica filosófica absurda, me entregar à minha intuição e escrever pra ela. Se você está lendo esse texto agora, é porque deu tudo certo.
Okay. E por que eu decidi escrever sobre a Pam Hogg?
Os trabalhos dela sempre foram uma inspiração pra mim e eu nunca li nenhum artigo em português dedicado a ela – apenas vi menções e sei que ela tem alguns fãs no país. Acho alguém precisava escrever algumas linhas e mostrar o trabalho fascinante da Pam aos brasileiros!
Eu gostei da Pam Hogg desde a primeira vez que vi uma foto dela, porque a achei muito excêntrica, e geralmente admiro tudo o que é diferente do tradicional. Depois desse primeiro contato, pesquisei mais sobre o trabalho dela e percebi que havia encontrado outra mulher incrível na qual poderia me inspirar. Como resultado de sua mente criativa, o efeito estético que a arte de Pam causa é desconcertante e tem uma aura muito singular, que nos convida a entrar em uma dimensão completamente diferente da realidade diária. É um mundo novo e mágico. Eu gosto de Pam porque ela está longe de ser óbvia – e é óbvio que eu odeio o óbvio.
Tudo o que ela cria é fascinante!
Como resultado de sua mente criativa, o efeito estético que a arte da Pam causa é desconcertante e tem uma aura muito singular, que nos convida a entrar numa dimensão completamente diferente da realidade cotidiana. Eu gosto da Pam porque ela está distante do óbvio – e é óbvio que eu odeio o óbvio.
Quando decidi escrever esse texto, resolvi também ler Nietzsche novamente, pois eu estava tentando entender um pouco mais sobre ela e acredito que as frases de Nietzsche contra a moral, a luta dele contra a tradição dos costumes e sua defesa sobre o estado dionisíaco – o êxtase da alma, o delírio artístico – poderiam ser um caminho adequado para tentar entender o universo que a Pam criou. Nietzsche diz que há pessoas capazes de construir a si mesmas, que podem estar a frente de si próprias. Elas são pessoas especiais, com autonomia, pessoas que não são tentadas a mudarem quem são baseadas em estereótipos ou na moral. Esse tipo de ser humano não se molda a partir dos outros: ele cria seu próprio modelo de comportamento, e transforma sua vida em pura arte! Essas pessoas são aquelas que abraçam a vida, que transformam angústia e sonhos em obras primas. Elas não dizem “não” para mundo, elas dizem “sim” e o enfrentam, vivendo-o em sua plenitude. Essas pessoas buscam os riscos, vivem os riscos, arriscam-se. Elas amam situações perigosas, elas não temam os desafios – elas os desejam.
O que posso dizer? Acho que Nietzsche estaria orgulhoso dela, pois “ela não é uma mulher, ela é uma dinamite”. Essa frase do nosso filósofo a descreve bem: se os limites existem, Pam ignora. Se os paradigmas são reais, ela pisa neles. Se alguém tenta impor algo, ela se impõe antes. Sua arte é explosiva. Ela é perigosa para o senso comum. Ela é risco porque ela arrisca. Ela é poderosa porque sua arma é a arte. No final das contas, o que torna uma pessoa como ela tão especial é o fato de que de ela está além do normal. E coisas normais/comuns/clichês não nos surpreendem e não são interessantes! Apenas o excepcional significa alguma coisa. Por exemplo: o sol nasce todos os dias. Ninguém está impressionado com isso, mas as pessoas ficam impressionadas com um eclipse, porque um eclipse não é algo natural no cotidiano das pessoas.
Muitas pessoas que eu admiro já morreram – Jim Morrison, Bowie, Alfred Hitchcock, Platão, Schopenhauer, Tolstói, etc, etc – mas eu tenho sorte de ter vivido nessa época para conhecer a Pam, especialmente nesse momento em que a maior parte das pessoas é vazia e manipulada pela mídia e pelo poder. Ainda existem mentes autônomas e brilhantes, como ela, para nos dar uma verdadeira arte. Na verdade, acho que todos nós precisamos de mulheres como Pam: mulheres que agem por vontade própria, e que são corajosas o suficiente para construir seu próprio caminho sem que ninguém dite as regras, ela controla sua própria mente e não deixa os outros controlarem. Ela é ousada, rara e forte (e também muito dionisíaca)! E Pam não é apenas ousada e forte, mas ela luta para libertar outras pessoas e fazer com que essas pessoas vejam que elas também podem ser dessa forma e capazes de construir suas próprias vidas por si mesmas. Ela é a designer da metamorfose: ela enfrenta as mudanças, ela se renova e não vive nas sombras da caverna. É por isso que ela é a mulher perfeita para uma sociedade imperfeita (e doente).
Quem me conhece sabe que eu não sou o tipo de pessoa que idolatra alguém… não sou do tipo que vai guardar um guardanapo usado por uma “celebridade” ou dar gritos histéricos quando um artista anda na rua. Eu admiro as pessoas pelos seus atos, valorizo o que elas fazem de inovador, de diferente, e olhando para essas pessoas, tento ser alguém melhor, tento superar a mim mesma a partir de inspiração que essa pessoa me traz. Bom, depois que conheci melhor a Pam, ela se tornou de verdade, uma pessoa que admiro – e agora posso dizer isso com segurança. Ela não foi aquele tipo de artista que se coloca em outro patamar e ignora as outras pessoas (infelizmente já encontrei pessoas assim). Meu espírito underground me levou até a Pam. Mas eu não estou surpresa com isso.
O que realmente quero dizer é: “Por um poder imortal, todas as coisas, próximas ou distantes, ocultamente estão ligadas entre si. E tão ligadas estão, que não se pode tocar uma flor sem incomodar as estrelas”. (Francis Thompson).
Texto escrito com a colaboração de Gabriel Marinho. Agradecimento especial: Jessie Evans