O Breve Festival foi o primeiro grande evento cultural em Belo Horizonte desde o início da pandemia causada pela COVID-19.
Marcado inicialmente para maio de 2020, o festival foi um dos primeiros impactados pela crise sanitária global e lidou com alguns adiamentos até, finalmente, poder sair do papel no último sábado (09), na Esplanada do Mineirão.
O espaço recebeu cerca de 50 mil pessoas que enfrentaram problemas de organização, chuva e, ainda assim, fizeram o espaço tremer fervorosamente enquanto nomes como Gal Costa, Ney Matogrosso, Gloria Groove, Duda Beat e Racionais MCs se revezavam entre os quatro palcos.
Como não poderia deixar de ser, a retomada dos shows também marca a retomada das coberturas in loco do Audiograma, algo que se tornou uma marca do site ao longo de seus mais de dez anos e da qual sentimos falta nesses mais de 700 dias de isolamento, cuidados e preocupações com a saúde.
Com todos os cuidados necessários, uma força-tarefa composta por Bárbara Moreira, Henrique Ferreira e Tullio Dias esteve presente no Gigante da Pampulha e, após muitas andanças, aperto e muitas doses de dorflex, apontamos os destaques do Breve Festival para vocês.
Um mix de sensações
O Breve foi uma receita do que um festival tem que fazer para se tornar um sucesso, mas também um exemplo do que não fazer para evitar problemas.
A minha saga começou na metade do show do Djonga e me surpreendi, porque o cara colocou todo mundo pra cima numa vibe muito unida. O contato entre artista e plateia era de extrema intimidade, talvez pelo artista estar em casa (é no Mineirão onde ele acompanha algumas partidas do Atlético e, claro, por ser de Belo Horizonte). Aos gritos de “Fogo nos racistas”, o raper finalizou sua performance de uma maneira soberana. Inclusive, buscando a ressignificação da roupa usada por Djonga e por toda a equipe – a camisa amarela da seleção brasileira – mostra claramente o seu posicionamento político.
Enquanto a maioria seguia para o combo Céu+Tropkillaz e Duda Beat no Palco Amstel, fiquei aguardando pelo show do capixaba Silva, que trouxe seus maiores sucessos em uma vibe contagiante e bem familiar. Lúcio encanta com seu violão, seu minimalismo e seu carisma. Os gritos elogiando o cantor não cessaram em nenhum momento e ele parece até gostar, apesar da timidez. É um show simples, certeiro e que, se você fechar os olhar por alguns minutos, provavelmente vai sentir uma energia muito gostosa.
Mais tarde, Gal Costa entra e nos presenteia com um show que é um deleite para os nossos ouvidos. Sentir o público cantando as músicas em alto e bom som deixou o ambiente confortável. Inclusive, acredito fielmente que a performance dela poderia ter um pouco mais da energia que sentimos no meio da plateia. Talvez em uma próxima oportunidade.
Após um tempo, senti o Mineirão vibrar e eis que Glória Groove chega. A drag queen não poupou performances, vocais e muito menos looks. De todo o coração, parecia que eu estava diante de uma diva pop internacional porque o trabalho é estrondoso e de altíssima qualidade.
Apesar do microfone falhar no início e o público gritar para que fosse resolvido, Glória tirou de letra e deu a Esplanada um dos melhores shows da noite (senão o melhor). Ela entrega uma performance que você literalmente reza para não acabar de tão bom e de tão gostoso que está o clima.
De lá, segui para o fechamento da minha noite de Breve: os caras do Racionais MCs redefiniram o conceito de presença no palco Amstel. Uma forma mais próxima de definir aquilo é dizer que eles entregaram uma obra de arte digna dos museus mais famosos do planeta. Mano Brown colocou a plateia fiel pra cantar em níveis altíssimos e, para a surpresa de alguns, vem o Djonga para somar ainda mais ali. O palco ficou pequeno diante do talento monstruoso desses caras. Só achei o som um pouco abafado, mas nada que fosse incomodar.
Com o seu lineup de peso, o Breve Festival entregou bons shows mas não o suficiente para o aglomerado de problemas que poderiam ser facilmente evitados. Nas próximas edições, veremos como será o progresso de um dos maiores festivais de Minas.
A Breve necessidade de um Dorflex
Por Tullio Dias
Quantas vezes você já disse para si mesma/o que não tem mais idade para certas coisas? Digo isso praticamente todos os dias e com uma frequência perturbadora desde a COVID-19. Ainda assim, agora que vivemos os últimos dias de uma pandemia que não chegou ao seu fim, fui recrutado pelas páginas laranjas do Audiograma para contar minha experiência na terceira edição do badalado Breve.
