No último final de semana, “O show do Coldplay” era o único assunto possível na capital fluminense. Seus reflexos no transito, a lotação nos hoteis e a enxurrada de fãs com blusas da banda inundaram o espaço comum carioca para o primeiro dos três concertos com que o grupo encerra os 11 shows marcados no Brasil.
O público ainda lotava o Engenhão enquanto os escoceses do CHVRCHES apresentavam seu delicioso synthpop que, com os contratempos do evento e pela ansiedade para a atração principal, passou batido pela maioria. Do lado de fora do estádio: policiamento massivo, filas imensas, problemas com ingressos falsos e ambulantes que vendiam de cerveja e vape até merch em altíssima qualidade.
Além disso, o trânsito tumultuado permitiu que os taxistas cobrassem preços exorbitantes e sem cobertura de internet móvel nos arredores do estádio, uma simples viagem até Copacabana variava de 150 – 300 reais, no modo carioca: com taxímetro desligado. Sem cobertura celular para pedir Uber e expiando no público a má fama da cidade e seu imaginário televisivo, os taxistas só não faturaram mais que Chris e o restante da banda.
Com atraso de 30 minutos, a banda entrou no palco entoando “Higher Power”, faixa de abertura do álbum Music Of The Spheres, que dá nome a turnê que foi apresentada pela primeira vez no Brasil no último Rock In Rio. Dessa vez, a Music Of The Spheres World Tour, contou com estrutura própria e todo seu charmoso e maçante discurso ecológico.
A música de abertura (e também carro-chefe do disco) faz muito mais sentido ao vivo que em sua morna versão de estúdio. Não muito preocupado em ser surpreendido, o público se deliciou com o setlist fixo da turnê, que contou com “Strawberry Swing”, escolhida por fãs e apresentada com exclusividade nesse show.
Tendo como definitivo ponto alto a ganhadora do Grammy “Viva la Vida” e a antêmica “Adventure of a Lifetime”, o show manteve o animo do público ao longo da vasta seleção de hits da banda, que contou com o explosivo remix de Seeb para “Hymn For The Weekend”, o smash “My Universe” com BTS e as parcerias com produtores de eletrônica “Sky Full of Stars”, produzida por Avicii, e “Something Just Like This” com The Chainsmokers, além da explosiva faixa de EDM ainda não lançada “Aeterna”, apresentada pela primeira vez no Brasil.
A grande surpresa da noite ficou por conta de Zeca Veloso, que subiu ao palco acompanhado dos irmãos Tom e Moreno e cantou “Todo Homem” ao lado dos já quase brasileiros Chris, Johnny, Guy e Will. A preocupação da banda em adentrar a cultura dos lugares que visitam e fazer parcerias locais e até inusitadas é algo que outros artistas deveriam tomar de exemplo.
Os ingressos caros, justificados pela exorbitante estrutura, trazem à tona também a utopia da classe média que, por momentos, se vê num grande parque de diversões, num transe espiritual good vibes, uma válvula de escape em uma cidade perigosa que, apesar de sua beleza, não oferece paz a ninguém.
Com a Music Of The Spheres World Tour, a banda reafirma o legado solidificado em 2011, quando lançou o apoteótico Mylo Xyloto. Guiados por Brian Eno, o álbum inundado por um rock com vivacidade hi-NRG e muita claridade, desaguou na fama de positividade e alto astral pela qual a banda é conhecida (e até odiada por alguns). Reféns ou amantes disso, o fato é que — com exceção do pouco lembrado Everyday Life (2019) — a estética do grupo e seu imaginário pós-2011 nunca se distanciou da atmosfera de Mylo Xyloto.
É inegável que Coldplay sabe como nenhum outro artista ou banda criar uma atmosfera imersiva para seu público. Muito além da visão quase onírica do mar de luzes gerado pelas pulseiras de led, a banda, ativa desde 1996, se dedica exclusivamente a alavancar o poder de comunhão da música e, com a digressão mundial que promove o álbum Music of the Spheres, atinge seu ápice.
Em suma, o espetáculo technicolor cumpre mais do que promete: buscando abraçar a sustentabilidade sempre que possível e apoiar diversas políticas socioculturais ao redor do globo, a banda também permite que jovens “estagiem” com o grupo e tenham seu primeiro contato com o exclusivo mundo do showbiz. Louvável!
O Brasil já sente saudades, como provavelmente a banda também sente das pulseiras que viraram ‘’lembrancinhas’’ e não foram devolvidas.