Em uma noite de sexta-feira, são poucos os nomes capazes de fazer setenta mil pessoas enfrentarem o acesso complicado ao Estádio do Morumbi. Ainda que o histórico tenha sido complicado, bastou o retorno de John Frusciante (guitarra) para que o Red Hot Chili Peppers voltasse a despertar a atenção de suas duas alas de fãs. De um lado, aqueles que amam os hits que dominam os rankings das plataformas de streaming. Do outro, o fã que anseia por novidades e setlists diferentes.
Após reclamações sobre a seleção de músicas que a banda fez em Brasília, esse fator acabou se tornando o foco na terceira das cinco datas da Global Stadium Tour pelo Brasil. É a décima passagem da banda pelo país e, convenhamos, querer ouvir apenas parte do catálogo de uma banda com quarenta anos de carreira me parece um comportamento quase que preguiçoso, ainda que os seus principais hits tenham o seu valor.
O show e os dois públicos em um
Poucos minutos após às 21 horas, o quarteto formado ainda por Anthony Kiedis (vocal), Flea (baixo) e Chad Smith (bateria) assumiu o controle da noite dando aos fãs o que eles queriam: hits? Não, uma jam bem tocada de boas vindas para o guitarrista, cuja última apresentação no país com a banda ocorreu no distante ano de 2002, em Porto Alegre. Nos últimos anos, as jams se tornaram um “problema” por conta da falta de paciência das pessoas com o Josh Klinghoffer. Ontem, todas foram bem recebidas pela parte do público que gosta delas – ou por quem entendeu que isso nunca deixará de acontecer em um show dos Chili Peppers.
Foi com uma trinca formada por “Can’t Stop”, “The Zephyr Song” e “Snow ((Hey Oh))” que a banda ganhou o público nos momentos iniciais. Duas delas estão no TOP 10 do quarteto no Spotify e, como isso se tornou relevante nos últimos dias, acaba servindo para mostrar como o Red Hot Chili Peppers se preocupa e busca dar rotação aos seus grandes sucessos. Ao longo da noite ainda tivemos outros, mas as ausências de “Scar Tissue”, “Otherside” ou “Dani California” certamente decepcionou parte dos presentes.
Após essa sequência inicial, era perceptível a dificuldade de parte do público em se conectar com o que acontecia no palco. Tudo começou com “Here Ever After”, a primeira das músicas lançadas pela banda no ano passado. Além dela, “Black Summer” foi a única que veio do bom Unlimited Love tocada em São Paulo. Do mesmo modo, o Return of the Dream Canteen – que veio em outubro do mesmo ano – também contou com apenas duas faixas no setlist: “Eddie”, a bela homenagem da banda ao Eddie Van Halen; e “Tippa My Tongue”.
De resto, a banda passeou pelo seu passado glorioso, mas de uma forma diferente. Explorando o catálogo, faixas como “Parallel Universe”, a bela “Soul to Squeeze” e “Don’t Forget Me” acabam por agradar um “outro lado” dos presentes no Morumbi, que acompanham a banda a fundo ou se interessam pela discografia de uma forma que vai além do TOP 10 do streaming. A noite ainda teve espaço para os covers de “Havana Affair”, dos Ramones; e “Terrapin”, do Syd Barrett e cantada de forma solo por Frusciante. “Californication” e “By The Way” ainda apareceram antes do bis, que ficou a cargo de “Under The Bridge” e a clássica “Give It Away”.
Em suma, todo mundo foi bem atendido em pouco mais de 1h40 de apresentação. Claro que o pensamento de que faltaram músicas é relevante para a conversa, mas existem características comuns ao Red Hot Chili Peppers que tornam isso mais complicado. Isso fica claro pelos intervalos de dias entre as apresentações – algo que foi bem comum ao longo da Global Stadium Tour; a entrega do quarteto no palco e, provavelmente, a vontade de cada um deles por uma desaceleração. A maioria dos integrantes já ultrapassou a barreira dos 60 anos e, ainda que Frusciante seja o mais novo, o seu comportamento nos últimos vinte anos me faz pensar que uma turnê com muitas apresentações ou shows com mais de duas horas de duração não seja algo que ele toparia enfrentar.
Qual o saldo?
Estive presentes em shows realizados em 2013 e 2018 e fico tranquilo em dizer que essa foi a melhor apresentação do Red Hot Chili Peppers no país na última década. Essa opinião não é um simples pensamento de que “melhorou porque trocou o guitarrista”, até porque tenho um apreço pelo Klinghoffer e pelo que ele fez na banda, assim como eu gosto do que o Dave Navarro fez lá atrás – levando em conta as duas saídas do Frusciante.
No entanto, a volta do guitarrista – ainda que mal conduzida com aquele post no Instagram – deu um fôlego ao quarteto quase inesperado à época. É inegável que Chad, Flea e Kiedis funcionam melhor com ele ao seu lado, seja em estúdio ou ao vivo. A sintonia dos quatro ao longo do show é algo muito acima da média. O andamento das músicas, a construção dos solos e jams ou as interações entre eles criam uma sensação de leveza, como se fosse algo simples fazer um show para setenta mil pessoas. Para alguns, o resultado parece “confuso” ou até mesmo uma atitude “blasé” ou de “falta de respeito” com o grande público quando, na verdade, é só uma banda com quatro décadas de carreira se divertindo no palco e entregando o que os seus dois públicos desejam.
Quem acompanha o Red Hot Chili Peppers sabe que, desde sempre, a banda preza por esse comportamento. Foi a forma que encontraram para sobreviver ao tempo. Até por isso, falta ao seu público aprender a lidar e entender que tocar apenas os grandes hits nunca fez parte do histórico da banda e não vai ser agora, quando não precisam provar mais nada, que isso vai acontecer.
Setlist: Red Hot Chili Peppers em São Paulo
Intro Jam
Can’t Stop
The Zephyr Song
Snow ((Hey Oh))
Here Ever After
Havana Affair (cover de Ramones)
Eddie
Parallel Universe
Soul to Squeeze
Right on Time
Tippa My Tongue
Tell Me Baby
Terrapin (cover de Syd Barrett apenas com John Frusciante)
Don’t Forget Me
Californication
Black Summer
By the Way
Bis:
Under the Bridge
Give it Away