Não é difícil encontrar pela internet o argumento de que “no meu tempo era melhor” quando o objetivo é criticar algum comportamento ou situação.
Focando no mundo musical, essa glorificação ao passado era muito comum entre os roqueiros quando falavam de artistas atuais. No entanto, ela ganhou força na mesma proporção em que gêneros musicais tidos como “não tradicionais” ou periféricos mostraram o seu poder no país.
Não é preciso fazer muito esforço para ouvir alguém dizendo que “hoje as coisas perderam o sentido” ou que “o mundo está liberal demais”. Tudo isso porque criou-se um senso comum de que as letras atuais só falam de sexo ou drogas. Coisas como essas me fazem pensar que eu vivi em um mundo paralelo durante a década de 90, não é mesmo?
Boa parte da minha formação musical vem dessa época e lembro bem das músicas que fizeram sucesso no período. Inclusive, tenho certeza que, se você também viveu esse período, se lembra de “Rala o Pinto” ou “Abre Essas Pernas”, para citar algumas. Da mesma forma, todos que se lembram dos anos 90 também se recordam de “Take A Toke”, um clássico de 1994 que foi tema de novela e fez muito sucesso por aqui.
“Take A Toke” fala de maconha?
Para quem não conhece, o C+C Music Factory ficou MUITO famoso no Brasil graças ao hit “Gonna Make You Sweat (Everybody Dance Now)”, música essa que você já deve ter ouvido pelo menos uma vez em sua vida.
Ao lançar o seu segundo álbum, Anything Goes!, o grupo tentou emplacar “Do You Wanna Get Funky” – que até fez um relativo sucesso – mas, no Brasil, a música que pegou mesmo foi “Take A Toke”, uma baladinha gostosa de ouvir que fazia uma analogia clara entre o amor e a maconha.
Rapidamente, a música se espalhou feito fumaça (rá), tocando nas rádios de todo o país. Por algum motivo, ninguém implicou com a sua letra que já mandava logo de cara um “Dê uma tragada, devagar, ou vai se engasgar. Tenho o melhor amor pra você fumar”.
Não importa se fala “enrola, apertado, de leve… e não deixe nada cair”, “Take A Toke” era uma música de amor e, com isso, logo alcançou aquele que era um dos momentos de prestígio e consagração para as canções no Brasil: ser trilha sonora da novela Quatro por Quatro, da Rede Globo, embalando o romance do casal principal da trama, Babalú (Letícia Spiller) e Raí (Marcelo Novaes).
A novela tinha uma pegada divertida e passava na faixa das 19 horas. Com o seu texto engraçado, a música acabou cumprindo bem o seu papel e, por ser em inglês, ouvir trechos como “prove minha teoria de que sou um baseado” não eram importantes. Se bem que, se você parar para pensar, os anos 90 tinham concurso da gata molhada e prova onde as pessoas se agarravam numa banheira no domingo a tarde na TV, não é mesmo?
“Take A Toke” ainda ganhou um clipe com um clima sensual e onde eles abusam da transição de cena que imita uma fumaça. Se não bastasse, o C+C Music Factory ainda faz uma “zueira” no final da música ao tossir por causa da fumaça. Simplesmente genial!
Take a Tecnobrega
Após embalar vários casais e histórias de amor pelo Brasil – aposto que vários casais dos anos 90 viveram momentos ~quentes~ ao som dessa música -, “Take A Toke” acabou caindo num limbo. Ainda que tocasse em rádios chamadas adultas, a música acabou perdendo força e não era tão lembrada pelos brasileiros.
No entanto, em 2011 a coisa mudou e ela ganhou um respiro, graças a um filme lançado naquele ano. Se você assistiu Deborah Secco dar vida a Bruna Surfistinha no cinema, deve se lembrar da parte na qual o bordel onde a Bruna começou a trabalhar aparece pela primeira vez e, ao fundo, está tocando “Te Quero Tanto”, da Banda Ritmo Quente.
Lançada no começo dos anos 2000, a versão tecnobrega de “Take A Toke” é também uma ode ao amor, mas não tem nada de maconha. É só sexo. A música tem frases como “Sente só, isso entrando é o amor”, “Te quero tanto neném q não dá mais pra esperar” ou a ~melhor~ de todas: “Diz o velho ditado, mulher não se perde… se acha”.
E tem problema a música ser sobre maconha?
Bom, pare e pense aqui comigo na ironia que é saber que o grupo de pessoas que condena diversos artistas até hoje por falar de maconha talvez tenha ouvido e dedicado “Take A Toke” para alguém como uma bela história de amor.
Esse é um exercício legal e dá para ampliar para outras áreas da música também. As pessoas que viveram intensamente os anos 90 hoje criticam a Anitta usando o argumento da “influência para as crianças” sendo que a gente ouvia no rádio uma música que falava abertamente de boquete, espanhola ou “ralar a tcheca”, sabe?
É fato que os adultos de hoje foram criados em um meio super liberal quando o assunto era música e TV. Então de onde vem esse “puritanismo” que vemos aflorar hoje em dia? Na música, será que o problema é falar dessas coisas em português? Para mim, é natural pensar que, quem reclama de funk ou piseiro, possui uma régua moral mais baixa para coisas que venham de fora. Fato que pode ser exemplificado pelo caso recente envolvendo a cantora carioca e um produtor musical.
Ao decidir relembrar “Take A Toke”, era interessante abordar esse tema, mas sem qualquer intenção de demonizar os “maconheiros” do C+C Music Factory. É simplesmente pra aceitar que a música existe, que ela é divertida e fala de maconha. E isso não é problema nenhum. Não foi nos anos 90 e não é hoje… ou será que só não a traduziram naquela época?