909 dias. 130 semanas. Quase 30 meses ou 2 anos e meio. Esse foi o período entre o meu último show – o Popload Festival de 2019 – e a minha volta a esse ambiente amado, algo que ocorreu na última quinta-feira (12) para ver o Metallica em Belo Horizonte, no querido Mineirão.
Ouvir um artista ao vivo foi, provavelmente, uma das coisas que mais me fez falta ao longo da pandemia. Ainda que tenha visto algumas lives e até mesmo uma turnê online, nunca foi a mesma coisa. Nunca será a mesma coisa. Por mais que o mercado tenha começado a se movimentar no ano passado, diversos motivos me fizeram esperar por um momento mais adequado. Eis que ele chegou e com uma banda da velha guarda.
Não só a minha espera foi longa, como também a dos fãs. As apresentações, que já estavam programadas antes da pandemia, sofreram com adiamentos durante a maior crise sanitária de todos os tempos. Inicialmente agendadas para abril de 2020, só agora que James Hetfield, Kirk Hammett, Rob Trujillo e Lars Ulrich finalmente puderam cumpriram as datas. Após Porto Alegre, Curitiba e São Paulo, o quarteto pisa na “casa do Sepultura” pela primeira vez, como bem lembrou o vocalista e guitarrista no início do show.
Mas vamos por partes…
Ego Kill Talent e Greta Van Fleet
Era 18h30 quando a Ego Kill Talent deu início aos trabalhos no Mineirão. Para um público receptivo, a banda aproveitou os seus trinta minutos de palco para mostrar o seu trabalho.
Nome carimbado em diversos festivais pelo mundo, o quinteto formado por Jonathan Dörr (vocal), Theo van der Loo (guitarra/baixo), Niper Boaventura (guitar, bass), Raphael Miranda (bateria/baixo) e Jean Dolabella (bateria/guitarra) mesclou os seus dois registros de estúdio ao longo da apresentação. Do trabalho de estreia, autointitulado, vieram “Heroes, Kings and Gods”, “Last Ride”, “Sublimated” e “We All”. Do mais recente, The Dance Between Extremes (2021), as escolhidas foram “Lifeporn”, “Now!” e “The Call”.
Cumprindo o papel de aquecer o público, a banda entregou uma apresentação bem interessante e que mostra o seu poder no palco. Como bem lembrou Lucas Jacovini, parceiro de podcast e de show, a apresentação “deixou todos entretidos do início ao fim”, apesar do tempo curto.
Em seguida, o Greta Van Fleet ocupou o palco no Mineirão . Instantaneamente, a banda colocou o estádio em uma máquina do tempo e nos levou para os anos 70.
Começando por volta das 19h30 e com uma hora de palco para usar, o quarteto estadunidense formado por Josh Kiszka (vocal), Jake Kiszka (guitarra), Sam Kiszka (baixo/teclado) e Danny Wagner (bateria) já é conhecido do grande público e logo ganhou a atenção de todos.
Lucas me lembra que eles são “ótimos músicos e capazes de fazer um ótimo show” mas, por mais batido que seja o tema, a semelhança com o Led Zeppelin ainda impressiona – e até incomoda em certos momentos. Não só a sonoridade, bem como figurino, presença de palco, trejeitos com os instrumentos, o telão em preto e branco… tudo remete a banda que, até hoje, é um dos nomes mais lembrados da história do rock.
Ainda que o Greta tente se descolar dessa comparação – e o seu mais recente álbum, The Battle at Garden’s Gate (2021), é um bom exemplo disso; a sensação é de que o quarteto peca pelos excessos. Só para exemplificar, temos o setlist: foram sete músicas que preencheram todo o tempo de palco e, se você somar todas elas no seu streaming favorito, o tempo total mal passa dos 35 minutos. No palco, elas ganham uma gordura desnecessária, mas que agrada quem gosta dos solos intermináveis para fazer air guitar com os amigos.
Entre as escolhidas, “Black Smoke Rising”, “My Way, Soon” e “Highway Tune” foram algumas das que fizeram a alegria dos presentes. “O que mais me surpreendeu foi a quantidade de pessoas cantando a maioria das músicas… O público do Greta é bem maior em BH do que sempre imaginei e parece ter ficado mais do que satisfeito com o show de abertura”, lembra Lucas.
