Demorou bons meses para que o receio de encarar um festival finalmente fosse menor do que a vontade de ver algum artista pela primeira vez.
Ainda que o lineup do Popload Festival tivesse diversos nomes interessantes, o motivo que me fez encarar um bate-volta em São Paulo tal qual um adolescente tem nome e sobrenome: Charlyn Marie Marshall ou, simplesmente, Cat Power.
Seria a minha primeira vez vendo a cantora ao vivo e, talvez por isso, tudo parecia “menos importante” no feriado do último dia 12, no Centro Esportivo Tietê. E digo isso sabendo que o festival ainda contava com Jack White, Pixies, Jup do Bairro, Rincon Sapiência e Chet Faker – entre outros nomes – no lineup.
Era difícil não se envolver pela atmosfera criada pelo encontro desses artistas com um público de cerca de catorze mil pessoas que se revezou entre os dois palcos, tomou chuva, dançou, cantou e se divertiu ao longo das mais de dez horas de evento.
O LOCAL
Ver o Popload saindo do já tradicional Memorial da América Latina despertou em mim uma curiosidade. Mesmo com vinte anos de festivais frequentados, ainda bate aquela vontade de conhecer e explorar um novo espaço, entender como funciona e, claro, pensar em outros eventos por ali.
Aplicando uma dose de planejamento, chegar e sair do Centro Esportivo Tietê foi bem tranquilo. Utilizando transporte público em ambos os trajetos, não encarar perrengues era um fator importante e foi concluído com sucesso. Com uma entrada rápida, logo já estava dentro do espaço e, já de cara, alguns pontos chamaram a atenção: espaço plano e de fácil acesso, grama sintética em quase toda a área principal e banheiros modulares em contêineres ao invés dos – infelizmente – tradicionais banheiros químicos foram pontos altos.
Em contrapartida, as filas – sobretudo nos caixas – foram um fator complicado e que exigiram paciência do público, principalmente para quem já estava acostumado com as facilidades de uma pulseira cashless e seu carregamento antecipado. Ainda que eu entenda a opção pelos cartões, uma melhor distribuição dos caixas pelo espaço já ajudaria a conter o problema. As filas me remetem aos preços e, não sei você, mas não dá pra achar aceitável pagar R$7 em um copo d’água, R$11 em uma lata de refrigerante ou R$18 em um chopp. São coisas que me parecem muito fora da realidade, mas que a gente se convencionou a pagar por “não ter muito o que fazer”.
Voltando aos pontos positivos, a circulação entre os espaços me pareceu tranquila em grande parte do evento, as ativações de marcas estavam bem localizadas e era possível ver o palco principal de vários pontos. Para mim, que já não era um entusiasta da aglomeração antes mesmo de tudo o que aconteceu nos últimos anos, isso conta muito.
E OS SHOWS?!
Ainda que tivessem nomes interessantes desde cedo, me programei para chegar pouco antes do show da Cat Power. Com isso, perdi Jup do Bairro – e toda a confusão em torno do show; o duo argentino Perota Chingó, o encontro entre Fresno e Pitty, além das atrações iniciais do palco da Heineken.
Ao chegar, foi encarar o – longo – processo dos caixas, uma rápida exploração do espaço e ocupar um local próximo ao palco para riscar mais um nome da minha listinha pessoal.
“A Cat Power é tão foda que usa dois microfones ao mesmo tempo”
Começar o dia por quem você mais quer ver é sempre especial e, quando isso envolve Cat Power, acaba ganhando ainda mais valor. Apesar de ser um nome que já veio algumas vezes ao país, inclusive em outra edição do mesmo Popload, essa foi a minha primeira experiência ao vivo com ela.
Com uma banda impecável, a estadunidense cria uma atmosfera gostosa e que prende a sua atenção ao longo da apresentação, que mesclou faixas autorais com releituras especiais, já que Power está em turnê promovendo o seu mais recente trabalho de covers, lançado no começo do ano. Lá estavam os clássicos “New York, New York”, de Frank Sinatra; e “(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones; além de uma releitura emocionada para “Bad Religion”, do Frank Ocean.
A tarde ainda rendeu uma dedicatória especial para Jack White em “I Want to Be the Boy to Warm Your Mother’s Heart”, cover do The White Stripes; um momento fofo com ela recolhendo setists que estavam no palco para entregar aos fãs que estavam na grade e um encerramento com a bela “The Greatest”, faixa que dá nome ao álbum lançado por ela em 2006 e que ganhou uma versão maravilhosa.
No fim, ficou a felicidade por vê-la aliada com a sensação de que um show solo em ambiente fechado seria capaz de desidratar este que vos escreve. Talvez por isso, o único momento de chuva tenha ocorrido exatamente após a cantora sair do palco.
