Nos anos 60, a “beatlemania” tomava conta do mundo e no Brasil, a realidade não era diferente. Em 1967, o público jovem brasileiro começava a se render a sonoridade do recém-lançado Sgt. Pepper’s. Mas, a alta cúpula da chamada MPB tentava se fechar ao estilo. Em 17 de julho de 1967, grandes nomes do gênero, como Jair Rodrigues, Zé Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo, MPB-4 e Gilberto Gil, liderados por ninguém menos que, pasmem, Elis Regina, saíram às ruas de São Paulo sob o slogam “Defender O Que É Nosso”, naquela que ficou conhecida como “Caminhada Contra a Guitarra Elétrica”.
No mesmo ano, em dezembro, acontece o 3º Festival da Música Popular Brasileira, cuja grande vencedora é “Ponteio”, de Capinan e Edu Lobo, interpretada por Marina Medalha e o próprio Edu. O mais interessante é que o 2º lugar ficou com “Domingo no Parque”, interpretada por Gil, e o 4º lugar, com “Alegria, Alegria”, interpretada por Caetano Veloso, ambas acompanhadas por bandas de rock. Caetano tocou ao lado dos Beat Boys e Gil, foi acompanhado pelos Mutantes. Pois é, duas músicas recheadas de acordes de guitarra, que, mesmo com resistência, estava se consolidando na música brasileira.
A música brasileira foi incorporando não só a guitarra, mas vários elementos do rock e criando seus próprios movimentos. O estilo “iê, iê, iê” foi absorvido pela Jovem Guarda; o rock’n roll vigoroso e dançante de Elvis Presley e o folk de Bob Dylan influenciaram Raul Seixas; a psicodelia foi adotada pela Tropicália. Já o Clube da Esquina, foi influenciado por várias vertentes, do Sgt. Pepper’s dos Beatles ao rock progressivo.
Muito do que foi produzido no Brasil, sobretudo nos anos 70, acabou compactado e reduzido a alcunha genérica de MPB. É estranho pensar que muitos desses estilos tinham um nome e uma identidade histórica fortíssimos antes de serem fundidos às sonoridades Tupiniquins. O rock progressivo nacional acabou diluído nesse “bolo” e, na maioria das vezes, é deixado de lado, mesmo sendo complexo, criativo e “berço” de músicos extremamente talentosos com bandas sensacionais.
Veja 7 discos fundamentais para conhecer o Rock Progressivo no Brasil:
# Som Imaginário – Matança do Porco (1973)
Disco que sintetiza todo o potencial do Som Imaginário, banda formada no início dos anos 70, inicialmente para acompanhar Milton Nascimento durante uma turnê. Em Matança do Porco, disco totalmente instrumental, que possui apenas algumas performances vocais de Milton Nascimento e dos Golden Boys, a banda faz uma mistura de rock progressivo, jazz e samba, com longos e elaborados solos de guitarra e arranjos de piano executados de maneira brilhante por Wagner Tiso, a quem são atribuídas todas as composições da obra. A formação ainda contava com Tavito (violão), Luiz Alves (baixo) e Robertinho Silva (bateria). Som Imaginário é quase sempre lembrado como uma banda de apoio, tendo tocado também com Taiguara, Gal Costa, Odair José e Marcos Valle. A banda gravou outros dois discos próprios, além do LP Milagre dos Peixes, com Milton.
# Som Nosso de Cada Dia – Snegs (1974)
Considerado por muitos uma das melhores bandas do gênero progressivo no Brasil o Power trio formado por Manito – ex-integrante d’Os Incríveis – (teclados, saxofone e flauta), Pedro Baldanza, o “Pedrão” (guitarra e baixo) e Pedrinho Batera (bateria e vocais) tem no Snegs o seu melhor trabalho. No disco o trio vai além do progressivo fazendo uma mistura de hard rock, folk, baião, música regional e psicodelia. Por ser um trio a banda foi comparada, na época, ao Emerson, Lake and Palmer. Os elementos utilizados no Snegs o transformam num disco extremante importante pra quem gosta rock, não só do gênero progressivo.