Metallica e o calorzinho do diabo
Não dá pra dizer que o Metallica tinha um desafio. O jogo no Mineirão já estava ganho desde 2019, quando a sua primeira passagem pela capital mineira foi anunciada. Até por isso, quando “It’s a Long Way to the Top (If You Wanna Rock ‘n’ Roll)” do AC/DC começou a ecoar pelo estádio anunciando que a banda estava chegando, já tivemos o primeiro gol da noite.
Era 21h13 quando as luzes se apagaram e a tradicional abertura com “The Ecstasy of Gold” teve início. Nesse meio tempo, já tinha marmanjo chorando, gente gritando e milhares de celulares pro alto. O que tava alto também era o volume, mas isso eu não sei se foi algo da apresentação ou só a minha percepção desacostumada após mais de dois anos sem ver shows. E isso não é uma reclamação, que fique claro.
Em contraste com os demais shows, logo de cara tivemos a primeira mudança no setlist: ao invés do clássico “Whiplash”, que abriu as apresentações anteriores no Brasil, veio “Hardwired”, que está no mais recente álbum da banda, Hardwired… To Self Destruction (2016).
Logo após, “Ride the Lightning” abriu as portas daquele que seria um dos álbuns mais lembrados da noite. Lançado em 1984 e visto como um dos clássicos da banda, o registro ainda nos rendeu “For Whom the Bell Tolls”, Creeping Death” e “Fade to Black”, além de “Fight Fire With Fire” – a grande surpresa da noite – abrindo o bis. Além disso, outro registro privilegiado no setlist foi o aclamado Black Album. Dele vieram outras cinco faixas do setlist: “Wherever I May Roam”, “Sad But True”, “The Unforgiven”, “Nothing Else Matters” e “Enter Sandman” – as duas últimas fechando o show – fizeram a alegria dos 54 mil presentes no estádio.
Um ponto que merece destaque é o cuidado com a parte visual do show. Palco grande, cinco telões com projeções que complementam a apresentação e um bom uso de lasers que criam uma imersão bem interessante. Em “Moth Into Flame”, por exemplo, a banda levou a pirotecnia para o meio do público com labaredas de fogo nas torres de som e luz localizadas em três pontos da pista. É algo que não me lembro de ter visto antes na vida, quase como um calorzinho do capeta vindo diretamente nas suas costas. Outro bom momento ligado a estrutura foi em “Cyanide” – outra boa surpresa do setlist; quando me desliguei do show completamente enquanto acompanhava a saga de quatro pessoas presas vivas em caixões.
Com quarenta anos de carreira, ousaria dizer que o Metallica vive hoje o seu melhor momento técnico. É aqui que a gente compara o quarteto com vinho ou aquele jogador experiente que veste a camisa e assume a liderança, mesmo em momentos de baixa.
Por outro lado, ver Hetfield falando abertamente sobre os seus sentimentos no palco, abordando questionamentos internos sobre sua aptidão para estar no palco e, em troca, ganhar abraços dos demais integrantes e um apoio caloroso do público é algo que ninguém imaginaria décadas atrás. Basta lembrar da recepção ao documentário Some Kind Of Monster e as piadas em torno da “banda de rock fazendo terapia”. Neste momento, este que redige essa resenha até deixou cair algumas lágrimas.
Apesar de dizer que não se sentia bem, James foi bem interativo com o público. Lembrou da jovem que deu à luz em Curitiba, elogiou diversas vezes a beleza da plateia – numa possível referência ao belo presente no nome da cidade; e fez o que sabe de melhor: cantar, tocar guitarra e deixar toda a sua energia no palco. O mesmo vale para Lars, Kirk e Trujillo, ambos em noites inspiradas.
Era a primeira vez do Lucas vendo a banda. Eu estava vendo pela terceira vez – a primeira sem ser em festival – e, no fim, o consenso foi o mesmo: “A banda entregou tudo… Instrumental perfeito, presença de palco e Hetfield perfeito nos vocais”, diz Lucas. “Show impecável assim como o setlist”, completa. Com a goleada já sacramentada, era só entregar as jogadas que o público queria. “Seek and Destroy”, “One” e “Master of Puppets” serviram para deixar o Mineirão ainda mais ensandecido naquela noite mais do que especial.
Com toda a certeza, nem a volta para casa completamente caótica – um mimo especial que Belo Horizonte sempre nos oferece – foi capaz de apagar o brilho daquela noite de quinta-feira onde o público, 99% vestido de preto, aproveitou para lavar a alma.