(…) Quando eu li que eles estavam procurando um novo baterista, eu sabia que esse novo músico seria eu, embora não tivesse a menor ideia de como isso iria acontecer (eu nem ao menos havia tocado bateria antes) – John Moore.
O The Jesus And Mary Chain é o tipo de banda que costuma agradar muitas pessoas, independente de quais sejam suas preferências musicais. Acredito que qualquer coração tem espaço para canções como “Just Like Honey”, “My Little Underground”, “Happy When It Rains”, “April Skies” e várias outras músicas maravilhosas que são bem-vindas em diversificadas ocasiões cotidianas.
Felizmente, e ao lado de Gabriel Marinho, cujo coração também palpita pelo The Jesus And Mary Chain, tive a honrosa oportunidade de bater um papo inédito com o John Moore, um dos bateristas que deixou sua marca na história da banda e que também foi membro de uma outra grande banda (brilhante e muito singular) chamada Black Box Record.
# Como você entrou para o Jesus And Mary Chain e como foi sua experiência como a banda?
O tempo que passei no The Jesus And Mary Chain foi uma aventura maravilhosa e um tanto ridícula. Em algumas semanas, eu passei de um estudante do colegial sem graça, para membro de uma das bandas mais legais do planeta. O mais estranho disso tudo é que era assim que tinha que acontecer… algo além do controle normal… Tipo A Fantástica Fábrica de Chocolate e o bilhete dourado! Quando eu li que eles estavam procurando um novo baterista, eu sabia que esse novo músico seria eu, embora não tivesse a menor ideia de como isso iria acontecer (eu nem ao menos havia tocado bateria antes).
Até então, eu tinha ido em alguns shows e eles já eram a banda mais importante da minha vida. Fiquei admirado quando as revoltas estouraram, e maravilhado com Jim, indo ao público, William tocando a mesma guitarra que eu (que era pintada de preto) e o Douglas e o Bobby eram simplesmente magníficos! Melhor banda, melhor nome e melhor som: não havia nem como competir.
Nós nos conhecemos no Cinema Scala, em King’s Cross (Londres), em uma exibição do Entertaining Mr. Sloane, de Joe Orton. Quando as luzes ainda estavam acesas após o final do filme, Jim, William e Douglas estavam sentados algumas fileiras atrás de mim. Nós éramos praticamente as únicas pessoas lá. Não houve conversa, apenas uma saudação de pessoas de mentalidade semelhante com um gosto semelhante para filmes. Esses tipos de reuniões aconteceram bastante nas próximas semanas – Jim achava que eu estava o perseguindo, e eu achava a mesma coisa – Que seja! Nós começamos a nos falar.
Os detalhes completos de como me juntei à banda está na brilhante biografia de Zoe Howe, chamada Barbed Wire Kisses. Basta dizer que foi uma série de coisas (falando de maneira mais prática: eu tinha o visual certo, gostava das mesmas coisas, tinha um passaporte e estava pronto para uma aventura). O fato de eu não conseguir tocar bateria foi ignorado e eu melhorava nisso. Na audição, eles estavam duas horas atrasados, com ressaca e em um nível maravilhosamente miserável ao “estilo Mary Chain”, tocamos uma música. Sentindo que a oportunidade estava se perdendo, eu pedi desculpas pela minha incapacidade, alegando estar nervoso e afirmei que eles não eram exatamente maestros musicais também. “Justo, ele tem um ponto”, disse Jim. Sua única ressalva, que eles poderiam chamar um amigo de East Kilbride para ocupar meu lugar, foi rejeitada por Alan McGee, que apontou que eles não tinham amigos. Assim sendo, eu estava dentro!
# Qual é a melhor memória que você tem das suas experiências com o Jesus And Mary Chain?
Há muitas. Andar pelo St Marks Place em Nova York, à tarde, depois de tocar no The Ritz, é uma delas. O Jim, a namorada dele e Douglas, atravessando as belas ruas do Lower East Side, através dos lugares de nossos sonhos. Parecia que todo mundo estava no show, mas, como nós, estávamos muito distantes para fazer algo mais do que dizer “olá”. Nós havíamos sido perseguidos pela rua na noite anterior, tipo aquelas coisas da “Beatlemania”. O show foi fantástico e agora, essa brilhante queda!
# Quais são os bateristas que você mais admira e quais são as bandas que você tem escutado ultimamente?
Atualmente eu admiro muitos músicos. Qualquer um tentando fazer música para viver merece respeito – isso não é tão simples quanto parece. Eu não escuto muitas bandas agora – acho que minha cabeça continua atolada com o que eu costumava escutar antigamente. Eu tenho feito uma gravação desde o ano passado, então eu estou escutando mais aquilo – faixas intermináveis em que estou cantando – e isso pode ser um pouco prejudicial.
Eu acho que as últimas coisas que eu escutei, que não são as minhas próprias, são The Mary Chain (por razões óbvias), Ride (Loz é um amigo), Anto Dust (eles são uma banda muito jovem, incrivelmente glamourosa, de Shoegaze, que ainda será grande) e Vera Lynn.
