Matéria colaborativa por Bá Monteiro, Gabrielle Caroline, Henrique Ferreira, Lígia Lima e Ygor Monroe.
Foi no dia 28 de junho de 1969 que houve a revolta de Stonewall em Nova York, onde um grupo LGBT enfrentou a violência policial. Apenas um bar era abertamente gay na cidade: o Stonewall Inn, que ficava no bairro do Greenwich Village.
Naquela época, a polícia tinha o hábito de invadir bares e baladas para repressão; e foi quando Marsha P. Johnson, que era uma mulher trans negra soropositiva, jogou um tijolo em um policial e começou a revolta sobre os direitos que depois iria se espalhar pelo resto do planeta.
Em 2019, 50 anos depois do Stonewall, a LGBTfobia tornou-se crime no Brasil, com pena prevista de 1 a 3 anos de prisão, além de multa.
E é por causa da história da revolta de Stonewall que, hoje, comemoramos o dia do orgulho LGBTQIA+ em vários países — e por isso junho virou o mês do orgulho, quando também é realizada a Parada Gay de São Paulo, uma das maiores do mundo.
Artistas LGBTQIA+ que ouvimos com orgulho
Na música, há uma infinidade de estilos musicais com representantes LGBTs — e não é de hoje. Juntamos nossos repórteres para listarem quais são os seus preferidos, os que costumam ouvir com frequência:
HENRIQUE: Hoje, se vocês abrirem meu Spotify, tem diversos artistas, como SZA, Pabllo Vittar, Glória Groove, Troye Sivan, Cazuza, Lady Gaga, Jão, Miley Cyrus, Johnny Hooker, Urias e Liniker, que encabeçam os artistas LGBT+ que mais consumo.
A música é um grande divisor quando existe a identificação em ser uma pessoa LGBT+ nesse país. Meu pai era um DJ nos anos 90 e a influência musical dele me impactou profundamente. Ali conheci Cazuza, Renato Russo, entre outros; e isso formou uma veia revolucionária como identificação abrindo portas para outros artistas.
Bato nessa tecla de identificação porque, quando você se identifica com um cantor ou cantora abertamente LGBT+, o peso do mundo fica mais leve.
GABRIELLE: É interessante pensar que tive contato com artistas LGBTQIA+ antes mesmo de saber o que isso significava. Acho que a primeira artista da comunidade que tive contato foi a Ana Carolina. Legião Urbana, Cazuza e Cássia Eller fizeram parte da minha vida antes mesmo de eu entender o que o Renato Russo queria dizer quando falava que gostava de meninos e meninas.
Depois do impacto inicial que tive quando entendi o que a letra de “I Kissed a Girl” da Katy Perry queria dizer (eu ainda não falava inglês na época e descobri lendo uma revistinha que vinha num jornal de domingo e chamava a música de “polêmica”. Até hoje não entendi se a Katy realmente beijou uma menina ou não), descobri que artistas LGBTQIA+ estavam por todo o canto e que, se não fosse por eles, metade das boas músicas que temos hoje em dia não existiriam.
Hoje, quando penso em artistas da comunidade que não saem das minhas playlists, o primeiro nome que vem à minha mente é David Bowie, com suas declarações sobre ser gay que chocaram as pessoas na época e os boatos de que ele ficou com Mick Jagger. Mas eu adoro como, fora divas pop e ocasionais astros do rock, a maior parte das minhas músicas mais ouvidas são de artistas LGBTQIA+: Brittany Howard, Pabllo Vittar, Elton John, Freddie Mercury, Frank Ocean, St. Vincent e Phoebe Bridgers (com e sem o boygenius) nunca saem dos meus ouvidos — e nem sairão tão cedo.
BÁ: Se sexualidade fosse mesmo uma escolha eu jamais gostaria de homem. Eu ser hétera é, além de uma provável maldição, a prova viva de que orientação sexual não se escolhe, mas homofobia sim. Estou aqui como uma grande aliada da causa, portanto. E, como amante de música, é natural que eu consuma muitos artistas LGBTQIA+, presentes em todos os estilos, do funk ao metal.
