É muito doido viver em um país com uma produção artística tão rica que uma vida inteira não é o suficiente para ver o show de cada um dos talentos brasileiros.
No dia 24 de setembro Belo Horizonte terá uma oportunidade rara: acompanhar Jorge Ben Jor, Maria Bethânia e Gilberto Gil no mesmo evento: o Festival Viva Brasil. No meu caso, de roqueiro aposentado que (re)descobriu a música brasileira depois dos trinta, será um evento obrigatório para presenciar a história viva da MPB.
O encontro é tão lendário que deixou muita gente desconfiada nas redes sociais. Se parar para pensar, realmente é difícil de acreditar mesmo. Aquela reflexão de “só acredito vendo” nunca fez tanto sentido. Acho até que nem vendo vai dar para acreditar.
Brincadeiras à parte, as páginas laranjas existem para cumprir uma missão: falar de música boa, especialmente aquelas que estão bem longe dos trending topics do Instagram ou TikTok. Pode soar exagero para quem (também) passou dos trinta, mas eu me arrisco a dizer que existem pessoas que nunca ouviram Jorge Ben Jor ou Maria Bethânia. Poxa. Arriscaria até dizer que desconhecem Gil, afinal o mundo é louco e imprevisível.
Por isso, hoje, vamos deixar um presente especial com uma playlist para os filhos de Deus que, mesmo sofrendo e chorando, levam a vida cantando. Garanto que, se você gostar de música, vai se sentir uma pessoa de sorte por descobrir essas pérolas:
1. Jorge Ben Jor – A Minha Menina
Naquelas discussões de regravações melhores que as versões originais, eu destacaria “A Minha Menina”. Pode não ter a vibe do Mutantes, mas é um charme só.
Durante um dos shows do U2 no Brasil, não sei se em 2006 ou 2011, o Morumbi inteiro cantou “A Minha Menina” antes dos irlandeses entrarem em ação. Não foi um surto coletivo. Em outras datas cantaram “Trem das Onze” também.
2. Jorge Ben Jor – W/Brasil
Quando você é moleque, letras “bobas” e “sem sentido” são aquelas que você vai decorar e cantar o dia inteiro. Especialmente se você não mora no Rio de Janeiro para entender as referências…
“Jacarezinho”… “avião”… “disco voador”… “escada”… “Tim Maia”… Essa letra é a maior viagem psicodélica feliz da MPB. E vamos falar do groove que te faz encarnar o próprio Fat Family no pescoço, quadril, bracinho e perninha?
3. Jorge Ben Jor – Oba, lá vem ela
Uma das surpresas do repertório do acústico MTV Charlie Brown Jr. foi a releitura de “Oba, Lá vem Ela”. Com a letra que fala de uma paixão platônica, de gostar de alguém que nem percebe a nossa existência, a canção encaixou como uma luva dentro do universo das letras do Chorão.
4. Jorge Ben Jor – Eu Vou Torcer
Em 1974, Jorge Ben Jor lançou “A Tábua de Esmeralda”, que até hoje é considerado como um dos melhores e mais influentes discos brasileiros. Não é à toa, te garanto. É o único álbum dele que tenho na minha coleção e, enquanto escrevia esse artigo, pensei em como mudar essa situação.
“Eu vou torcer” é um samba gostoso para ouvir balançando a cabeça e deixando a mensagem otimista te preencher a alma. Não fosse pela referência ao Flamengo, deveria ser considerado o verdadeiro hino nacional brasileiro.
5. Jorge Ben Jor – Ive Brussell
Você sabe reconhecer um verdadeiro mito (já podemos recuperar essa palavra, né?) quando escuta uma música e fala: “ah, essa eu conheço”. Depois escuta outra e repete a mesma frase. E assim várias vezes.
“Não sei não, assim você acaba me conquistando. Não sei não… Assim eu acabo me entregando” é aquele refrão que você canta em qualquer roda de samba ou festa. Não vai saber o resto da letra, mas o refrão você vai cantar!
6. Jorge Ben Jor – Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)
Essa faz parte de “África Brasil”, disco de 1976 que marcou a mistura de samba, funk e R&B. “Taj Mahal”, “Meus Filhos, Meu Tesouro” e “Hermes Trismegisto Escreveu” são outros clássicos presentes no álbum. Não é um clássico, mas o que o baixista Luizão Maia faz em “Cavaleiro do Cavalo Imaculado” é indecente demais para não merecer nota.
“Umbabarauma” é um mantra. Não é novidade para canções com repetições de frases e palavras, mas as batidas africanas criam uma atmosfera diferente. Se você fechar os olhos, você só vai…
Em 2010, Mano Brown participou de uma regravação especial da música. Vale conferir:
7. Maria Bethânia – Olha
“Olha, você tem todas as coisas
Que um dia eu sonhei pra mim
A cabeça cheia de problemas
Não me importo, eu gosto mesmo assim”
Esses versos resumem 98% das pessoas que você conhece e seus respectivos relacionamentos. Pelo menos as pessoas que valem a pena conhecer e se relacionar.