Na sequência, Chet Faker assumiu o palco principal e, sozinho, o australiano emulou um Ed Sheeran alternativo transitando entre teclado e sintetizador. Bem à vontade – a ponto de usar um sobretudo que mais parecia um roupão, Nick Murphy mostrou um pouco do seu neo-soul dançante e que casa bem com a ideia de um festival no feriado.
“So long so lonely” e “1998” abriram uma apresentação que privilegiou o álbum Hotel Surrender. Além da faixa inicial, “Feel Good”, “Get High”, “Whatever Tomorrow” e “Low”, que fechou o show, vieram do álbum lançado no ano passado. A seleção de músicas contou ainda com “Drop the game”, sua parceria com o DJ Flume, as marcantes “Gold”, “Talk is cheap” e uma bela versão de “No Diggity”, clássico do Blackstreet.
Com um clima bem agradável, a noite caiu com uma boa trilha sonora e amenizando os nossos ouvidos para as porradas que viriam na sequência.
Uma marca do Popload, pelo menos nos shows internacionais, foi a pontualidade. Por isso, eram cerca de 19h quando “Kick Out the Jams” (é aquela do MC5 mesmo) começou a ecoar pelo espaço avisando que Jack White estava disposto a exibir a sua coleção de guitarras, riffs e canções criadas nas últimas duas décadas.
Mesclando tudo o que já fez na carreira – o que não é pouco – com os seus trabalhos solos recentes, o músico trouxe para o palco uma versão energética de canções, sobretudo dos trabalhos lançados neste ano. Das oito faixas solo escolhidas, quatro fazem parte do Fear Of The Down, álbum que saiu em abril. Duas estão no fresquinho Entering Heaven Alive, enquanto outras duas saíram do Lazaretto (2014). A outra metade do show é composto por suas bandas: The White Stripes, The Raconteurs e The Dead Weather, lembrada com “I Cut Like a Buffalo”.
“A posição de ‘gênio musical’ permite ao Jack até não cantar bem”
Claramente a vontade no palco, Jack se mostra confortável com a função de front-man e preocupado apenas com a sua diversão e o entretenimento do público. Isso dá a ele uma vantagem: poder fugir de qualquer perfeição naquele espaço.
Ninguém espera de Jack um vocal “padrão estúdio” ou que ele cante todas as músicas. A gente só quer ouvir o que ele sabe fazer de melhor. Para isso, muita distorção e uma química especial entre ele, o baixista Dominic Davis, o faz tudo Quincy McCrary e o baterista Daru Jones.
Carregando algumas cartas na manga, White fez um show para todos os seus públicos: entregou um som porrada para quem queria, agradou com os grandes hits, deu músicas inesperadas para quem gosta de surpresas – “Cannon” (The White Stripes) é uma delas – e ainda enfiou a boa e recente “Hi-De-Ho” no setlist, mesmo ela tendo uma pegada bem mais eletrônica do que o resto do show entrega.
Fechando a noite, a alegria do público em torno da trinca formada por “Fell in Love With a Girl”, “Steady, as She Goes” e o clássico “Seven Nation Army” provam que Jack White merece um show solo por aqui. Já passou da hora, inclusive.
Para fechar a noite, o Pixies arrebatou o público do festival com um show nostálgico.
A vontade no palco, não era difícil perceber que a banda era a mais esperada pela maioria do público presente e isso ficou claro logo de cara com “Gouge Away” e “Wave of Mutilation”, faixa que a banda tocou novamente naquela noite com uma versão diferente.
Ao longo das mais de vinte músicas, os relatos são quase unânimes: uma apresentação repleta de momentos calorosos e marcantes, que mesclou o passado marcado por hits como “Here Comes Your Man” e “Where Is My Mind?” com faixas de seu trabalho de estúdio mais fresco, Doggerel, lançado não tem nem um mês. No entanto, após ouvir a baixista Paz Lenchantin cantando “Gigantic”, o cansaço de um primeiro festival em quase três anos começou a bater na porta.
Um fato curioso é que o Popload de 2019 havia sido o último evento desse formato que fui antes da pandemia e, ainda que tenha visto Metallica e Demi Lovato nos últimos meses, retomar essa prática gostosa de um festival no mesmo evento teve o seu sabor especial.
Foi com essa sensação que, enquanto “Hey” ecoava pelo CET, a noite foi dada como encerrada. Era hora de voltar, tentar dormir algumas horas e se preparar para encarar um voo rumo a Belo Horizonte antes do sol nascer. Afinal, os próximos shows precisam ser pagos, não é mesmo?!