# Consegue nos dizer quais são os “Top 5 Álbuns da sua vida”?
Eu não tenho exatamente um “Top 5”, mas, Never Mind The Bollocks, algum do Bo Diddley, algo do Muddy Waters, o Psychocandy, e Leonard Cohen estariam entre eles. Eu estou olhando para a minha prateleira de discos para ter inspiração e há muitos! Bob Dylan, Crass, Little Richard – muitos álbuns obscuros de brechós, música Folk – muitos de clássico – o problema é que eu preciso subir nas minhas guitarras para chegar até eles.
# Em sua opinião, a internet (Youtube, Facebook, e outras redes sociais e sites, em geral) ajudam os atrapalham no trabalho de um artista?
Difícil de dizer. Em muitos aspectos, é ótimo, porém, na minha experiência percebi que os melhores músicos são os menos adeptos tecnicamente e os mais preguiçosos. Atualmente, eu sou aconselhado o tempo todo a “fazer isso”, você precisa de sites, likes e mídias sociais – mas, na minha experiência, percebi que a melhor música é feita por sociopatas degenerados. Você pode imaginar Leadbelly atualizando uma página do Facebook? Eu, ocasionalmente, recebo certas cargas de energia, escrevo um blog ou publico algo no YouTube, mas esse tipo de momento passa. Eu não poderia fazer isso todos os dias. Infelizmente, há muitas bandas que podem – é o lado errado do cérebro trabalhando e a música parece falsa. Os rebeldes foram postos de lado. A indústria da música foi achatada pela internet e, provavelmente, nunca irá se recuperar disso… provavelmente.
# O que você achou do Demage And Joy, último álbum do Jesus And Mary Chain?
Fiquei orgulhoso pela banda pelo resultado do Damage And Joy. Levou um bom tempo, mas eles conseguiram. O The Mary Chain é a melhor banda que vi em muitos anos – a nova formação – mesmo sem eu arruinando as coisas, é excelente. É legal ver eles tão energizados e ativos quanto antes, e agora que eles tem o Demage And Joy, não há razões para não fazerem ainda mais. Há algumas semanas atrás, minha filha foi assisti-los no Latitude, foi o primeiro festival dela. Ela viu o show inteiro do lado do palco, na parte interna e viveu o grande momento da vida dela nesse dia.
# Como surgiu o Black Box Record? Eu conheci essa música através da série Gilmore Girls.
Outra longa história, mas para resumir, o Luke e eu nos encontramos enquanto estávamos reunidos com a banda de um amigo. Havíamos nos conhecido há anos, mas não havíamos nos encontrado. Nos tornamos amigos – compartilhando uma certa visão cínica da vida. A cantora que fazia a segunda voz desta banda tinha a voz mais bonita e era absolutamente linda, então começamos a escrever canções para ela – nós temos um box de Life Is Unfair, lançado ainda este ano, pela gravadora One Little Indian.
# Qual foi a inspiração para escrever a letra da música “Child Psychology”?
Foi inspirada por um documentário de tarde da noite que falava sobre uma garota que ficava flertando frequentemente com as pessoas – ela tinha o QI de um gênio, e ficou entediada demais para conversar. E é também inspirada em “Is All That All There Is”, de Peggy Lee.
# Como e onde você aprendeu a tocar serra?
Para falar a verdade, eu vi alguém tocando em O Gordo e o Magro, daí fiquei com o som na cabeça durante certo tempo: um som estranho e fantasmagórico, e quando eu vi O Gordo e o Magro, finalmente soube o que era o som. Isso também coincidiu com a época em que eu não poderia estar mais incomodado em carregar guitarras e amplificadores!
# Nós gostaríamos de saber sobre seu interesse pelo absinto em meados dos anos 90?
Eu descobri o absinto na República Tcheca, no início dos anos noventa, Isso foi logo depois da queda do Comunismo e este grande homem, o Radomil Hill, começou a fazer isso novamente pela primeira vez desde que a destilaria de sua família foi apreendida no final da Segunda Guerra Mundial. Eu escrevi pra ele para perguntar se eu poderia importar a bebida e, incrivelmente, ele disse que sim.
Eu passei anos procurando isso – não acreditei que fosse ilegal no Reino Unido e, eventualmente a Agência do Governo concordou comigo. Nós testamos a bebida para nos certificarmos de que não era venenosa e, então, no final do século, ela começou a ser vendida com o slogan: “Tonight We’re Gonna Party Like It’s 1899” – “Esta Noite Nós Vamos Festejar Igual em 1899”. Foram anos muito legais!
# Você conhece alguma coisa da música brasileira? Gosta de algum cantor ou banda?
Bem, além de “Garota de Ipanema”, Carmen Miranda e Sepultura, eu não estou muito informado sobre outras coisas. Talvez pelo fato de que estou sentado, vestindo meu roupão, em uma manhã molhada de Londres, e a música exótica parece muito longe. Eu gosto de Samba e de Bossa Nova, aliás, e eu escrevi muitas músicas nesses ritmos. Na verdade, uma das minhas canções favoritas de todos os tempos é “Adieu Tristesse”, do filme Orfeu Negro, então, no final das contas, sou um expert em música brasileira!
Entrevista realizada m conjunto com Gabriel Marinho.