Eu acho que, a não ser que você estivesse fazendo algo que fosse mudar sua vida, não existe muita gente que consiga se lembrar o que estava fazendo há exatos 10 anos atrás. E, ao ler isso, você provavelmente vai pensar no que estava fazendo há 10 anos atrás ou nas datas das coisas que mudaram sua vida. Você provavelmente vai pensar em muitas coisas que, de alguma maneira, fazem com que o que eu vou falar sobre agora seja uma besteira, mas eu realmente preciso compartilhar o que eu estava fazendo há 10 anos com você (afinal, de uma maneira ou outra, essa é a intenção desta coluna).
Há 10 anos, o Nevermind fazia seu aniversário de 20 anos e todo mundo estava comemorando essa data: a finada MTV Brasil passava comerciais sobre a importância do disco a cada 5 minutos, os sites de música faziam textos e mais textos sobre o assunto e os sites de notícias recapitulavam a vida dos integrantes. Dave Grohl retomava a parceria com Krist Novoselic no Wasting Light e eu, que nunca tinha ouvido falar sobre o Kurt Cobain — que em 2011 já estava morto há mais tempo do que eu tinha de vida —, Nirvana ou qualquer uma das coisas relacionadas à esse universo, decidi ouvir o popular disco aniversariante.
Há exatos 10 anos, eu ouvi o Nevermind pela primeira vez. Aquele foi o momento que minha curta vida de 13 anos mudou. E, para falar a verdade, eu não parei de ouvir ele desde então. Por isso, escrever esse texto em uma coluna chamada (Re)Descobrindo Sons é quase uma trapaça.
Mas, bem, tanto faz. Vamos falar sobre o Nevermind!
I’m so lonely, but that’s ok
Até onde eu sei, Seattle nunca foi um lugar muito divertido. É um lugar cinza e frio, com constantes crises que fazem com que suas empresas cresçam de forma meteórica só para chegar perto da falência algum tempo depois, e cheio de pessoas que precisam fazer o seu melhor para sobreviver com essas oscilações.
As pessoas mais famosas que nasceram por lá não são exatamente famosas — à exceção do Kenny G e do Bill Gates — e ninguém que gostava de música tinha muitas formas de se divertir, afinal, as bandas geralmente pulavam a cidade de Seattle em suas turnês e o maior movimento musical que tinha acontecido por lá fora o jazz, décadas atrás.
Por isso, não era surpresa nenhuma quando jovens entediados com seu dia a dia saíam de lá para tentar a vida em outras cidades e até mesmo formar outras bandas, como foi o caso de Duff McKagan, baixista do Guns N’Roses. Mas, talvez, para quem morava lá na época, tenha sido uma grande surpresa quando um estilo musical foi nomeado em sua homenagem.
The Seattle Sound
“Se você vivia em Seattle, (…) você era grunge”
– Ben London, do Alcohol Funnycar
Ok, o grunge não é exatamente nomeado em homenagem à Seattle, mas uma de suas alcunhas é. O “som de Seattle” surgiu da mente de fãs de punk entediados e considerados esquisitos, que pegaram instrumentos musicais e deram origem à bandas que cantavam músicas esquisitas e angustiadas, e politicamente conscientes, afinal estamos falando de um lugar que tinha altos índices de violência e estupros.
Foi assim que nasceu o Green River, o Malfunkshun, o Mother Love Bone — uma das minhas favoritas dessa turma —, o Mudhoney, o Tad e o Soundgarden. Foi por causa de bandas como essas e esse tédio coletivo que a SubPop se tornou uma das grandes gravadoras da época.
E foi daí que nasceu, em Aberdeen, cidade vizinha a Seattle, o Nirvana, que algum tempo depois lançaria uma música nomeada por causa de um desodorante e que foi considerada, justamente, um hino sobre o tédio adolescente.
E então, para a surpresa de todos, o disco com a música com título de desodorante que falava sobre tédio derrubou o Rei do Pop das paradas.
Here we are now, entertain us
Kurt Cobain não era lá uma pessoa muito fácil de se divertir. Sofrendo de constantes dores de estômago e alguns problemas psicológicos mal diagnosticados (e, muito menos, tratados), passava boa parte do tempo trancado em casa, — apesar de ser alguém descrito como amável e extremamente engraçado — ouvindo Beatles, Melvins, Black Sabbath e ABBA, praticando com sua guitarra e escrevendo em seu diário.
Visto isso, escrever a frase “aqui estamos nós, nos divirta” no que se transformaria no maior single de sua banda parecia algo irônico a se fazer, mas, como Cobain disse para Dave Grohl: a música vem primeiro e as letras depois. Assim, a letra de “Smells Like Teen Spirit” é apenas uma das que existem em um disco com diversas letras estranhas, gritadas e relativamente difíceis de entender que, no fim, se tornaram mal interpretadas.