# Moto Perpétuo – Moto Perpétuo (1974)
Primeira banda de Guilherme Arantes, que cuidava do piano e dos vocais, o Moto Perpétuo foi um quinteto que contava também com Egydio Conde (guitarra solo e vocais), Diogenes Burani (percussão e vocais), Gerson Tatini (baixo e vocais) e Cláudio Lucci (violões, violoncelo, guitarra e vocais). O disco homônimo é o primeiro da banda e é repleto de influencias de bandas como Yes, Genesis, Emerson, Lake and Palmer e bebe também na fonte do rock progressivo italiano, principalmente do Premiata Forneria Marconi. O disco é recheado de teclado, piano e violão erudito, sendo o último muito inspirado no estilo de Steve Howe, do Yes. Contudo o disco apresenta algumas músicas bem radiofônicas que poderiam muito bem ter feito um sucesso maior, mas infelizmente é mais uma grande obra que foi deixada de lado.
# Casa das Máquinas – Lar de Maravilhas (1975)
Casa das Máquinas surgiu em 1973 com o fim d’Os Incríveis, grupo que fez muito sucesso na jovem guarda. A banda passou por várias mudanças até lançar o seu primeiro trabalho homônimo, álbum que tinha uma pegada mais hard rock, assim como Casa de Rock o terceiro e último da banda. Mas foi no segundo disco, Lar de Maravilhas, que a banda mergulhou de cabeça no rock progressivo, principalmente com a entrada do tecladista Marinho Testoni. Além de Testoni a banda contava com Aroldo (1º vocal, guitarra e violão), Carlos Geraldo (2º vocal e baixo), Pisca (3º vocal, guitarra e violão), Netinho (bateria e percussão) e Marinho Thomaz (bateria e percussão). O disco segue a linha do progressivo clássico com músicas mais longas, orquestração em algumas faixas e várias mudanças de andamento ao longo das canções. “Eu Vou Morar no Ar”, que talvez seja a música mais conhecida do grupo é a primeira faixa do disco.
# O Terço – Criaturas da Noite (1975)
Formada por Flávio Venturini (piano, órgão, sintetizador, viola e vocal), Sérgio Hinds (guitarra, viola e vocal), Sérgio Magrão (baixo e vocal) e Luiz Moreno (bateria, percussão e vocal) a banda começou a enveredar seu som pros caminhos progressivos já no compacto lançado em 1972, que continha as músicas “Ilusão de Óptica” e “Tempo É Vento”. Em 1975 eles lançam Criaturas da Noite, que se tornou um dos principais discos do gênero no Brasil. “1974”, música que encerra o disco, possui 12:24 e mostra que a banda não deixa a desejar em momento algum a nenhuma grande banda do rock progressivo mundial. A faixa título ainda possui arranjo de Rogério Duprat. Considero um disco fundamental na coleção de todo fã de rock progressivo.
# Bacamarte – Depois do Fim (1983)
Esse disco é uma lenda sonora. Gravado em 1979, só foi lançado em 1983, com o apoio da Rádio Fluminense. Extremamente coeso e totalmente interligado, o disco conta com 4 faixas totalmente instrumentais e 4 que possuem vocais, que são feitos por Jane Duboc, que ficaria famosa posteriormente por sua carreira solo totalmente voltada para músicas românticas. Apesar da produção independente, Depois do Fim é considerado pelo site Prog Archives como um dos 100 discos mais importantes da história do gênero. A banda contava com Mário Neto (guitarra) – que chegou a ser convidado pelo Genesis para substituir Steve Hackett, mas não aceitou o convite a pedido dos pais, por ser menor de idade -, Sérgio Villarim (teclados), Delto Simas (baixo), Mr. Paul (percussão), Marcus Moura (flautas e acordeão) e Marco Veríssimo (bateria), além de Jane Duboc nos vocais.
# Sagrado Coração da Terra – Sagrado (1985)
Primeiro disco do gênero progressivo que tive contato na vida – mesmo antes de saber do que se tratava -, Sagrado é o primeiro álbum do grupo Sagrado coração da Terra, que viria a se tornar o maior nome do rock progressivo latino-americano. Com uma produção de alta qualidade – em apenas 8 canais, gravou-se o grupo completo além do coral, solistas e convidados -, o disco apresenta trabalhos da primeira fase da banda que se propunha a uma fusão da música vocal e instrumental como mostram as faixas “Asas”, “Deus Dançarino” e “Sagrado”. Liderada por Marcus Viana (voz, teclado, piano, rabeca, violino acústico e elétrico) a banda ainda conta com mais 17 membros, incluindo Sérgio Pererê e Vanessa Falabella, nos vocais.