Descobri recentemente a banda Dom Pescoço e foi amor no primeiro play. O novo disco deixou meu coração feliz e ao mesmo tempo bateu aquela curiosidade de algumas coisas sobre o trabalho.
Para entender, vamos voltar no tempo: em 1971, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada se reuniram para gravar e lançar o disco A sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez.
Retirado de circulação pela gravadora, ignorado pelo mercado, pela crítica e pelo público na época, o trabalho – que transborda humor, criatividade, sensação de não pertencimento e mescla de gêneros musicais – viria a ser cultuado apenas anos depois. É nele que a banda se inspirou na hora de arquitetar o seu terceiro álbum da carreira, Chucro.
Com a pré-produção feita na zona rural de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, Chucro inicia e termina com vinhetas com sons dos gansos da região – o animal também foi parar na imagem de capa do trabalho. Entre a faixa que abre o disco e a que encerra, outras 11 são responsáveis por apresentar o universo sonoro construído pela Dom Pescoço, que é formada por Dom de Oliveira (baixo e voz), Gabriel Sielawa (violão nylon, teclado, guitarra e voz principal), Passarinho (bateria, programação e voz) e Rafael Pessoto (guitarra e voz).
Fiquem agora com bate papo delicioso que tive com a banda sobre o lançamento do disco.
Como está sendo para vocês esse momento de quarentena?
Em março estava tudo nebuloso e na dúvida, ainda conseguimos fazer alguns eventos. Em abril foi tudo cancelado, pararam todos os eventos e o que nos salvou foram as lives e editais públicos. Na questão comercial, de viver de música, foi desesperador porque não sabíamos como íamos pagar as contas se não fossem as políticas e os editais públicos. O dinheiro dos nossos impostos para bancar a arte foi fundamental, sem ela os artistas estariam com grandes dificuldades financeiras. Em 2021 esses editais ainda nos salvam.
Vocês lançaram recentemente o terceiro disco, Chucro. Como foi o processo de composição do álbum? Quais são as influências que vocês trazem no trabalho?
Chucro foi um edital público feito em 2019, então soubemos que ia acontecer em agosto de 2020. Desde então, estamos lançando vídeos mensais contando como é fazer um disco praticamente do zero, já que a gente trouxe algumas ideias anotadas, mas tava tudo muito solto e abstrato. Então nos enfurnamos na zona rural de São José dos Campos e ficamos pelo menos um mês focados em criar o disco, compondo as músicas e criando arranjos. E esse foi nosso processo de composição, no meio do mato e dos gansos. Eles foram personagens importantes para nós, tanto que saíram na capa do disco como homenagem (risos).
Nossas influências são, principalmente, de música baiana. Gilberto Gil e o trabalho que ele faz com ijexá, Expresso 222, que inspirou a música “Luvoar”. Também temos influências como brega, rock e, claro, nos baseamos muito em A sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez, de Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada. Inserimos algumas vinhetas como homenagem indireta ao disco.
Por que o nome Chucro?
Nós temos uma ideia muito vaga de linguagem oral e quando fomos ver o significado de chucro, achamos bem interessante porque o chucro é a pessoa ou aquilo que não é domável, alguém que é bravio, que não se deixa levar facilmente. Era exatamente essa ideia, essa dualidade incrível que foi muito trazida pelos animais, pelos gansos, que são animais chucros, bravios e indomáveis, mas por outro lado são animais dóceis com seus donos, se forem criados desde pequenos. E decidimos brincar com essa dualidade, de ter o ganso na capa e, dentro do disco, músicas como “Leve” e “Delicadinho”.
O disco traz vários ritmos – ijexá, brega, MPB contemporânea, love songs. Como foi para escolher as músicas que fariam parte do disco? Essa musicalidade de diferentes ritmos foi algo que vocês já tinham pensado? Como surgiu a ideia?