Confesso que ser um dos poucos presentes usando uma máscara de proteção foi uma experiência à parte. A juventude tem essa coisa de se achar imbatível. Ou considerar a máscara como um acessório desnecessário no seu visual. Talvez as duas coisas. Vai saber. Deus que me perdoe, mas boa parte das pessoas fica muito melhor de máscara…
Enquanto corria (literalmente) para encontrar a minha noiva e não causar a 3a Guerra Mundial antes da Rússia, observava o perfil do público. Muitos novinhos e novinhas fantasiados como se fosse Carnaval, mas a maioria era a turma com os 30 anos batendo nas costas. Achei curioso, mas depois de três anos em casa, é de se esperar que todo mundo aproveite as oportunidades de se divertir. Pelo menos no lineup, o Breve conseguiu garantir bom entretenimento. Pena que deixou a desejar em tantas outras coisas.
No caminho notei a ausência de sinalização e tive que depender da boa vontade dos poucos seguranças para encontrar o caminho no meio daquele labirinto de gente espremida e abarrotada gritando alto. Quando finalmente alcancei a minha noiva próximo do palco Amstel, a Duda Beat já estava na metade do show. De longe e com o som ruim, não é como se eu pudesse dizer que vi a apresentação. Ouvi suas músicas mais conhecidas, como “Bixinho”, “Chapadinha na Praia” e “Chega”, e foi o momento em que os mais jovens pareciam se divertir e cantar mais. Espero ter uma oportunidade de ver a cantora ao vivo novamente e saber cantar alguma coisa. E me sentir jovem também, claro.
Pulei a Ludmilla porque hoje não era o dia que eu iria ouvir batidão de boas. Isso me garantiu um espaço bacana para, de longe, conseguir ver o palco da Pitty sem precisar depender exclusivamente de telão. A última vez que vi a Pitty ao vivo deve ter sido em 2005, 2006. Ou em alguma edição do extinto Pop Rock Brasil ou show solo. Fiquei feliz porque sabia cantar as músicas.
Olhava ao meu redor e via a alegria das pessoas. Talvez a maioria estivesse ali apenas pelo oba-oba de participar do evento mais badalado da vez, poder falar disso no Instagram e tal. Mas ali, naquele momento com todo mundo cantando “Memórias”, “Equalize” e, principalmente, “Na Sua Estante”, poxa vida… Como eu senti falta disso.
Na sequência fui andando para o outro palco pela primeira vez para ver um trecho do show da Gal Costa, que eu nunca tinha visto ao vivo na minha vida e queria mudar isso. No caminho paramos para ir ao banheiro e isso foi surpreendentemente difícil, pois ou estavam com filas imensas ou impraticáveis. Perdemos um bom tempo procurando uma forma de nos aliviar e apesar de ter ouvido a voz maravilhosa da Gal e uma versão linda de “Desafinado” (também conhecida como melhor música brasileira), posso considerar que continuo sem ver um show da Gal Costa.
Perdemos o começo do show do Ney Matogrosso, motivo principal da minha vontade de enfrentar um festival. Fiquei frustrado por não conseguir me aproximar o suficiente para ver o palco. Não queria ficar cheirando sovaco suado de ninguém, ainda mais gente sem máscara. Pior ainda foi notar que não era apenas impressão: o som do palco Amstel estava horrível em comparação ao Breve. Ou ficava estourado demais (caso da Pitty) ou muito baixo (Ney).
Até aquele momento, eu não tinha visto nenhum show inteiro. Como minha amiga Polly disse no grupo do Audiograma: “O Festival chama Breve porque vocês vão ver breves momentos de cada show”. Ela tinha razão. Em mais de 20 anos de Festivais, eu sempre vi a maioria dos shows inteiros. Fiquei chateado porque isso não foi possível desta vez.
Talvez fosse alucinação causada pelo cansaço, mas eu juro que ouvi pagode vindo do palco da Gloria Groove. Como é que alguém com músicas como “A Queda” e “Leilão” tem outras tão diferentes? Naquela altura do campeonato, quase morrendo desidratado e tomando a decisão de não comprar água para conseguir ter dinheiro para voltar pra casa, não foi bem uma opção abrir o coração e deixar a Glória entrar. Fica para uma próxima.
Por fim, O Grande Encontro fez valer os perrengues. Ver o trio formado por Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo foi arrepiante. A voz da Elba é muito melhor do que imaginei. Alceu é um patrimônio da nossa música. Os três fizeram os guerreiros sobreviventes dançarem para espantar o cansaço e, como dizem atualmente, “entregaram tudo”.
O saldo final do Breve foram excelentes atrações que obrigaram o público a selecionar um em detrimento do outro. Se ao menos tivessem atrasado os shows em alguns minutos seria mega possível de ver todas as apresentações sem sentir o peso de fazer escolhas – que podem fazer sentido em outros Festivais, mas não era o caso do Breve.
Voltei para casa com o dinheiro economizado da água, tomei um banho e dormi na base do Dorflex porque, querida leitora/querido leitor, a idade chega para todo mundo e chegou pra mim.
Texto de introdução por John Pereira. Veja mais fotos do Breve Festival em nossa galeria.