Só para listar alguns: Liniker, Danny Bond, Lia Clark, Mulher Pepita, Kele Okereke do Bloc Party (ícone indie inglês dos anos 2000), Rob Halford da lenda do metal Judas Priest (que eu já vi ao vivo e é excelente), as bandas independentes daqui de São Paulo e arredores Sapataria, Clandestinas, Mana Mina Mona, Bioma, The Zasters e Porno Massacre (que conta com a musa Lupita Romero), todas contando com algum membro da comunidade, Ney Matogrosso, o gênio Kaytranada, Daniela Mercury, Johnny Hooker, Janelle Monáe, Ludmilla, Phoebe Bridgers, Girl in Red, St. Vincent, Gloria Groove, Elton John, Miley Cyrus, Demi Lovato, Kali Uchis, Jaloo, Filipe Catto, Silvanny Sivuca, David Bowie, Freddie Mercury, Team Dresch, Bikini Kill e Le Tigre, Sleater-Kinney, a brasileira Dominatrix, que fez história na cena punk e hardcore dos anos 90 e 2000, Gossip, Tegan and Sara, CSS, Adriano Cintra, Frank Ocean, Tyler The Creator, Rico Dalasam e Monna Brutal…ufa!
Tudo isso e provavelmente ainda deixei alguém de fora. Os talentos LGBTQIA+ na música são muitos e devem ser valorizados.
YGOR: Quando eu tinha 11 anos, comecei a perceber que eu era um pouco diferente dos outros rapazes. Percebi que não olhava para as garotas da mesma forma que elas me olhavam. Comecei a ver como eu era colocado de lado por ser diferente. Passei quase toda essa fase tentando me encaixar e ser igual a esses outros garotos. Com isso, me perdi dentro de mim mesmo e não conseguia me autoconhecer. Não sabia mais quem eu era… No dia em que tomei coragem e falei pela primeira vez para pessoas próximas que me sentia diferente, essas mesmas pessoas começaram a se afastar. Dizendo que tudo isso era errado. Com o passar do tempo, cada vez mais pessoas foram se afastando até que sobraram tão poucas. E as poucas que sobraram tinham demônios tão grandes que me sentia totalmente desencorajado de mostrar os meus. Cheguei a um ponto tão deplorável que não sabia qual caminho seguir.
Um dia, ouvi alguém em uma matéria na TV dizer: “A comunidade gay daqui e de todo o mundo tem o mesmo direito de ser tratada com dignidade, respeito, tolerância, compaixão e amor.”. Era a Madonna. Aos poucos, fui entendendo quem eu era e me apaixonando cada vez mais por mim e, claro, pela Madonna (risos). Sou muito grato a tudo que ela fez e faz pela minha comunidade.
Ser gay é ter e viver com medo, ser ofendido e diminuído o tempo inteiro. É ser motivo de piada. É ter dificuldades para conseguir emprego em algumas áreas. Ser gay é sempre ter que provar que realmente é bom em algo. É sair de casa e observar as pessoas te olhando torto. É ser aquele amigo que nem tem coragem de andar na rua ou apresentar para a família. É ter que se esforçar o triplo em todas as atividades. É ter que lutar por tudo, todos os dias! Eu tenho orgulho de ser quem sou. Sou gay, sou totalmente gay, sou tão gay que transborda! E respeito tudo e todos ao meu redor. Ser gay é amar de verdade, é ser livre de limitações, é ser amor! ❤
As músicas que mais representam o nosso orgulho
Escolhemos as 5 músicas de artistas LGBTQIA+ que são mais significativas para cada um de nós e explicamos por quê em uma playlist colaborativa cheia de significado e orgulho:
HENRIQUE
1) Lady Gaga – Born This Way
Como não falar do que talvez seja um dos maiores hinos LGBT do século? Impossível não citar Born This Way. Gaga fala sobre amor próprio, libertação, que nascemos assim e que Deus não comete erros. BTW continua sendo uma das músicas mais importantes para mim e o impacto dela é quase que imensurável. Em 2017, Gaga inseriu Born This Way na setlist do seu show no Superbowl e, com isso, a palavra “transgênero” foi levada pela primeira vez para um evento esportivo (que teve mais de 117 milhões de telespectadores). Não é à toa que o unicórnio semelhante ao que Gaga tem de BTW está tatuado em meu braço. Same DNA, but born this way.
2) Troye Sivan – Heaven
Minha sexualidade nunca foi problema pra mim, porém, sua aceitação foi mais fácil com a música e isso não poderia ser diferente quando me assumi publicamente após um breve ato de coragem ouvindo “Heaven”, do Troye Sivan. Lembro até hoje de quando vi o teaser e aquele diálogo todo me consumiu. Vou deixá-lo aqui embaixo na minha tradução:
A pessoa que eu tive mais dificuldade para assumir foi… eu mesmo.
Quando comecei a suspeitar que eu poderia ser gay, tive que me perguntar todas essas… perguntas.
Essas perguntas muito muito aterrorizantes.
“Será que algum dia eu encontrarei alguém?”
“Será que algum dia eu conseguirei ter uma família?”
“Se existe um Deus…”
“Será que esse Deus me odeia?”
“Se existe um paraíso…”
“Será que algum dia eu conseguirei ir para o paraíso?”
E essas foram perguntas realmente muito assustadoras para uma criança de 14 anos. Então…
Durante o processo eu comecei a criar essa autoconfiança do meu jeito e caí na real: “é, eu sou gay”.
Acabei chegando em um ponto onde eu estava: “ok, mundo, se existe um paraíso…”
“Mas eu não posso ser eu mesmo lá em cima.”
“Então talvez eu não queira o paraíso.”
Heaven foi um marco na minha vida e virou tatuagem também!
3) Pabllo Vittar – Indestrutível
Seria um crime eu não colocar “Indestrutível”, de Pabllo, aqui. Toda criança interior de uma pessoa LGBT+ se sentiu acolhida e amada ao ouvir essa música tão forte e tão poderosa. PV insere o dedo na ferida e diz que tudo vai ficar bem; e de fato fica tudo bem no final. Inclusive deixo aqui uma menção honrosa a Pabllo, que é uma das maiores vozes LGBT+ do país, que trouxe tanta visibilidade para a comunidade. Obrigado por estar conosco nessa!
4) Liniker – Intimidade
A nossa grammy winner Liniker nos presenteia com uma música soberana e sem igual. “Intimidade” é uma daquelas músicas LGBT+ comfort, onde você contempla a magnitude em ser uma pessoa com amor próprio, com tanto carinho e tato.
5) Jão – Meninos e Meninas
Essa é uma das músicas do Jão que eu mais gosto. A liberdade em poder cantar sobre “todos os meninos e meninas que eu já amei” em cima do palco de um maiores festivais de música do mundo portando uma bandeira bissexual foi essencial para uma legião de fãs estarem acolhidos, amados e representados. A música que leva o mesmo nome de uma das músicas do Legião Urbana é sobre desprendimento, sobre liberdade, sobre amores.
BÁ
1) Dominatrix – Love Free
Infelizmente essa música não tem no Spotify, meninas! Eu AMO essa música desde que eu estava no Ensino Médio por causa da guitarra dela e da frase (que eu acho genial) “If time is the greatest healer, I have some chronic disease”. É da banda queer e feminista Dominatrix, que fez história na cena de rock independente, punk e hardcore de São Paulo nos anos 90 e 2000. A letra fala sobre uma garota se descobrindo lésbica e sofrendo por gostar de uma amiga e não ser correspondida.