Olha, o fato de termos vários ritmos não foi uma escolha, criamos muito baseado nos arranjos. Quando vamos fazendo eles, vamos sentindo o que a música pede. Tiveram músicas que já nasceram assim, como “Me Faz Lembrar”, que já nasceu ijexá, assim como “Mais de Perto”, que já nasceu love song. Mas temos outras que foram nascendo conforme os arranjos. “Leve”, por exemplo, acabou virando rock. Esses ritmos não são muito pensados, eles nascem de uma maneira muito natural.
Essa musicalidade de diferentes ritmos já vem com a gente desde o início da banda, somos bem plurais e sempre ouvimos de tudo, sem se importar com o ritmo. É música pela música. Como acontece muito isso, da pluralidade, de cada um ouvir muitas coisas e sermos bem abertos a ouvirmos coisas, isso acaba entrando na banda. Chucro é bem recheado de vários ritmos, já que o disco é a tradução do que nós somos.
Com a pré-produção feita na zona rural de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, Chucro inicia e termina com vinhetas com sons dos gansos da região. Como foi essa mudança para vocês? Foi importante para produção?
Nesse mês que ficamos enfurnados na zona rural, os gansos e outros animais foram parte da nossa convivência diária, já que eles vivem soltos. Eles foram muito importantes pra relação entre nós e com o local. A presença dos animais é algo maravilhoso, eles trazem uma ligação maior com o ambiente.
Qual a diferença principal que vocês trazem no novo disco? Qual palavra vocês usariam para definir cada disco?
Pensamos nisso desde o início, porque Temperar (2016) é a palavra que define o nosso primeiro EP, nosso primeiro registro fonográfico real, onde trouxemos nossas experimentações pro estúdio e é justamente uma mistura da nossa pluralidade. Usamos vários temperos, trazendo essa coisa plural pra dentro da nossa panela musical.
O segundo disco, Tropsicodelia (2018), vem justamente das pessoas que perguntavam “vocês tem uma banda de que?”. A gente dizia que não era rock o que fazíamos, já que o álbum tem reggae e muita inspiração de música latina. Rock é muito simplista e a gente precisava de uma definição nossa sobre o que é nosso som, se não é algo transcendental e não tão vanguardista na questão rítmica, é o nosso jeitinho, por isso Tropsicodelia.
Chucro é por conta da nossa imersão na zona rural e da importância que os animais trouxeram pro nosso retiro musical para gravar o disco do zero. Já que nosso projeto tinha 8 meses e o disco tinha que estar pronto no sexto mês, pensamos em todo o processo no nosso retiro rural. Mas, demos esse nome pra ele, principalmente, por causa dos gansos.
O que podemos esperar para esse ano?
Eu espero tudo de bom, inclusive a vacina pra poder ter aglomerações. Saudades de fazer shows presenciais. Quando eles voltarem, a população que gosta vai comparecer massivamente! Eu tô prevendo lágrimas, abraços, prevendo festas e mais festas e choros de alegria, sabe?
Qual mensagem vocês deixam para a galera que vem acompanhando vocês e conhecendo seu trabalho?
Galera, somos de São José dos Campos e temos uma base muito forte na zona rural. Olha só, uma banda que em 2021 mora na zona rural ou que tem um pé muito forte aqui. Ouçam nosso disco, conheçam um pouquinho do nosso trabalho, abram a mente pra conhecer coisas novas. As coisas antigas que a gente conhece são maravilhosas, mas percebam quantas coisas bacanas estão acontecendo, basta olhar pro lado.
Entrem em nossos canais: nós estamos no Youtube, Spotify, Deezer e em todas as plataformas digitais. Estamos em todas as redes sociais divulgando nosso trabalho, fazendo stories e contando histórias. Desde 2018 fazendo música com muito amor, querendo sempre tocar o coração das pessoas. Isso é Dom Pescoço 2021, bora que bora. Ouçam e compartilhe!