Belo Horizonte é uma cidade pequena e com os piores motoristas do país. Basta chover para a população se arrepender dos votos nas eleições municipais e passar aperto com o trânsito pesado e ruas alagadas. Se você somar esse cenário caótico com uma noite de sexta-feira com um grande evento acontecendo no Mineirão, pode ter uma pequena ideia de como foi “fácil” chegar a tempo para o primeiro show do Pearl Jam na capital mineira – a banda já se apresentou em Porto Alegre, São Paulo (leia o texto aqui), Brasília e encerrará a tour brasileira hoje (dia 22), no Rio de Janeiro. No final das contas, toda a dificuldade era só mais um incentivo para tornar o show do Pearl Jam em BH uma coisa inesquecível.
O que torna o show do Pearl Jam especial é a disposição que os artistas têm para tornar aquela experiência única para seus fãs. Não é a toa que um grupo entusiasmado de europeus estava em peso no Mineirão. Na véspera, tive a chance de conversar com alguns deles e tem gente que já passou dos 40 shows do Pearl Jam em três continentes e mais de 22 cidades. Pode parecer loucura, mas não é. A maioria das bandas costuma ser preguiçosa ensaiando apenas um número limitado de músicas para as suas turnês e repetem boa parte das canções em suas apresentações. Isso quando não fazem shows idênticos e até usando as mesmas piadas (como foi o caso do Foo Fighters no começo do ano). Se tem alguma dúvida, basta verificar as estatísticas da tour na América do Sul e observar que eles tocaram mais de 60 músicas diferentes em apenas SEIS shows. Quem faz isso atualmente?
O evento ficou marcado pelo discurso de Eddie Vedder contra a ganância das mineradoras e lamentando o maior desastre ambiental do país, que devastou completamente um distrito de Mariana – MG no começo do mês. As 42 mil pessoas presente no estádio aplaudiram a atitude de Vedder, que ainda afirmou que parte do cachê seria doado para ajudar as vítimas. Uma bela atitude de uma banda que não faz shows apenas para cumprir tabela. Além de fazer questão de tentar se comunicar em português, Vedder e cia estão atentos para o que acontece em cada praça que se apresentam. Após o discurso, o Pearl Jam tocou “Do the Evolution”. Nada mais apropriado.
Em “Given to Fly”, a banda faz uma média básica colocando imagens dos principais pontos turísticos das cidades em que se apresenta. O público delirou, já que parte do que era apresentado no telão tinha os fãs que esperavam animados na porta do estádio desde cedo, além de que o mineiro sempre gosta de ser reconhecido como gente importante. A tal da vaidade, né?
Foram sete covers ao longo das quase três horas de show. A abertura ficou com “Rain”, dos Beatles. Provavelmente por causa da chuva fraquinha. Mas não foi uma escolha melhor que iniciar com “Release”, faixa tocada na abertura da apresentação em Brasília. “Imagine”, de John Lennon, já havia sido apresentada em São Paulo e foi mais uma oportunidade da banda homenagear Paris por conta dos atentados terroristas do último dia 13. Desta vez, a lembrança foi em dose dupla, já que o Pearl Jam também tocou “I Want You So Hard”, do Eagles of Death Metal. Ainda tivemos a tradicional “Rock’in the Free World” e a surpresa da noite: “Comfortably Numb”, do Pink Floyd, tocada pela segunda vez em toda a carreira da banda.
Com um repertório tão vasto e vontade de nunca se repetir, é óbvio que a banda acabaria deixando faixas importantes de fora. “Last Kiss”, “Betterman”, “Release” e “Just Breath”, por exemplo. Mas ver o guitarrista Stone Gossard cantando “Mankind” graças ao pedido de uma fã é o tipo de coisa que nos faz ignorar a falta de uma ou outra canção e ser feliz com o que viu. “Alive”, “Black” e “Even Flow” fizeram as honras da casa com os mineiros mostrando que mereciam demais esse show e que a banda será sempre muito bem recebida na capital.
Como de praxe, o Pearl Jam sempre extrapola o horário combinado com a produção (um claro sinal de que o público merece ter o melhor e o máximo possível, nem que isso signifique levar broncas) e a consequência direta é ouvir as últimas músicas com as luzes acesas. É assim na maioria dos shows e já faz parte da história da banda nos palcos brasileiros. Só precisamos esperar um pouquinho mais para ter essa sensação novamente e, quem sabe, com o John Pereira riscando mais algumas faixas na sua lista de 75 essenciais do Pearl Jam.
Fotos da banda: John Pereira (veja mais aqui)
Setlist: Reprodução / Instagram