Como lidar com a morte? Uma pergunta repetida dezenas de vezes, para a qual existem tantas respostas que é até fácil perceber que, na verdade, não há uma maneira certa de lidar com ela.
Quando recebi a notícia da morte de Taylor Hawkins, estava no metrô voltando do primeiro dia do Lollapalooza. Fazia dois anos que não ia até o Autódromo assistir o festival e estava ansiosa para seu último dia, quando veria pela primeira vez na minha vida uma das minhas bandas favoritas ao vivo. Apesar de todos os artistas, apesar da ótima companhia, eu estava indo àquele lugar — e arrastando alguns amigos junto comigo — só pelo Foo Fighters.
Minha maneira de lidar com aquela morte naquele dia foi me perguntar por quê. Foi tentar entender como. Foi imaginar como Dave Grohl e Pat Smear, que já haviam perdido Kurt Cobain décadas atrás, estavam se sentindo; imaginar como aquilo seria devastador para a família de Taylor. Foi ler obsessivamente todos os tributos e mensagens deixadas nas redes sociais por quem o conhecia. E foi me perguntar como aquelas pessoas estavam lidando com a morte naquele momento.
Não sei como foi a reação imediata do pessoal do Foo Fighters, mas gosto da maneira como eles lidaram depois: reunindo seus amigos e famílias e organizando um tributo para Taylor Hawkins, o Taylor Hawkins Tribute Concert, que me fez atravessar o oceano e visitar Londres no último dia 03, para homenagear seu adorado baterista.
“It’s going to be a long fucking night”
O Foo Fighters escolheu Wembley para ser o local do tributo para Taylor Hawkins e a primeira vez que subiriam oficialmente em um palco depois da morte dele, em março de 2022. Fizeram isso sem música, mas com um discurso emocionado de um Dave Grohl, que já tinha descrito o baterista como sua alma gêmea. Dave, alguém que eu não lembro de ter visto com menos do que um sorriso gigantesco no rosto, apareceu de olhos vermelhos e rosto inchado para falar sobre como Taylor era alguém com sorriso imenso que fazia as pessoas sorrirem, rirem, dançarem e cantarem como ninguém.
A declaração dele foi ecoada dezenas de vezes durante a noite, não só com discursos feitos no palco pelos artistas convidados, mas também pelos vídeos enviados por quem não podia estar lá naquele momento: Billie Eilish, Slash e Duff McKagan do Guns’N’Roses, Elton John e Chad Smith foram apenas algumas das pessoas que contaram histórias sobre Taylor.
Além de tantos amigos e histórias sobre o baterista, foi interessante ver como havia todo um sentimento familiar naquele lugar. Os filhos de Taylor assistiam às apresentações sentados na beira do palco; uma tímida Violet Grohl cantava “Valerie”, com Mark Ronson, e músicas de Jeff Buckley com seu pai na bateria; os membros das bandas Chevy Metal e Coattail Riders, projetos paralelos de Taylor, tocavam juntos… Tudo parecia nos mostrar que, naquele momento, estávamos sendo convidados por uma família para nos juntar e tentar lidar com seu luto.
Nas inúmeras vezes que apareceu no palco, Dave Grohl avisou que aquela seria uma noite longa. Ele não mentiu. Desde o discurso inicial, que começou pontualmente às 16h30, até o agradecimento final da banda, às 22h30, dezenas de artistas, de diversos estilos, passaram pelo tributo para Taylor Hawkins tocando as músicas favoritas do baterista.
De Kesha cantando “Children Of The Revolution”, do T. Rex, a Wolfgang Van Halen tocando “Hot for Teacher” com Justin Hawkins nos vocais, de Brian Johnson do AC/DC cantando “Back in Black” com Lars Ulrich do Metallica na bateria a Josh Homme fazendo covers de David Bowie com Nile Rodgers na guitarra, o elenco reunido para aquele dia era estelar e impressionaria qualquer pessoa (imagina receber um lineup desses no Brasil?!), mas não parecia agradar todas as partes do público inglês pouco animado. Não foram poucas as pessoas que deixavam o show para comprar cerveja e buscavam no Google ou perguntavam para as pessoas ao lado quem eram os artistas que se apresentavam.
