Desde 2001 que eu tinha uma vontade de ver o Guns N’ Roses no palco. De lá pra cá, várias foram as oportunidades e, por diversos motivos, ver o Axl Rose tinha acontecido no máximo pela TV.
Lá no fundo, eu sempre olhei com desconfiança para o Guns e, principalmente, para o seu vocalista. Um receio de que ver a banda ao vivo poderia apagar da memória todas as opiniões positivas que eu tinha guardadas comigo. Talvez esse tenha sido o grande motivo para deixar as visitas dos últimos anos passarem. Essa era a questão que martelava na minha cabeça no caminho do último dia de São Paulo Trip, enquanto entendia um pouco do que os paulistas chamam de caos no trânsito que, inclusive, me fez perder os shows de Alice Cooper e do Tyler Bryant & the Shakedown, ambas consideradas excelentes pelo amigo e redator deste espaço, Lucas Jacovini.
Não tinha visto a apresentação do Rock In Rio dias antes, mas vi diversos comentários sobre o estado no qual estaria a voz de Axl Rose, além de elogios a banda capitaneada pelos clássicos Slash e Duff McKagan e a longa duração do show. Ao entrar no estádio, era impossível não notar a felicidade dos fãs por ver a banda mais uma vez no palco e pela chance de ouvir os clássicos hinos que marcaram uma geração. A atmosfera positiva acabou me contagiando e, se antes pensei em deixar o show antes do fim, o passar do tempo foi me fazendo querer mais aquele show. Deu até um friozinho na barriga quando a banda atrasou o início do show, mas pelo menos foram só quinze minutos e não as duas horas do Rock In Rio de 2011.
Com uma vinheta da turnê seguida da trilha de Looney Tunes e de “The Equalizer”, a banda sobe ao palco para o que seria uma epopeia de quase três horas e meia de riffs, solos, explosões e um som alto que deixaria qualquer um feliz.
“It’s So Easy” deu início ao show e, logo de cara, já mostrou que a voz de Axl poderia ser um problema. O vocalista segurou ao máximo possível os seus tradicionais “drives” nas faixas iniciais e, para compensar, levou o público a loucura em “Welcome To The Jungle”.
O vocalista ainda atrai a maioria das atenções do público ao longo do show, mas mantém consigo uma humildade ao abrir espaço para os demais, sobretudo Duff e Slash. Ver os três juntos no palco era algo que, quando anunciado, eu fiquei em dúvida de qual seria o resultado e é impressionante ver como a banda ganhou com as voltas. Da mesma forma, vale dizer que o tecladista Dizzy Reed, o guitarrista Richard Fortus, o baterista Frank Ferrer e a tecladista Melissa Reese também ajudam (e bastante) no som potente que o Guns N’ Roses entrega hoje, algo tão bom ou até melhor do que fazia ao vivo na década de noventa.
O grande problema são as oscilações de Axl e ao dizer isso, não quero apenas criticar por criticar. Em alguns momentos, é incrível ver que ele ainda consegue fazer umas coisas que te deixam de boca aberta, mas são mais de trinta anos de carreira e de uma voz que foi exigida ao máximo e negligenciada da mesma forma. Esses altos e baixos são visíveis ao longo do show, quando você consegue ir de momentos incríveis como “You Could Be Mine” e “My Michelle” a músicas que lembram karaokê da firma, como em “Rocket Queen” e “This I Love”. No entanto, beira a insanidade querer que o Axl mantenha exatamente a mesma voz que ele tinha na Use Your Illusion Tour, por exemplo. A voz pode falhar em alguns momentos, o seu visual pode emular o de uma senhorinha cinquentona em outros (eu ouvi isso de um casal ao meu lado no Allianz e precisava citar no texto), mas é inegável que ele tem presença de palco como poucos. Corre de um lado pro outro, mantém as suas clássicas trocas de roupa e esbanja energia que muito rockeiro da atualidade nem sabe que existe. E isso é muito bom de se ver.
Em um setlist de trinta e uma músicas, tem espaço para tudo um pouco e o Guns N’ Roses adora isso. Foi muito bom poder ouvir “Double Talkin’ Jive”, “Yesterdays” e “Coma” ao vivo, ver o Slash fazendo jam com “Johnny B. Goode” seguida de “Speak Softly Love” (o tema de O Poderoso Chefão) ou o Duff cantando “New Rose”, do The Damned (ainda que eu quisesse mesmo era “Attitude”, do Misfits).
Foi bom ver a banda passeando pelos clássicos “Sweet Child O’ Mine”, “Used To Love Her”, “November Rain”, “Knockin’ On Heaven’s Door” e “Nightrain” ao mesmo tempo em que se permitia fazer um dueto na guitarra de “Wish You Were Here”, prestar uma homenagem ao grande Chris Cornell com “Black Hole Sun” e ainda tocar “I Got You (I Feel Good)”, clássico de James Brown e, claramente, o momento mais inusitado da noite.
Após mais de três horas, a banda deixou o palco brevemente e voltou para o bis com “Don’t Cry”, “Patience”, “The Seeker” (cover do The Who) e aquela que é, pra mim, a música mais emblemática do Guns N’ Roses: “Paradise City”. Curiosamente, foi com ela que a minha relação com a banda começou e, se eu tinha dúvidas de como seria essa experiência antes de entrar no Allianz Parque, chegar aos acordes iniciais dela foi a constatação de que essa aproximação entre Axl, Slash e Duff ainda tem algo de bom a nos oferecer.
Qual será o próximo passo da banda ninguém sabe, mas já fica aqui o pedido por mais três horas de shows no Brasil com direito a “Out Ta Get Me”, “Move To The City”, “Bad Obsession” e, principalmente, a nunca lembrada “Garden of Eden”.
Veja também as resenhas dos três outros dias de São Paulo Trip: