A vida é cheia de situações diversas, de altos e baixos: um término de relacionamento, um pedido de casamento, uma promoção ou demissão no trabalho, as várias lutas pra tentar ser bem-sucedido e feliz em todos os aspectos da vida… Tudo isso faz parte do mundo de (quase) todas as pessoas, e é o que dá o tom no belíssimo disco recém-lançado da cantora Mitski, Laurel Hell.
O álbum representa um novo estágio alcançado pela cantora que conquistou popularidade na Internet, especialmente por vídeos no TikTok e no Youtube, com suas músicas em um plano de fundo. Aliás, é até injusto resumir a carreira de Mitski a isso, uma vez que ela foi um dos grandes nomes do indie na década passada, com lançamentos incríveis como Puberty 2 (2016) e Be the Cowboy (2018).
Entretanto, isso não muda o fato de que Laurel Hell é um capítulo importante na trajetória da cantora. Afinal, no meio da turnê de Be the Cowboy, graças a uma exaustão física e mental, Mitski anunciou que entraria em hiato (um anúncio que soava mais como um adeus definitivo). Pra nossa sorte e também da própria Mitski, não foi isso que aconteceu. E não teria trabalho que representasse mais esses altos e baixos da cantora do que Laurel Hell.
O pano de fundo por trás de Laurel Hell
Aos 29 anos, Mitski estava no auge, graças ao sucesso de Be the Cowboy, considerado por vários veículos o grande álbum de 2018. E foi justamente esse sucesso – identificado pela própria cantora – que fez com que ela se distanciasse dos palcos e do estúdio. Foi aí que ela percebeu que ela precisava da música, retornando às gravações com o single “Working for the Knife”.
Porém, Laurel Hell já era um trabalho que estava destinado a ser concebido, já que a maioria das faixas foram escritas em 2018. Ou seja, de fato aquela era uma época de criatividade constante para a cantora. O álbum também se mostra um novo capítulo para Mitski pela natureza do novo disco. Esse é um trabalho não faz questão de ser triste – algo que era quase uma estética da cantora e a fez ficar popular na Internet.
Sobre o disco
Há muitas novidades que cercam Laurel Hell. Esse é o primeiro álbum em que a cantora não compõe 100% sozinha – o que talvez indique essa leveza buscada por Mitski. Além disso, esse é um disco com menos guitarras e mais sintetizadores, dando um aspecto de glamour e dançante para quase todas as faixas. Essa combinação vai bem com a proposta de Laurel Hell de ser belo, difícil e ao mesmo tempo leve.
Aliás, isso parece que foi bem pensado por Mitski até mesmo no nome do álbum: Laurel Hell é uma espécie de moita de louro encontrada na região dos Apalaches do Sul, nos EUA, que é extremamente bonita, mas também venenosa. Com isso, a mensagem de Mitski está dada: a vida pode ser bela, mesmo com alguns espinhos que temos que ultrapassar.
Essa dualidade se encontra presente logo na primeira música, “Valentine, Texas”. “Vamos pisar com cuidado no escuro” é o primeiro verso, que demonstra o cuidado que temos que ter em todas as situações, sejam elas boas ou ruins. Além disso, a faixa conta com um instrumental que se mostra inicialmente silencioso, e que vai crescendo de atmosfera conforme o tempo passa.
Os problemas da vida, tanto de Mitski como de qualquer um, também é tema de “Working for the Knife”. A faixa desenha a importância de ser adulto e deixar algumas coisas pra trás. Aliás, vale dizer que a composição é bastante imagética, algo que parece uma herança da formação em cinema da cantora. O melodrama e peso da vida também fazem parte de “Stay Soft”. A faixa soa como uma música perdida de Rest, da Charlotte Gainsbourg, pela energia e suavidade para falar de temas densos.
Em seguida, temos “Everyone”, uma das músicas mais intimistas do disco. Nela, Mitski parece refletir sobre sua ascensão meteórica e sua dificuldade para lidar com isso: “E eu abri meus braços para o escuro/Eu disse: Pegue tudo, o que você quiser/Eu não sabia que era jovem/Eu não sabia o que era necessário”.
“Heat Lightning” fala sobre relacionamentos reais e sobre como a vida pode não ser tão preto no branco. Aliás, sobre relacionamentos reais, também temos “The Only Heartbreaker”, que pinta o retrato de uma pessoa acusada de errar em uma relação, quando na verdade é a única tentando acertar. “Então, eu serei o perdedor nesse jogo/Eu serei o vilão da peça”, ela diz em algum dos versos.
O mais curioso é que até nesses casos Mitski cumpre o que promete: o álbum não soa triste, mas como um “tapa na cara”. “Love Me More” também segue essa premissa, quando fala sobre autoaceitação, em uma melodia dançante, se tornando um dos grandes pontos do disco.
“There’s Nothing Left for You” e “Should’ve Been Me”, com um ouvido mais atento, demonstram como é difícil estar emocionalmente indisponível em todos os aspectos da vida. Enquanto isso, “I Guess” mostra que é importante dar um fim a essas situações, mesmo que isso traga algumas mudanças na nossa personalidade. Isso é bem resumido no refrão: “Eu acho, acho/Acho que é o fim/Terei que aprender a ser outra pessoa”.
Por fim, “That’s Our Lamp” mantém a atmosfera positiva do álbum com um pop que parece ter saído diretamente dos anos 80. A faixa é uma despedida, uma mensagem para nos prepararmos pelo que vem pela frente.
Laurel Hell firma Mitski como uma das grandes dessa geração
Mitski é uma das poucas artistas que poderia passar pelo que passou e entregar um álbum vivo, cheio de histórias e de energia, que conectam ela a qualquer ouvinte. Até por isso, Laurel Hell se mostra como o maior trabalho já lançado por ela.
Mas, mais do que isso, Laurel Hell é sobre a vida, passar por diversas situações e ainda assim sair de pé e ser relativamente feliz. Um exemplo que se mostra vivo na própria Mitski.
Mitski – Laurel Hell
Lançamento: 4 de fevereiro de 2022
Gravadora: Dead Oceans
Gênero: Synth Pop, Indie Pop, Rock
Produção: Patrick Hyland
Faixas:
01. Valentine, Texas
02. Working for the Knife
03. Stay Soft
04. Everyone
05. Heat Lightning
06. The Only Heartbreaker
07. Love Me More
08. There’s Nothing Left for You
09. Should’ve Been Me
10. I Guess
11. That’s Our Lamp