Belo Horizonte poderia ser uma cidade muito mais evoluída se falando de Festivais se o público mineiro não fosse, em sua grande maioria, formado por pessoas interessadas mais na bagunça do que na música. Talvez seja uma herança deixada pelo Pop Rock Brasil, aquele festival farofeiro que reunia as “principais” bandas nacionais que tocavam sempre na rádio 98FM. Naqueles tempos mesmo já existia uma leve inclinação a deixar a música de lado e partir para a “micareta” do rock. Nos dias de hoje, com a libido juvenil explodindo e a zueira totalmente ilimitada, dá para perceber claramente quem são os poucos entusiasmados apenas com a ideia de curtir sua banda favorita. O amor pela música morreu, caros amigos. E a quinta edição do Planeta Brasil, desta vez acontecendo na Esplanada do Mineirão, é uma triste constatação disso.
A atração principal da noite seria o Guns N’ Roses, que o público mineiro já havia tido a oportunidade de ver no Mineirinho há alguns anos. Ou seja, a banda de Axl Rose não é novidade por aqui. Ainda assim era notável a quantidade de jovens com camisas do Guns. A maioria era bem jovem mesmo. Dava para ver que provavelmente eram novos demais para sequer terem ouvido falar do Pop Rock Brasil. Pode parecer piada, mas mesmo um festival que aconteceu por mais de 25 anos pode ser esquecido. E para os xiitas da música, presenciei uma heresia sem tamanho, que foi ver um bando de gente com camisa do Nirvana num festival em que o Guns N’Roses era a atração principal. Na falta do amor, acaba-se também a fidelidade. Fã de Nirvana não se mistura com essa gentalha. Só que os tempos mudaram e os coxinhas estão aí dominando a situação.
A entrada para o show foi um tanto caótica. Eram mais de 15h quando a fila estava dando meia volta em torno do estádio. Se não fossem as pessoas encarregadas de auxiliar o público, o resultado seria catastrófico. Aliás, vale destacar a simpatia e educação dessas pessoas – a maioria, pelo menos. E o show do Criolo, que originalmente estava previsto para as 14h, só foi começar às 16h. Sorte de quem se atrasou e teve a oportunidade de assistir a uma bela apresentação, embora o cantor estivesse bem tranquilo e sem fazer seus tradicionais discursos sobre o amor. Se tratando de um evento desses, podemos dizer que falar do sentimento fez falta. Só que Criolo segurou a onda e fez uma bela apresentação. A base do repertório continua no excelente disco Nó na Orelha, mas ele incluiu as duas faixas mais recentes (“Cóccix-ência” e “Duas de Cinco”) e guardou a genial “Vasilhame” para o final. Legal ver a reação do público, que agiu como se estivesse numa autêntica missa do rap e da boa música. O Criolo é um daqueles artistas marcantes, que atinge os público mais variados.
A falta de sinalização na Esplanada foi um tanto irritante. Engraçado que a produção acertou ao oferecer muitos caixas para evitar as tradicionais filas quilométricas que irritam os frequentadores de festivais, mas “cagou no maiô” por deixar de informar se os horários seriam mantidos ou não. Por conta desse deslize, acabei perdendo o começo do show do Raimundos (que só deveria começar após a apresentação de um dos integrantes do Cypress Hill).
Com o entusiasmo de sempre do guitarrista/vocalista Digão, o Raimundos não é uma banda que encontra muitas dificuldades para conquistar o público. Infelizmente isso não garante um show de qualidade elevada. Falhas no som (que já haviam comprometido um pouco o show do Criolo no outro palco) e longos intervalos entre as canções afetaram a apresentação. Para o público comum, claro, isso foi um pequeno detalhe. Todo mundo cantou e pulou ao som de “Eu Quero Ver o Oco”, “Me Lambe”, “Esporrei da Manivela”, e qualquer um dos inúmeros clássicos dos calangos. E um detalhe importante deste show foi a participação especial do ex-baterista Fred, que substituiu o atual detentor das baquetas do Raimundos. Ver o Fred no palco com o Raimundos foi bonito, já que mostrou o quanto ainda existe de respeito entre esses caras que no passado foram os maiores artistas do rock nacional.
Chega uma hora na vida de uma pessoa em que ela precisa se alimentar. O problema é quando a pessoa é vegetariana e está num festival em Belo Horizonte. Pior ainda, esse festival tem a coragem de cobrar R$ 10 num pão de queijo. Sei que não existe cidade do país que ofereça um pão de queijo melhor, mas para cobrar um valor assim tem que ser muito louco. As pizzas eram todas de carne. Ou seja, você paga caro e sofre por ter uma consciência acerca dos animais mais desenvolvida do que os responsáveis por escolher a comida dos eventos. Em tempos em que todo mundo está trabalhando com alguns valores interessantes, não é nenhum absurdo esperar que um dia os vegetarianos sejam lembrados por algum festival. Nem que seja para pagar R$ 10 numa folha de alface com tomate.
