Existem momentos na vida em que a gente precisa se questionar: o que foi que fiz da minha vida? Como um apaixonado por música e frequentador ativo de eventos ao vivo desde 2002, o debut foi com o falecido Pop Rock Brasil, me sinto como se fosse um idiota por ter demorado tantos anos para ver o Djavan ao vivo. Mas sabe como é o ditado: Antes tarde do que nunca. Finalmente vi o Djavan em BH.
Na sexta-feira, 27 de outubro, o alagoano fez a primeira das duas noites de shows na capital mineira. Ambas apresentações com ingressos esgotados e recheadas de fãs de todas as gerações. Adolescentes, adultos e pessoas idosas, que, pelo menos naquele momento, tinham um grande fator em comum: presenciar um dos maiores nomes da música brasileira fazendo a sua arte.
Acompanhado de uma banda inspirada, ouso dizer que o Djavan é um tesouro perdido para todo um público de apaixonados por boa música. Digo isso com a convicção de que os grandes sucessos criaram uma imagem de “respeito”, mas não de interesse. Qualquer pessoa com um ouvido afiado sabe reconhecer quando está diante um trabalho de qualidade. E olha, eu arrisco dizer que nem foi uma noite diferenciada para Marcelo Mariano (baixo e vocal), Felipe Alves (bateria), João Castilho (guitarra, violão e vocal), Paulo Calasans (piano, teclado e vocal), Renato Fonseca (teclado e vocal), Jessé Sadoc (trompete, flugelhorn e vocal) e Marcelo Martins (saxofone, flauta e vocal). Cada um deles estava super tranquilo, fazendo o show com segurança e dentro do combinado. Apostaria que ver esses caras em uma noite muito inspirada deve ser um show a parte.
Observei Mariano com atenção. Afinal, não escrevi uma coluna falando das minhas linhas de baixo favoritas à toa, e, também por não lembrar de já ter visto o baixista ao vivo antes. Espero um dia ter a oportunidade de fazer uma entrevista para discutir a questão de equilibrar técnica e talento com o que as músicas pedem. No entanto, quem realmente me deixou de queixo caído foi Sadoc com um solo insano para “Cigano” (acho). Martins também teve seu momento na parte final do show, em outro solo maravilhoso. Precisa mesmo ter uma banda competente para levar aos palcos essa mistura de sonoridades de samba e jazz, que é o som do Djavan.
Em “Meu Bem Querer”, o cantor assumiu o protagonismo para ter um momento “íntimo” com a audiência. Semanas atrás vi a maior ovação de um artista no Viva Brasil, quando Gilberto Gil entrou em cena, mas acho que a emoção nos aplausos para Djavan garantem um segundo lugar fungando no cangote de Gil. O público, que estava sentadinho cantando em alto e bom som (às vezes alto e desafinado demais), ficou de pé para aplaudir o alagoano. Na sequência “Oceano”, também só na voz e violão, marcou a parte karaokê do show.
Aliás, é curioso pensar nisso. Penso que um show do seu artista favorito pode ser tanto um ritual terapêutico e catártico, como aquele momento em que você só quer viajar para outro universo, assim como acontece quando assistimos a um bom filme. Cantar faz parte da emoção de viver algo especial, mas será que os cantores do bar da Kássia – tradicional ponto de karaokê de BH – não percebem que o silêncio às vezes é necessário? Qualquer nuance da interpretação de Djavan (ou qualquer cantor que seja) se perde quando as pessoas berram as palavras antes da hora, munidas apenas da vontade de participar do show.
Antes de tocar “Iluminado”, Djavan deu uma porrada de classe naqueles que fingiam governar o país nos últimos anos. Consciente da divisão do país, evitou cometer o “deslize” de dar nomes aos bois, mas com toda a sua elegância e classe, deu o recado para quem quisesse/conseguisse entender.
Com uma carreira tão recheada, Djavan precisaria fazer uma rave ao invés de um show para dar conta de tudo que ficou fora do repertório, como “Açaí“, por exemplo. Mas não faltaram sucessos como “Te Devoro”, “Flor de Lís”, “Samurai”, além de “Se…” já nos minutos finais da apresentação de quase duas horas. Nesse momento, Djavan já tinha convocado os mineiros para deixarem as cadeiras e se aproximarem do palco. Fez questão de tentar tocar a mão de cada pessoa. Não basta a genialidade musical, o cara ainda se esforça para agradar com mais de si mesmo para retribuir todo o amor recebido. De novo, porque diabos eu demorei tantos anos para ver o Djavan ao vivo? Que show maravilhoso.
PS: Um agradecimento especial para Dulcimar Souza, que nos cedeu a foto que ilustra a publicação.