Apesar de todas as estrelas que passaram pelo palco durante os shows, quando Brian May e Roger Taylor apareceram, acompanhados de um Rufus Taylor muito parecido com Taylor Hawkins, o público finalmente se animou como deveria ter se animado nas apresentações anteriores. Com Sam Ryder nos vocais, o grupo fez uma versão de “Somebody To Love” que deve ter deixado Adam Lambert preocupado em casa — e matou a vontade de quem, como eu, nunca viu Taylor cantando a música ao vivo nos shows do Foo Fighters — e Brian comandou um dos momentos mais bonitos da noite cantando “Love of My Life” para um estádio iluminado pelas luzes dos celulares.
Durante toda a noite, foi impossível não notar Dave Grohl, não só pelo seu carisma e sua constante emoção, mas também porque era impossível passar mais de 10 minutos sem vê-lo cumprindo alguma função durante as apresentações: além de assumir a bateria e a guitarra, ele também foi o baixista para o The Pretenders e vocalista quando Stewart Copeland, do The Police, tocou “Next to You”. Era como se ele estivesse lidando com a morte de Taylor se tornando um homem ainda mais multitarefa do que já sabemos que ele é. Dave fez tantas coisas naquele dia que ninguém ficaria surpreso ao encontrá-lo vendendo cerveja nos intervalos entre os shows.
E foi ele que fez o público chorar quando subiu ao palco com o Foo Fighters.
“It’s times like these you learn to love again”
Mesmo cercado pela banda, aplaudido pelo público e carregando sua inseparável guitarra Gibson ES-335 azul, Dave Grohl parecia tão sozinho enquanto recitava “Times Like These”, com a voz falhando e parando para chorar, que não havia como não chorar junto dele.
É claro, sendo o showman que é, ele logo consegue canalizar sua energia para fazer todo mundo parar de chorar: é como se Dave Grohl não aguentasse pessoas se sentindo tristes ou chorando na presença dele. Não demora muito para ele gritar um “Come on, motherfuckers”, todo o estádio passar a cantar quase todas as músicas em uníssono, e a banda começar a acompanhá-lo junto a uma lista invejável de bateristas que foram escolhidos para ocupar o lugar de Taylor Hawkins em seu tributo.
Josh Freese, do Devo, foi o baterista que mais tocou durante todo o tributo — talvez devêssemos ficar de olho nisso para um futuro próximo; Travis Barker, do Blink 182, parecia engessado para tocar as músicas do Foo Fighters, sem incluir nelas suas batidas pesadas que fazem sucesso no pop-punk; Rufus Taylor, cujo único motivo para estar lá parecia ser só o nepotismo por ser filho de Roger Taylor; e Omar Hakim, tão talentoso que conseguiu até mesmo acalmar um impaciente Paul McCartney, que apareceu de surpresa (e quase matou essa que vos escreve do coração) para fazer um dueto de “Oh, Darling!” com Chrissy Hynde e cantar “Helter Skelter” com a banda.
Mas foram as crianças que mais chamaram atenção. Nandi Bushell, a baterista de 12 anos que, em uma brincadeira, desafiou Dave Grohl para uma disputa de baterias e agora é chamada por ele de “a baterista mais legal do mundo”, mesmo com um nervosismo perceptível, foi ovacionada ao subir no palco para tocar “Learn To Fly” com o Foo Fighters.
E Shane Hawkins, o filho de 16 anos de Taylor, foi quem acabou de arrancar todas as lágrimas que ninguém nem sabia que ainda tinha como chorar ao assumir a bateria em “My Hero”. Quem não se emocionou ao ver ele e Dave se olhando enquanto tocavam juntos o solo da música, que se tornou uma espécie de hino para Taylor Hawkins durante o tributo, está morto por dentro.
Mesmo com as substituições extraordinárias feitas naquele show, é perceptível a falta que Taylor faz na banda. Sem ele, parece que todos estão um pouco perdidos em cima do palco, sem ter muito o que fazer, tentando desesperadamente descobrir como seguir. Dave Grohl pode ser a cara do Foo Fighters, mas parece que Taylor Hawkins era a cola que fazia tudo ali se manter junto.
Após uma performance acapella de “Everlong”, cantada por Dave novamente sozinho e acompanhada pelo público, agradecimentos foram feitos e fotos de Taylor apareceram nos telões, encerrando a longa noite prometida por Dave Grohl e que nos fez perceber que, pode haver alguma maneira de lidar com a morte, mas não há como superá-la: passe o tempo que for, todos reunidos ali sentirão desesperadamente a falta de Taylor Hawkins.