“Sempre fui punk. Quer dizer, desde que eu descobri o punk”.
Assim se descreve o carioca Rafael Crespo. De carreira já consolidada na música, Rafael é membro-fundador de bandas como Polara e Cold Turkey. Em um bate papo com o Audiograma, ele nos fala sobre a presença no meio underground, efeitos colaterais da pandemia e o desenvolvimento do seu projeto mais recente, a banda de pós-punk Herzegovina.
Quem é Herzegovina?
Atualmente com Rafael no vocal e na guitarra, Marcelo Fernandes no baixo e Alberto Tie Dye na bateria, a banda nasceu no Rio de Janeiro. A formação inicial contava ainda com Mario Mamede na bateria. O nome, Herzegovina, passou pela mente de Rafael e não foi aceito logo de cara pelos outros integrantes: “Herzegovina parece nome de mulher. Uma coisa meio Proust… ‘vovó Herzegovina’. O nome causou estranhamento, mas o estranho tem essa coisa que fica. E ficou”.
A discografia da Herzegovina é relativamente grande: começando em 2016 com o EP de estreia da banda, “5am Demo”, seguindo em 2018 com o EP “Last Turn”, o lançamento do single “Road of Joys” em 2020 e, por fim, no mesmo ano, o álbum “Emergency”.
A faixa “Road of Joys” tem grande influência dos anos 80, seja com a arte da capa ou com a sonoridade. Seguindo o modelo de música pós-punk, é perfeita para dançar. A capa do single conta com uma arte inspirada na obra de Edvard Munch, chamada “A Vampira”.
A banda apareceu em duas coletâneas: a “Paranoia Musique” — com a conexão entre os organizadores e a banda feita pelo antigo baterista — e a “De Profundis – Spatio Sociales”. Segundo Rafael, essa foi a chance de dar destaque a uma faixa mais “lado B”, a “Cold Fire”: “Era uma música que a gente achava que ia ser muito escondida, que não teria visibilidade. Ela é meio fora da curva”.
Até o lançamento do álbum, a banda contava com letras apenas em inglês. O motivo, explica Rafael, era a “vontade de querer tocar as músicas logo, de querer fazer show, lançar coisa”. Apesar da pressa, Rafael diz que a banda não tem como objetivo se limitar a uma língua só: “A gente não tem muito essa preocupação de cantar em português ou inglês, é o que soar melhor e o que o momento pedir, o que se encaixar melhor na situação”.
Pandemia, vida remota e o primeiro álbum
Com o passar dos meses, a banda lança seu primeiro álbum cheio, “Emergency”. Entre o prazeroso e algo que dificulta a vida e os relacionamentos de muitos, as redes sociais se consolidam em tempos de pandemia como o único respiro frente aos momentos caóticos que vivenciamos no mundo e em território nacional, estabelecendo uma verdadeira síndrome de Estocolmo entre ser humano e tecnologia.
“Eu acho que as redes sociais são um retrocesso social, elas diminuem a qualidade das relações humanas”, diz Rafael.
Essas relações foram abordadas no álbum. A sexta faixa, “Ego Arcade”, traz bastante esse sentimento, representando uma verdadeira disputa de egos e faz referência aos videogames antigos.
No melhor estilo “dançando enquanto o mundo pega fogo”, as letras dançantes não escondem o sentimento ruim que se apossa dos integrantes frente à realidade política completamente distópica. “A gente não queria falar de política, mas eu não consigo fugir dessa realidade que estamos vivendo. Nossas primeiras letras não tinham nada disso”, conta Rafael. A data de lançamento, 8 de junho de 2020, foi precisa, funcionando quase como um presságio do que viria pela frente no fatídico ano da pandemia.
A banda chegou a se adaptar, como quase todos os músicos, em lives e divulgação via internet, mas Rafael explica que não quer seguir apenas no digital: “Ser músico é isso, você está ao vivo, na frente das pessoas, fazendo a coisa acontecer ali”, diz. “Isso é legal porque todos os outros membros pensam da mesma maneira. Ninguém quer ficar em casa, fazendo live ou tocando pra uma câmera. A gente quer tocar pras pessoas de verdade”.
Inês e Herzegovina
“Eu vi ali o nome deles, nos cartazes, e eles tocando no mesmo circuito que a gente tava tocando, com as mesmas bandas; e me chamou atenção”, diz Rafael sobre a parceria com a banda Inês é Morta.
Os grupos tinham um encontro marcado em 28 de março de 2020, um show que teve de ser adiado devido ao início da pandemia. “A gente combinou de fazer esse show junto e, quando teve a pandemia, foi tudo cancelado. Mas algum tempo depois acabei indo conhecer o Niá, espaço onde a gente ia tocar em São Paulo. Fiquei uns dias lá e foi quando os conheci pessoalmente, porque o Daniel trabalhava ali junto do espaço”. Este ano, o show pôde ser realizado no Bomber Pub, bar de temática punk localizado no bairro de Pinheiros, também em São Paulo, no dia 18 de junho deste ano.
Contando um pouco sobre a experiência de ter transitado entre o meio underground e o mainstream, Rafael afirma: “Eu nunca saí do underground. Sempre foi a minha casa, o lugar que me acolheu. Era bom porque eu ganhava dinheiro com isso, mas não me sentia 100% à vontade”.
O pós-punk pelo Brasil e parcerias com outras bandas
Os rolês alternativos são a perfeita chance de união entre aqueles que não se encaixam em padrões, com visuais dissonantes e opiniões não ortodoxas…será? “O esquisito gosta de ser esquisito? Tem a coisa de também ter alguém que quer se aproveitar disso…vou montar uma banda com esse esquisito, vou namorar o esquisito”.
Apesar dessa incerteza entre aproveitar o rolê e ser aproveitado pelo rolê, é certo que os sons mais darks não ficam restritos somente às grandes capitais, como Rio e São Paulo. Sim, existem bandas pelo Brasil afora que representam bem esse estilo, como a banda cearense de gothic rock Plastique Noir.
Herzegovina já realizou alguns shows em lugares como Goiânia, Brasília e Minas Gerais, e Rafael demonstra interesse em fazer uma conexão com bandas de outros lugares do país, inclusive citando Plastique Noir, com quem “realmente queria tocar”.
“A gente não conseguiu ir pro norte/nordeste ainda”, diz. “Rio e São Paulo, por enquanto, são os lugares que têm circuito mais fácil de fazer, mais garantido. Mas a ideia é ampliar cada vez mais”.
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