O mês é março. O ano é 2020.
Belo Horizonte acaba de receber a edição de 10 anos do Festival Sensacional com vários nomes conhecidos da música brasileira, misturando artistas novos e consolidados. A terceira edição do badalado Breve está prevista para acontecer em maio, mas uma pandemia mundial chega atrapalhando os planos de todos que investiram suados R$60 para se divertirem.
O dia é 9 de abril. O ano é 2022. Belo Horizonte acaba de receber seu primeiro evento musical grande após dois anos de interrupções na área cultural do país e quatro adiamentos da aguardada terceira edição do Breve Festival. Poucas mudanças no lineup original, mas quanta diferença no preço da entrada: agora era necessário pagar 4x o valor do ingresso de 2020: ou seja, R$240.
Não sei você, mas entre meus amigos e conhecidos, a pandemia causou um verdadeiro rombo nas finanças. Por isso, pensar em pagar um valor desses em um ingresso significa criar imensas expectativas de que a produção vai cuidar do público como se fossem as joias da coroa. Afinal, não seria exagero. Quem sustenta a cultura são as pessoas que pagam pelo entretenimento e merecem sim serem bem tratados. Mas veja só… que surpresa descobrir o quanto o Breve não compartilha dessa ideia.
O início da saga
Começando pela entrada do evento, milhares de pessoas simplesmente montaram uma fila que contornava o estádio ao ponto que – pasmem! – se os últimos da fila andassem um pouquinho mais, conseguiriam perceber que dava para entrar sem precisar pegar fila alguma.
Não havia ninguém para informar nos arredores do estádio e essa falha da produção (garantir um bom evento significa pensar na experiência do seu cliente em todas as etapas, incluindo antes da venda dos ingressos e principalmente na entrada do evento) foi devidamente reclamada junto a equipe de credenciamento e seguranças.
Disseram que cobrariam o comprovante de vacinação, né? Bem, isso não aconteceu com ninguém, aparentemente. Mesmo com a pandemia chegando ao fim, a população vacinada e as taxas de contaminação diminuindo, faltou um respeito/cuidado com o público. Não importa se as pessoas são idiotas e não se cuidam ou obedecem orientações. Importa muito mais ver a produção fazendo a sua parte.
A imprensa tradicional indicou um público de 50 mil pessoas. Seguranças do estádio falavam em números próximos a 80 mil. Qualquer pessoa com o mínimo de bom senso sabe o quanto a Esplanada é um espaço incrível para grandes eventos, mas que possui limitações. A consequência disso foi simplesmente espremer todo o público nos espaços de cada palco, o que tornou impossível se sentir confortável e seguro no primeiro evento pós-pandemia com todo mundo sem máscara e colado um no outro.
Uma regra básica para se relacionar com o público é deixar tudo o mais simples possível. “Não me faça pensar”, dizem os “gênios” do marketing. A estrutura do Breve ignorou isso, já que não existiam sinalizações óbvias e exageradas te direcionando para os palcos – um deles eu só descobri porque parei para descansar e fiquei ouvindo um barulho que não vinha dos palcos principais.
A sinalização foi um verdadeiro show de horrores com direito a uma placa de saída próxima do Palco Amstel que indicava simplesmente para outra placa de saída do palco Breve. Ou seja, essa primeira placa indicava lugar nenhum. E esse talvez tenha sido o ponto mais perigoso de todo o evento: a ausência de sinalização e placas de saída sugerem que todos sigam o mesmo caminho, o que poderia gerar caos em uma situação de risco. Se existiam outras saídas, sinceramente, eu não vi. Nem a maioria das pessoas que estavam deixando o show a partir da apresentação final do trio Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho.
Valores
Em certo momento tive que procurar algo para beber porque a idade não permite ficar tantas horas em jejum. Então tive mais uma bela surpresa: a água custava inacreditáveis R$8. A cerveja R$14. Mas antes disso era preciso comprar um cartão. E um copo. Isso dentro da área VIP com open bar. Como assim?
Como eu já estava irritado com o descaso com todas aquelas pessoas passando horas em uma fila desnecessária, com os banheiros químicos vazando para a pista, com a impossibilidade de conseguir ver o palco de longe sem ficar espremido (sensação de 100 mil pessoas aglomeradas sem máscara e exalando bactérias) e com o preço da água, decidi fazer uma pequena pesquisa entre os funcionários que vendiam cerveja na pista.
Perguntei quanto estavam recebendo (R$190), se tinham vale-transporte (não), se tinham pausas e alimentação (sim) e se existiam benefícios (disseram que receberiam 1% das vendas). Sou ruim de matemática, tá? Mas calcule que cada vendedor tenha feito 1.000 vendas de R$14. Isso dá R$ 14.000 e 1% disso é APENAS R$140. Surreal, né? Fica pior se você pensa que os ônibus pararam de passar às 23h e o horário de trabalho deles era de 8h, de 11h até 2h da manhã. Vai voltar pra casa como?
Faltou só o Titãs tocando “Homem-primata” para o festival fazer sentido.
É muito frustrante chegar em um evento assim e ter que simplesmente aceitar os preços abusivos, mas é ainda pior quando fica escancarado todos os nossos problemas sociais e econômicos. Não quero parecer ingênuo ou hipócrita de dizer que eventos assim são para todos os públicos, sei que não é o caso, mas foi uma observação comum entre todas as pessoas que conversei.
Estamos todos órfãos e carentes de entretenimento e diversão após a pandemia, mas ao mesmo tempo nossos bolsos não conseguem acompanhar a realidade econômica do país. É muito importante reconsiderar como um festival pode entrar no bolso do cliente. E acima de tudo, garantir conforto para quem investiu uma verdadeira fortuna por um dia de distração.
Eu saí de casa com vontade de fazer um experimento, escrever uma crônica sobre voltar aos shows, dividir a alegria com desconhecidos… não queria escrever um texto denúncia assim porque não esperava ver um evento parecido com o Fyre Festival em BH. Mas é a vida, né?
Veja a nossa resenha sobre os shows do Breve Festival e a nossa cobertura fotográfica da edição.