“Por que diabos os jornalistas insistem em fazer uma interpretação freudiana das minhas músicas, quando eles transcrevem ela incorretamente 90% das vezes?”, Kurt costumava reclamar sobre os jornalistas, algo que passou boa parte de seu curto tempo de vida fazendo.
Mas nós somos ouvintes e, pior, somos fãs. Queremos entender o por que de tudo. Saber de onde vem aquelas letras que grudam em nossas cabeças tão rapidamente, queremos saber o que inspirou nossa música favorita. Queremos, queremos e queremos.
E daí surgem as interpretações. O retrato de um relacionamento complexo de “Lounge Act” é resultado da relação entre Kurt e Tobi Vail, do Bikini Kill; assim como “Drain You” e sua letra sobre dependência. “In Bloom” é uma crítica aos supostos fãs que surgiram após o sucesso do primeiro disco, Bleach, e não entendiam a mensagem das músicas da banda e “On a Plain” é sobre alienação. “Polly” narra a história de um estuprador que mantém uma vítima refém. No fim, são músicas que, muitas vezes, tiveram suas letras finalizadas momentos antes da gravação final.
Talvez as letras de Nevermind realmente não importem tanto assim.
A denial
É impossível não sentir um arrepio quando os quatro acordes iniciais de “Smells Like Teen Spirit” começam a tocar no momento em que você dá play no Nevermind. É difícil não cantarolar o riff de abertura de “Come As You Are” junto com a música, ou não se ver aguardando para ouvir o espetacular baixo de Krist Novoselic na introdução de “Lounge Act”, ou não se empolgar quando Dave Grohl dá as primeiras batidas na bateria em “Territorial Pissings”.
Seja a dinâmica verso silencioso-refrão barulhento-verso silencioso usada nas músicas, a elegância dos acordes simples e que são tão divertidos de se aprender quando se pega uma guitarra nas mãos pela primeira vez, o apelo pop que a banda já havia demonstrado antes em “About a Girl“ e em “Sliver”: existe algo nas músicas em Nevermind que o torna apaixonante.
Pode ser sua produção sofisticada, — onde foi necessário que Butch Vig, que mais tarde se tornaria parte do Garbage, usasse do amor de Kurt pelos Beatles e dizer que John Lennon costumava dobrar seus vocais nas músicas para convencê-lo de fazer o mesmo — ou a mixagem de Andy Wallace, escolhido por Cobain devido ao seu trabalho com o Slayer, já que ele queria que a música soasse mais “pesada”.
Ou até mesmo a mistura de ritmos: em Nevermind, punk, heavy metal e hard rock andam lado a lado, todos tornados pop pela habilidade que Kurt Cobain tinha de misturar suas influências e criar seu próprio estilo.
O sucesso comercial do disco não impediu que Kurt odiasse seu trabalho mais tarde, dizendo que o disco se parecia mais um trabalho do Motley Crue do que um disco de punk. Mas é difícil declarar que você adora o seu disco que vendeu milhões de cópias quando se está tentando ser punk. Ou quando se é perseguido pela imprensa enquanto se tenta lidar com a fama repentina conseguida por causa dele.
I’m lucky to have met you
É engraçado pensar que, mesmo antes de seu lançamento, fitas piratas com as músicas do Nevermind já circulavam por Seattle e todo mundo concordava: aquela era uma das melhores coisas que já tinham ouvido.
Só que ninguém nunca explicou o porquê. E, preciso admitir que, para mim, é difícil dizer o que faz do Nevermind um disco tão bom, justamente porque existem muitos motivos para isso. São os gritos em “Smells Like Teen Spirit”? A sequência de músicas sensacional que é “Drain You”, “Lounge Act” e “Stay Away”? O final impressionantemente silencioso que é “Something in the Way” depois de um disco tão barulhento? É o apelo pop nas letras que já era demonstrado por Kurt Cobain desde Bleach? A bateria implacável de Dave Grohl? O baixo rítmico e extremamente competente de Krist Novoselic?
O fato é que Nevermind mudou a música. 30 anos depois, ele continua sendo lembrado como um dos discos mais influentes da história, se tornando referência para artistas de diversos gêneros musicais e sendo descoberto por novos fãs todos os dias. Ele continua sendo o disco que, quando foi lançado, tornou tudo ao seu redor antiquado, velho e sem graça demais. E eu sei que eu adoraria poder ter a sensação de ouvir esse disco pela primeira vez novamente.
Eu tirei uns 30 minutos do meu tempo para escrever esse texto. Tempo esse que eu deveria gastar escrevendo meu trabalho de conclusão de curso, mas eu não poderia deixar de falar sobre o disco que, mesmo indiretamente, foi o motivo para eu fazer esse TCC. Ou a minha faculdade de jornalismo. E gostar tanto de música. Assim como todas as outras coisas que eu faço na minha vida, até mesmo escrever para o Audiograma.
Então, deixo aqui meus parabéns para o Nevermind! Espero que, neste exato momento, alguma criança de 13 anos esteja te ouvindo pela primeira vez e a vida dela esteja sendo mudada.