Quando a primeira temporada de Bridgerton (a série de época da Netflix) foi lançada, em 2020, não foi só a inclusão de personagens negros em enredos nos quais eles geralmente estariam reduzidos a posições de servidão ou escravidão ou a história a la Orgulho e Preconceito com o adicional de sexo que chamou atenção do público: as versões instrumentais de músicas atuais tocadas durante as cenas se tornaram um dos assuntos favoritos entre os espectadores.
Usar músicas contemporâneas como trilha sonora para obras de época não é novidade no mundo do entretenimento: isso já foi visto — e elogiado — em Maria Antonieta, filme de 2006 dirigido por Sofia Coppola, conhecida por seus filmes com ótimas trilhas sonoras, como Lost In Translation; e também em O Grande Gatsby, adaptação de 2013 que teve a trilha produzida por Jay-Z.
E esse recurso tem um nome: é o anacronismo em trilhas sonoras.
O que é o anacronismo em trilhas sonoras?
O anacronismo é um erro temporal. Quando falamos sobre anacronismo em uma obra de ficção, falamos sobre algo que não existia na época em que a história se passa.
Um exemplo clássico disso são os objetos modernos usados em Flintstones: apesar de estarem na Idade da Pedra, os personagens usam carros, jogam boliche e fazem coisas que, obviamente, não existiam naquele tempo.
Quando falamos em anacronismo em trilhas sonoras, estamos falando sobre usar músicas que não são do período em que a história se passa. O uso de músicas antigas, como acontece na trilha de séries como The Umbrella Academy ou The Boys, também vale: em trilhas anacrônicas, as músicas também podem ser de uma época antes da história.
Por que usar o anacronismo na trilha sonora?
Contar qualquer história sem tomar liberdades, licenças poéticas e usar outras ferramentas que a tornem mais interessante para sua audiência é pouco comum. Por isso, o anacronismo é um recurso costumeiro em muitas produções, sejam elas literárias, teatrais ou audiovisuais: além da trilha, roupas, objetos e até mesmo roteiros contam com ele.
Ao escolher músicas contemporâneas — ou, ao menos, lançadas algum tempo depois da época em que a série ou filme se passa — para as trilhas, os produtores encontram uma maneira de ir além da função tradicional de usar músicas para ambientar a história: aqui, elas se tornam um elemento surpresa e surrealista, além de serem uma maneira de levar familiaridade para o espectador.
Quais filmes e séries têm anacronismos em suas trilhas sonoras?
O anacronismo em trilhas sonoras é mais comum do que se imagina e, quando se para para prestar atenção nisso, é fácil encontrar diversas surpresas em filmes e séries que já estamos até cansados de assistir.
Esses são alguns filmes e séries que usaram esse recurso para suas trilhas:
Bridgerton
O exemplo que abre esse texto utilizou músicas contemporâneas como easter eggs em sua primeira temporada e como maneira de contar sua história na segunda: ambientada no século XIX, a série tem versões instrumentais de músicas de artistas como Ariana Grande, Alanis Morissette, Nirvana, Billie Eilish, Miley Cyrus e até mesmo Madonna em sua trilha.
Maria Antonieta
A versão escrita e dirigida por Sofia Coppola da história da rainha deposta durante a Revolução Francesa mistura músicas clássicas e contemporâneas em uma trilha que contém artistas como New Order, The Cure, Siouxsie & the Banshees e The Strokes. O que mais chama atenção aqui, porém, é “I Want Candy”, da banda Bow Wow Wow, sendo tocada no background de uma série de cenas que retratam a extravagante vida que Maria Antonieta e sua corte levavam.
Dickinson
Para contar a história da escritora Emily Dickinson, a série que leva seu sobrenome tem Billie Eilish, A$AP Rocky e Mitski em sua trilha sonora, além de uma participação de Whiz Khalifa como a Morte em um dos episódios.
O Grande Gatsby
Produzida por Jay-Z e The Bullitts, a trilha sonora da versão dirigida por Baz Luhrmann de O Grande Gatsby conta com regravações, como a versão de “Back To Black”, da Amy Winehouse, cantada por Beyoncé e André 3000, e músicas inéditas, como “Young and Beautiful” de Lana del Rey.
Jojo Rabbit
O filme de Taika Waititi se passa durante a queda do regime nazista na Alemanha, em 1945, mas tem em sua trilha “Heroes”, de David Bowie, e uma versão em alemão de “I Want To Hold Your Hand”, dos Beatles — que foi lançada como single na Alemanha em 1964, junto com “She Loves You” (a título de curiosidade, respectivamente, os títulos em alemão são “Komm”, “gib mir deine Hand” e “Sie liebt dich”).