Inês é Morta é uma banda de pós-punk brasileira, com inspiração no som dos anos 80, mas engana-se quem acha que para por aí. “Por mais que a gente seja encaixado e visto como uma banda de pós-punk, também não é algo que a gente vá ficar só nisso. Mesmo as músicas mais recentes, elas apontam para uma outra coisa que faz parte do que a gente ouve”, diz a vocalista Camila Kohn.
O grupo paulistano, que conta ainda com os integrantes Daniel Lima na guitarra, Danilo Grilo na bateria e Lucas Krokodil no baixo, lançou no dia 10 de junho o single “Apogeu”. Em um bate-papo com a gente, Camila fala um pouco sobre os últimos trabalhos da banda, o processo criativo, a cena do pós-punk brasileiro e o lançamento do single.
O que esperar de “Apogeu” e do futuro da banda?
A pandemia atrapalhou bastante a programação da banda, que tinha inúmeros shows marcados para o início de 2020, mas não atrapalhou a produção e os lançamentos. De seu início até o presente momento, a banda seguiu lançando conteúdo, com um EP de 6 músicas e outro de 2, ambos chamados Inês é Morta (2018); os EPs Abismo (2019) e Menir (2020), seguido dos singles “Sozinha” (2021), “Espectro do Tempo” (2021), “Quarta Parede” (2021) e finalmente “Apogeu”, de 2022.
A definição no dicionário para apogeu descreve dois significados: ápice ou “posição orbital apresentada por um satélite terrestre (a Lua ou satélite artificial) quando, em sua revolução, se encontra mais afastado da Terra”. As duas ideias estão bem presentes na capa do single, tanto os “satélites” quanto o ápice de Inês é Morta. “Tudo que a gente faz tá muito calcado com a ideia de sentir a passagem do tempo, de alguma maneira. Pensar em apogeu, nesse ápice que sempre acontece, mas que sempre passa”, conta Camila.
“Poesia que surge de poucos segundos olhando a cidade pela janela. O vislumbre do ápice da humanidade como uma mera raça destruidora de mundos, consequência do tanto que não conseguimos compreender”.
Os últimos lançamentos da banda, compostos por melodias dançantes como em “Espectro do Tempo”, têm sido acompanhados de uma atmosfera mais introspectiva que contrasta com seus trabalhos iniciais. “O primeiro momento da banda tinha muito isso de um grito que precisava sair. É muito frenético, a gente nem toca tão rápido essas músicas hoje em dia. Acho que tinha uma urgência da gente querer gravar, querer tocar”, afirma a vocalista.
“Apogeu” representa um segundo momento da banda. A capa, feita pelo baterista e artista plástico Danilo Grilo, representa para Camila um movimento cíclico. A canção já tinha sido apresentada ao público em um show realizado em maio, no estúdio Depois do Fim do Mundo, situado no bairro da Lapa, em São Paulo. O show foi anterior ao eclipse da lua de sangue, que ocorreu no domingo.
Camila tem experiência como atriz e não desperdiça o conhecimento, com uma performance extremamente magnética, rica em movimentos com as mãos, dando destaque aos anéis e ao vestido preto, lembrando uma bruxa que encanta suas vítimas. Seguindo o encantamento, a música apresenta uma melodia que te faz bater o pé ou bater as mãos na perna, no ritmo da música, brincando com o conceito de altos e baixos.
Depois de tantos lançamentos individuais, Inês é Morta segue para um amadurecimento que dá indícios de um lançamento de álbum, passando de um processo fluido para uma espécie de represa de ideias, com fluxo mais controlado e bem direcionado. “Estamos conseguindo operar mais com as melodias que fazemos. Acho que isso ajudou a gente a descobrir um pouco sobre o que é a nossa identidade ou o que é a gente se repetindo”, relata nossa Siouxsie Sioux brasileira.
Detalhando o processo criativo dos álbuns, a cantora explica que ele envolve a participação de todos integrantes. A compilação de elementos como filmes e músicas de outros gêneros se converte para uma forma de produzir bem “laissez-faire” da banda. “É tudo muito fluido, mesmo. Às vezes eu escrevo uma frase, eles gostam e vira uma música. Às vezes alguém aparece com uma linha de alguma coisa”, explica Camila.
Formação
A história por trás da formação de Inês é Morta envolve uma sucessão de acasos. Depois de um show da banda Rakta, Camila é apresentada por amigos em comum à Grilo e Lucas, que precisavam de uma vocalista para a banda, até então sem nome.
Camila foi introduzida à faixa “Visions”, única música cantada em inglês, presente no primeiro EP. “A gente se conheceu por causa da banda e viramos grandes amigos, no decorrer de tudo”, diz ela. Daniel Lima só entraria como guitarrista depois. “A gente de fato já esteve nos mesmos rolês mais de uma vez na nossa vida e nunca se trombou, nunca trocou uma ideia. É como se a gente só fosse se encontrar pra fazer o que a gente tinha que fazer, na hora que já tinha algo pra fazer junto”, relata a cantora.
Ao discorrer um pouco sobre as dificuldades em consolidar a banda, ela afirma: “Toda nossa história é muito calcada em insistência”. Contraditória à resiliência da banda em se manter depois de alguns shows vazios ao longo de quatro anos de estrada, o nome extremamente gótico (e até mórbido) tem origem no dito popular: “Agora Inês é morta”. Esse ditado faz referência à rainha Inês de Castro, que ficou conhecida por ter sido coroada rainha de Portugal após a sua morte. A expressão é utilizada no sentido de dizer que algo já passou, já foi e não tem mais solução, não tem como voltar atrás.
“De uma maneira ou de outra, eu tô repetindo a história desse ditado popular e contando a história da Inês de Castro. Tem a ver com o que eu busco: dar voz a essa figura dessa mulher renegada, apagada, principalmente desesperada e aflita por todas as coisas que ela foi impedida ou interrompida de fazer”, complementa Camila.
Além disso, o nome expressa a beleza do inalcançável, com pessoas vivendo na cidade e tentando sobreviver de algum jeito em meio às incertezas da vida, segundo a integrante da banda.
Pós-punk
Refletindo a respeito da construção melancólica que costuma abraçar as composições dentro do gênero pós-punk, Camila afirma com otimismo que dá para fazer um pós-punk feliz: “Acho que, de uma maneira ou de outra, o tipo de sonoridade mais grave acaba puxando para um certo tipo de letra ou de atmosfera, mas dá, sim. Pode ser triste ou pode ser feliz. De uma maneira ou de outra, para mim, sempre vai ter um tom de contemplação”.
Em referência ao show do dia 14 de maio na Mansão Belo, em Pouso Alegre – MG, Camila comenta sobre a falta de união dentro dos movimentos no cenário underground. “Parece que tem que ter sempre alguém te aprovando, isso cria uma atmosfera meio hostil. Isso vagarosamente tá mudando”, afirma. ”Eu acho que, em lugares menores, em que as pessoas são fora da curva do que a sociedade espera, acabam se juntando mais por não ter tantos nichos onde se centrar”.
Inclusive, correndo atrás do tempo perdido com a pandemia, Inês é Morta retomou a agenda de shows no penúltimo final de semana de junho, ao lado de bandas como Tempos de Morte e Herzegovina.