Geralmente, artistas nacionais costumam reclamar muito de serem deixados de lado durante os grandes festivais. Reclamações com o som são as mais comuns, mas o Planeta Brasil conseguiu a proeza de fazer com que o show do Frejat tivesse uma qualidade sonora superior ao do Guns, que subiria ao palco horas depois. O vocalista do Barão Vermelho chegou com muita classe com seu terno roxo. “Exagerado” abriu a noite de clássicos, que contou ainda com versões de “Sonífera Ilha” (do Titãs), e “Minha Menina”, de Jorge Ben. Frejat não brincou em serviço, e sem nenhuma dúvida, fez o melhor show da noite. Sorte de quem viu.
Depois de atrasar duas horas para o show do Rio de Janeiro durante a semana, havia uma certa expectativa para saber o que Axl Rose aprontaria. No entanto, com apenas meia horinha de atraso, o palco já estava preparado ao som de “Far From Any Road”, música de abertura da elogiada série True Detective. O público ficou enlouquecido. Segundos depois, a banda inteira entrou no palco (uma coisa bem pretensiosa, com dois andares) e o lendário Axl Rose fez as honras da casa com “Chinese Democracy”. Parecia promissor. O vocalista corria de um lado para o outro, os três guitarristas estavam animados. Quando começaram a tocar as primeiras notas de “Welcome to the Jungle”, a grande maioria das pessoas realmente se sentiu num show do Guns N’ Roses. Foi o orgasmo coletivo da molecada, que estava visivelmente feliz e achando aquele momento inesquecível. E isso, meus amigos, com você gostando ou não de uma banda, é sempre um bom sinal. Ver as pessoas sorrindo por causa da música é garantia de que o momento é realmente especial. No entanto, as rosas começaram a mostrar seus espinhos.
Justamente em “Better”, a melhor música do Chinese Democracy, o som começou a falhar. Pode ser que Axl realmente começou a cantar mais baixo para se esconder por baixo das guitarras estridentes, mas a qualidade do som diminuiu drasticamente e o show ficou num volume “educado” demais. A redução do volume não parecia ter incomodado o restante das pessoas (embora essas fossem as mesmas que usavam camisas do Nirvana ou tinham cara de crianças com a sensação de estar vendo algo histórico em ação – e não, não era o caso). Para piorar a situação, o Guns N’ Roses mostrou seu incrível talento de conquistar o público ao deixar todos seus instrumentistas terem pelo menos um solo. Mesmo os fãs mais ferrenhos devem ter bocejado. Foi chato. Desnecessário e completamente fora do propósito de uma boa apresentação – especialmente porque os números apresentados eram ruins e o som não ajudava.
O show seguiu morno. Com as longas intervenções dos solos, seria impossível engrenar. “Sweet Child O Mine” causou grande comoção, embora o público só tenha se apresentado durante o refrão (ao contrário do que aconteceu no Rio de Janeiro, quando existiam apenas fãs de Guns N’ Roses e esses cantaram a música inteira mais alto que a banda). “November Rain” veio logo na sequência, e confesso que mais interessante que a performance da banda foi observar um sujeito bêbado que cantava de maneira esganiçada, e dançava sozinho com a sua camisa verde e um copo de cerveja. Mas o sorriso no rosto do rapaz tornava a cena linda (hilária também, mas acima de tudo linda), pois era a síntese do amor por uma banda/música.
Quando “Dont Cry” começou a ser tocada, eu já estava bem longe do palco e procurando algum lugar para tomar uma cerveja para ver se conseguia salvar o restante do show e me divertir como o rapaz de verde. Foi a melhor música da noite, mas ainda assim deixou aquela sensação lamentável de que o Guns N’ Roses não preservou a essência daquilo que os tornou relevantes para a história da música mundial. Axl não mantém a voz do passado, e parece que ainda acredita possuir uma coroa – o que o impediu de se comunicar com a plateia que o observava atentamente. Uma pena que o Guns tenha se tornado apenas uma banda cover do que costumava ser. Pior ainda é saber que nem conseguem ser a melhor cover de si mesmos.
O saldo final do Planeta Brasil foi positivo. Longe de ser um festival inesquecível ou sem problemas chatos, mas ainda deixa muito a desejar para as coisas profissionais que acontecem em São Paulo, por exemplo. A Esplanada é um espaço interessante para receber eventos na cidade, mas precisa ser melhor trabalhada para que o som possa ser ouvido em todos os pontos do estádio. E fica a expectativa de que o público mineiro aprenda a ter um pouco mais de educação (jogar um absorvente usado no chão perto do banheiro é muito feio) e mais noção (não se usa camisa do Nirvana para um show do Guns, porra).
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Fotos
Guns N’ Roses: Pedro Vilela
Público: Mariela Guimarães / O Tempo