É engraçado como a nossa cabeça muda com o tempo. Tive meu primeiro contato com Maria Bethânia por causa da minha mãe e avó. Para um adolescente, era um pesadelo. Música de gente velha, sabe? “Romântica” demais.
Certas obras dependem mesmo da nossa maturidade para serem apreciadas. Maria Bethânia é um belo exemplo disso. Assim como parte das próximas indicações de músicas da Maria Bethânia, essa está no disco “As Canções Que Você Fez Para Mim”. O álbum é inteiramente dedicado às composições de Roberto e Erasmo Carlos.
8. Maria Bethânia – As Canções que Você Fez Para Mim
Ouça a potência dessa voz, cara. Com o violão abafado conduzindo, ouvir as palavras de Erasmo e Roberto Carlos na voz da Maria Bethânia é arrepiante. Melhor cartão de visita não há. Se você é intenso, você vai entender (Aquarius feelings).
O crescente para entrar no solo é uma das coisas mais lindas que já ouvi. Aliás, os arranjos desta música são indecentes. Nem precisava de versos épicos como “sem você, minha alegria é triste” ou “quantas vezes você disse que me amava tanto? E agora eu choro só, sem ter você aqui”.
9. Maria Bethânia – Fera Ferida
Os jovens dos anos 1990/2000 lembram dessa aqui porque era tema da novela global homônima. Na época, mesmo sem nada na cabeça, até eu conseguia sentir essa música. E olha, todas as vezes que ia para o cinema com minha avó (o que acontecia uma vez por semana), ela colocava esse disco para tocar. Era a única que eu gostava. Por causa da novela, provavelmente, mas não importa.
10. Maria Bethânia – Sonho Meu
Quando eu pedia um brinquedo ou para me levarem em algum lugar, escutava sempre o refrão: “sonho meu, sonho meu”. É. Essa música tá diretamente conectada com uma forma de bullying familiar, mas eu gosto mesmo assim.
A gravação tem um dueto (lindo) com Gal Costa e está no álbum “Álibi”, de 1978.
11. Maria Bethânia – Cheiro de Amor
O que poderia acontecer do encontro de Luizão Maia (baixista) com Maria Bethânia? “Cheiro de Amor”, a música e não a banda, é um clássico sedutor. Usando técnicas de staccato e slap, Maia dá a cama perfeita para a voz de Bethânia fechar os nossos olhos e cantar… Ou planejar aquela noite perfeita. Vai saber.
12. Gilberto Gil – Aquele Abraço
Lá em 1969, Gilberto Gil mandou um abraço para João Gilberto, Caetano Veloso e Dorival Caymmi. Esse abraço ecoa até hoje como uma das canções mais lembradas de Gil.
13. Gilberto Gil – Maracatu Atômico
Jorge Mautner foi o responsável pela criação de “Maracatu Atômico”, que, apesar de ter sido regravada por Gil, conheci só na versão de Chico Science e Nação Zumbi. Minha favorita, diga-se de passagem. Mas nem chega perto de se aproximar da viagem sonora da parte final do que Gil preparou.
14. Gilberto Gil – Não chores mais
Gilberto Gil tem uma relação muito forte com o reggae e prestou um tributo a Bob Marley com um disco inteiro de regravações. “Não chores mais” é um belo exemplo.
Porém, mais que uma homenagem, Gil mistura seu próprio DNA na obra de Marley e cria um trabalho completo. A combinação é um presente para quem gosta de ouvir música quente e que deixa a gente tranquilo — com ou sem aditivos.
15. Gilberto Gil – Esotérico
“Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você”
“Esotérico” é mais uma demonstração da qualidade de Gil para misturar suas raízes musicais com os ritmos jamaicanos. Aqui ele canta sobre amores… ou sobre a fé?
16. Gilberto Gil – Vamos Fugir
Tentei fugir do óbvio. Principalmente porque a razão desse conteúdo é apresentar canções que você não conhece. Acho que só não conhece “Vamos fugir” quem nunca ouviu “Viva la Vida” do Coldplay em alguma festa de formatura.
A canção, que já era conhecida, ganhou mais fama depois que o Skank a regravou em 2004. A gravação original é um reggae gostoso, presente no álbum “Raça Humana”, de 1984. Quem é de relaxar, vai relaxar. Quem é de curtir, vai curtir. Quem é indeciso, feche os olhos e deixe fluir.
Festival Viva Brasil
Data: 24 de setembro de 2023 (domingo)
Horário: Das 13h às 23:59
Local: Mirante Beagá – Olhos D’Água, Belo Horizonte (MG)
Line-up: Maria Bethânia, Jorge Ben Jor, Gilsobs & Gilberto Gil, Natiruts & Iza
Ingressos: Pista comum e pista premium já estão esgotadas. Apenas setor Lounge Land Spirit Experience segue disponível, já no segundo lote (com open bar e front stage, por R$ 750,00).