Oficialmente falando, fazem quase 10 anos que acompanhamos Lana del Rey. Ouvimos ela declarar seu amor por lugares e por pessoas, esperamos ansiosamente por seus shows e discos, assistimos ela se envolver em polêmicas por conta própria ou com a ajuda de outras pessoas e elogiamos ou criticamos seus posicionamentos assim como fazemos com seus trabalhos.
Mas é interessante observar que, ao mesmo tempo em que pessoas trabalham para se tornarem grandes estrelas, ela seguiu na direção contrária: nesse tempo, também observamos ela trabalhar para abandonar seu status de popstar, deixando de lado o glamour e a estética (por que, se vamos afirmar que um artista tem estética própria, não podemos deixá-la de fora dessa lista) que a acompanhavam para assumir uma faceta artística e política, como se, em seu universo, as duas coisas não pudessem coexistir.
E, como resultado dessa transição, tivemos os nascimentos de Lust for Life, um disco de transição que conta com as primeiras manifestações políticas em sua discografia, Norman Fucking Rockwell!, que, ao usar as paisagens marítimas de Los Angeles como cenário para somar a decadência dos Estados Unidos de Trump à melancolia característica de seu trabalho — agora contando com a produção de Jack Antonoff —, se tornou o melhor trabalho de sua carreira, e agora chegamos à Chemtrails Over The Country Club.
No álbum, sua segunda parceria com Antonoff, ela parece abandonar de vez sua paixão e seus ideais de Nova York e Los Angeles, deixando para trás a vida em meio à Bugattis e iates que sofreram com a decadência narrada no disco anterior para cantar sobre seus irmãos e suas amigas, sobre Tulsa e fazer referências à sua nova relação com a religião, criando o disco mais poético de sua carreira.
Suas novas prioridades também refletem no instrumental do disco: salvo raras e pontuais exceções, Chemtrails é um álbum com o instrumental minimalista, onde pianos e violões dedilhados dominam as músicas para apresentar a fase folk pop de Lana aos seus ouvintes.
A principais ideias da obra são sintetizadas na faixa título onde, utilizando os vocais ecoados também utilizados na faixa título do disco anterior, Lana renuncia a tudo que fazia parte de sua vida passada e celebra sua nova rotina de normalidade, refletindo sobre contemplar Deus, citando a companhia da irmã e ressaltando que acha bela a maneira sua nova vida, muito mais simples do que a anterior, funciona.
Para alguém que estava acostumado a ouvir Lana celebrando Coney Island, o Brooklyn e outras regiões metropolitanas dos Estados Unidos, chama atenção a ânsia em escapar das grandes cidades e a obsessão em buscar a tranquilidade que ela demonstra agora. Enquanto em “Let Me Love You Like a Woman”, que funciona melhor em meio às faixas do disco do que como single, ela cita que está pronta para sair de Los Angeles, a fuga de Calabasas, região nobre da Califórnia, para renegar seu status de estrela é o tema principal de “Wild at Heart” — que lembra muito “How To Disappear”.
Talvez por essa mudança de ares, Lana tenha se tornado também uma pessoa mais religiosa: sendo uma artista que já cantou que não se dava bem com Deus, é surpreendente ver como a existência de uma figura divina agora vive constantemente em seus pensamentos. A semelhança religiosa entre ela e o novo namorado é um dos principais pontos da mística e acústica “Not All Who Wander Are Lost”, onde ficam claras as influências do folk setentista na nova sonoridade de Lana.
Em “White Dress” — a nostálgica e hipnótica faixa de abertura onde Lana prefere sussurrar em vez de cantar a letra —, entre referências a Sun Ra, The White Stripes e Kings of Leon, ela repete que se sente “como um deus” tantas vezes que a frase se torna um mantra. “Tulsa Jesus Freak”, onde as batidas, os sintetizadores eletrônicos e o autotune na voz de Lana se tornam um choque em meio à atmosfera folk no qual fomos inseridos nas faixas anteriores, é onde Lana se compara novamente à figura divina enquanto descreve o lugar onde ela e o amante viviam, no Arkansas, como um lugar sagrado.
Apesar de todas as novidades em sua vida, existem hábitos que são difíceis de mudar: em Chemtrails, Lana del Rey continua falando sobre relacionamentos como ninguém.
Mas, até nisso existem mudanças. Apesar de considerar deixar todas as mudanças feitas de lado em prol do bem estar do namorado na ótima “Dark But Just a Game”, ela, que já foi criticada por suas narrativas consideradas perigosas e anti feministas quando cantava sobre romances, vai contra as temáticas de seus trabalhos anteriores ao aceitar sua solidão após o término de um relacionamento que lhe fazia mal em “Breaking Up Slowly”, parceria com Nikki Lane que deveria ser repetida mais vezes.
A surpreendente e melancólica “Dance Till We Die”, com sua ponte a la rock dos anos 60 e totalmente fora dos padrões que estamos acostumados a ouvir quando se trata da Lana del Rey, é o fechamento perfeito para a narrativa criada durante todo o disco com sua letra sobre cantar Joni Mitchell, atender ligações de Stevie Nicks e, apesar da vida não seguir como planejado, ela preferir continuar seguindo seu caminho, ou “dançar até morrer”.
Mas, cheia de auto referências, Lana del Rey ainda volta com um bis. Em parceria com Weyes Blood e Zella Day, ela fecha o disco com “For Free”, um interessante e harmonioso cover da artista que parece ter sido uma de suas maiores referências na criação de Chemtrails Over the Country Club: Joni Mitchell. A música fala sobre a gritante diferença entre a vida luxuosa de Joni, que toca para multidões e vive em hotéis, e a vida de um artista de rua, que ela descreve ser ignorado pelas pessoas que passam na rua.
Com sua reflexão crua e amarga sobre a fama e as maneiras como ela se apresenta, For Free é o fechamento perfeito para um disco onde Lana não apenas renunciou às coisas que a tornam uma estrela, mas também parece estar em paz com si mesma e, finalmente, se igualou a todos os compositores que a inspiraram nesse caminho. E isso faz com que nos perguntemos: o que Lana del Rey fará nos próximos 10 anos?
Lana del Rey – Chemtrails Over The Country Club
Lançamento: 19 de março de 2021
Gravadora: Interscope
Gênero: Folk pop, indie pop
Produção: Lana del Rey, Jack Antonoff, Rick Nowels
Faixas:
01. White Dress
02. Chemtrails Over the Country Club
03. Tulsa Jesus Freak
04. Let Me Love You Like A Woman
05. Wild at Heart
06. Dark but Just a Game
07. Not All Who Wander Are Lost
08. Yosemite
09. Breaking Up Slowly
10. Dance Till We Die
11. For Free (featuring Zella Day & Weyes Blood)