2) Liniker – Zero
Escolhi a primeira versão lançada da música, ao vivo, que também não tem no Spotify. Foi a primeira coisa que ouvi da Liniker e foi paixão à primeira vista. Perdi a conta de quantas vezes assisti esse vídeo desde então, virei MUITO fã e fui vê-la ao vivo em um show na Jai Club, casa super pequena de São Paulo, ainda em janeiro de 2016! Nesse vídeo tem a Bárbara Rosa, cantora que infelizmente faleceu de câncer pouco tempo depois, ainda super jovem. E tem também a Ekena, de quem sou muito, muito fã, que tem uma carreira solo incrível além de ter sido backing vocal da Liniker nos primórdios, ainda em Araraquara (interior de São Paulo). Na época, esse vídeo viralizou e catapultou a Liniker e os Caramelows ao estrelato. Também, pudera…é de uma qualidade absurda, gravado em um só take ao vivo, com instrumental riquíssimo e vocais de arrepiar. A música brasileira brilhando em seu estado mais lindo.
3) Bloc Party – Banquet
Eu fui jovem nos anos de 2010, quando o indie rock tava na moda e a gente ia dançar nas baladinhas alternativas da Rua Augusta. Várias bandas inglesas faziam sucesso e uma delas era o Bloc Party, grupo que está ativo até hoje e que, aliás, acabou de lançar um disco bem bom e agora conta com uma mina incrível na bateria. Mas esse aqui é o maior hit deles. Bons tempos. O vocalista, guitarrista e principal compositor, Kele Okereke, é assumidamente gay, o que na época foi um “escândalo”.
4) Adriano Cintra – Não Ladrão
Ainda na época dos anos 90/2000, tinha uma banda de rock maravilhosa que chamava Thee Butchers Orchestra. O som era bem garageiro sujo com distorção no talo, numa pegada meio Stooges, e o guitarrista era o Adriano Cintra. Fiquei fã dele por causa dessa banda, mas depois ele montou uma que ficou muito mais famosa — apenas o CSS (isso mesmo, o Cansei de Ser Sexy). Abertamente gay, ele também tem uma carreira solo incrível, o MADRID e vários outros projetos como músico, compositor, produtor. Eu sou muito, muito fã dele. A música “Não Ladrão” é de um disco solo dele que se chama “Animal”, de 2014, que eu escutei demais. Meu sonho era gravar com ele um dia.
5) Sapataria – Orgulho
Bem apropriada pra essa pauta do orgulho, a música abre o primeiro EP da banda paulistana Sapataria, formada na época por 4 lésbicas. É um hino maravilhoso e contagiante que já me fez cantar alto no ponto de ônibus, atraindo olhares curiosos dos transeuntes. O show delas era demais e espero que a banda volte, era muito legal reparar nas letras em português muito bem trabalhadas e sempre voltadas para o confronto à homofobia por cima de um som punk truezão que dá vontade de sair pulando pela casa.
YGOR
1) Madonna – God Control
Eu poderia falar por horas o quanto Madonna representa a comunidade LGBTQI+, porém, o clipe de God Control é o ápice de tudo que ela fez até aqui, indico que todos assistam. Este clipe homenageia a revolta de Stonewall de 1969.
2) Kim Petras – Close Your Eyes
Vocês não fazem ideia do quanto essa música me faz ter vontade de sair andando pela rua completamente descontrolado gritando “You’ve got nowhere to runnnnnn”! Kim é uma artista transgênera que tem conquistado notoriedade no mundo pop de uns 3 anos pra cá. No entanto, a cantora possui trabalhos não tão conhecidos que merecem muito, mas MUITO, olha, MUUUUUUUUUUITO reconhecimento! O disco TURN OFF THE LIGHT é uma explosão de músicas que fazem diversas alusões e referências à nossa comunidade. Além de tudo, é um trabalho impecável com produção divina. Não deixe de ouvir o feat da Kim com a Elvira (pelo amor de Deus).
3) Lady Gaga – Boys Boys Boys
Sem muitos detalhes, dei meu primeiro beijo ao som de “BOYS, BOYS, BOYS, we love them!”.
4) Judas Priest – Heading Out to the Highway
Rob Halford é minha referência quando falamos sobre heavy metal. Rob foi pioneiro do movimento LGBTQI+ dentro do metal, se assumindo publicamente gay em um programa de TV. A lenda do heavy metal não só abriu portas para outros artistas, como também me encorajou a mergulhar de cabeça no mundo da música e a frequentar shows de metal sem temer, como a canção “Heading Out to the Highway” diz:
So I’m heading out to the highway
I got nothin’ to lose at all
I’m goin’ to do it my way
Em carta aberta Ygor diz “Te amo, Rob, tenho o nome do disco ‘Turbo Lover’ tatuado em minha bund*. Obrigado por ser o maior que temos no metal! ❤” Talvez um pouco pessoal demais, né (risos)?
5) Ethel Cain – Family Tree
And, baby, hell don’t scare me, I’ve been times before
Ethel Cain é a rainha das trevas trans que nossa comunidade esperava! Provocativa, visual, tem um dos melhores álbuns de 2022 e sem dúvidas merece totalmente a sua atenção. Em “Family Tree” ela sintetiza tanto sua solidão quanto sua fúria em uma atmosfera que ao mesmo tempo te envolve e aterroriza. O trabalho de produção e pós-produção de todas as músicas dela é impressionante, sem contar as ricas composições cheias de alusões e referências ao universo criado pela artista.
GABRIELLE
1) Cássia Eller – Todo Amor Que Houver Nessa Vida
Cássia cantando Cazuza. Dois dos maiores artistas LGBTQIA+ do país reunidos em uma das músicas mais bonitas já escritas na história.
2) Major Lazer feat. Anitta & Pabllo Vittar – Sua Cara
Lembro que, quando descobri a existência da Pabllo Vittar, fiquei obcecada: ela era a artista mais transgressora e rebelde que eu já tinha visto surgir em vida. E fazia isso só existindo. “Sua Cara” é, na minha opinião, a melhor música que ela já cantou — e ainda tem a participação da Anitta, outro grande nome da música e da comunidade no país.
3) David Bowie – Rebel Rebel
Não sei quando o Bowie surgiu na minha vida, mas sei que ele não saiu dela desde então. Essa é minha favorita dele: resume toda a rebeldia da existência e da arte que ele fazia.
4) Liniker e os Caramelows – Caeu
Sabe quando você ouve algo e imediatamente fala “nossa, que música gostosa de ouvir”? Foi o que eu senti ouvindo Caeu, e o que eu sinto até hoje toda vez que penso nessa música.
5) Hayley Kyoko – Girls Like Girls
Essa é autoexplicativa! Mas, além disso, é uma música bacana, com um refrão que não sai da cabeça. Uma delícia de ouvir.
A música como poderosa ferramenta de apoio para a comunidade LGBTQIA+
Aqui, quisemos refletir sobre como a música dos artistas LGBTQIA+ nos ajudou no nosso próprio processo de descobrir nossa identidade e personalidade, aceitando nossa orientação sexual.
BÁ: Preciso me abster porque sou hétera (cries in straight). Mas estou aqui como aliada!
LÍGIA: Como uma simples conversa de uma menina de 10 anos com a sua tia a fez repensar nos papéis de gênero e sexualidade? Um dia, estava passeando em um estacionamento com a minha tia e ela começou a me contar sobre uma das suas bandas favoritas: Legião Urbana. A primeira música que ela comentou comigo foi “Dezesseis”, sobre o menino Johnny, apostador de racha meio Paul Walker (do Velozes e Furiosos) da vida.
Algum tempo depois, minha tia comenta sobre a música “Meninos e Meninas”, em que Renato Russo confessa seu amor por esses dois gêneros. Até então, nunca tinha aventado a possibilidade de que, se você gosta de um, pode gostar de outro também. E, embora eu não soubesse muito sobre, eu tinha presenciado (ainda que muito pequena) as várias reprises do icônico beijo entre Madonna, Britney e Christina no VMA.
Mais do que isso, eu percebia que tinha algo de diferente nessa situação toda: o cabelo curto da Cássia Eller, o beijo que Ana Carolina deu em uma modelo em seu clipe, a forma irreverente como Cazuza se portava e aquelas várias coisas que ficam implícitas quando você é uma criança e não entende bem o que se passa com o seu próprio corpo.
Conforme o tempo foi passando, essas referências da música foram se estendendo: conheci a arte e a música de David Bowie, uma figura icônica que se dizia “tentassexual” (como resposta às várias vezes que sua bissexualidade foi questionada). Bowie criou vários personagens, entre eles a irreverente e andrógina fantasia do alienígena Ziggy Stardust.
E não para por aí: houve a paixonite pela figura andrógina de Bill Kaulitz, vocal do Tokyo Hotel, em que o interesse pouco se pautava em se ele era uma figura masculina ou feminina. Isso inclusive me faz lembrar sobre o debate em torno da fanfic moderna de que Lady Gaga seria uma pessoa intersexo, em que a própria diz: “se isso não é um problema para os meus fãs, por que seria para mim?”.
No final, essa descoberta toda de ser o B do LGBTQIAPN+ (bissexual, para quem não sabe) retorna para a mesma pergunta: por que isso seria um problema para mim? Considerando que todo o processo de autoaceitação e exposição dos fatos é delicado e pessoal, algumas pessoas ainda não se sentem confortáveis em expor, porque ainda é um tópico que pode colocar a pessoa em algum tipo de risco. Mas, mesmo assim, gostar de todos os gêneros não deveria ser um empecilho na vida pessoal ou profissional de alguém (muito menos algo reservado apenas aos artistas).
YGOR: Eu costumo dizer que poucas coisas fazem me sentir tão gay quanto as músicas que eu escuto no meu dia a dia, é inacreditável o efeito que as divas pop/alternativas conseguem me provocar e me encher de dentro para fora, sabe? De verdade, eu gostaria de oferecer um depoimento inspirador e mais detalhado, porém, quando estou dentro do metrô e ouço a voz aveludada da Kylie Minogue falando “How do you describe the feeling?” eu sinto uma euforia, uma vontade maluca de viver, que faz a diferença em minha vida! Viva as divas gays!!!
HENRIQUE: Pra mim não existe nada mais forte que uma música que diz muito sobre você, que é o caso de “Born This Way”, “Flutua” e outras. A música me salvou enquanto homem gay e continua salvando. No auge do meu conflito de aceitação, foi uma música que me salvou e ela virou tatuagem (tenho muitas de músicas). “Let The Flames Begin”, do Paramore, criou uma raiz tão forte em mim que é impossível me desmembrar dela.
O verso “É assim que vamos dançar quando eles tentarem nos derrubar” está marcado na minha pele porque foi em um momento de fragilidade, dor, escuridão e de abandono que eu fui salvo. Não existe nada de errado comigo por ser uma pessoa LGBT+, não existe nada de mais em amar o outro. O amor sempre foi a cura.
Bônus Tracks: trechos das nossas músicas LGBT+ preferidas
HENRIQUE
“Um novo tempo há de vencer, para que a gente possa florescer. E, baby, amar, amar, sem temer.” (Flutua – Johnny Hooker feat. Liniker)
BÁ
I’m coming out! I want the world to know, gotta let it show!” (I’m Coming Out – Diana Ross e Nile Rodgers, do Chic)
YGOR
“Died a thousand times, managed to survive. I can’t break down now. I can’t take that (I can’t take that).” (Madonna – I Rise)
GABRIELLE
“You can dance, you can jive, having the time of your life!” (Dancing Queen – ABBA)
Eu super acho que essa música resume bem a experiência de ser livre (risos).
LÍGIA
“’Cause we’re lovers, and that is a fact. Yes, we’re lovers, and that is that. Though nothing will keep us together, we could steal time just for one day.” (Heroes – David Bowie)
Enxergo essa música como a fuga de um casal para um ambiente em que eles podem finalmente ser eles mesmos (independentes de normas sociais).