Ultimamente, acompanhar a carreira de Taylor Swift é sinônimo de duas coisas: ler interpretações feitas pelos fãs de pistas dadas de maneiras completamente aleatórias nas redes sociais dela e aguardar pacientemente pelos seus novos lançamentos (e relançamentos).
Desde Lover (2019), que teve seu lançamento anunciado por easter eggs espalhados em suas postagens no Instagram — a lá Marvel enfiando inúmeros easter eggs em seus filmes e séries para construir seu universo cinematográfico — é assim que Taylor trabalha: contagens regressivas escondidas, pequenos detalhes em fotos e vídeos e imagens legendadas com “nada demais acontecendo no momento” são os indicativos de que, na verdade, coisas estão acontecendo.
Foi assim que o público conheceu folklore em julho de 2020, evermore em dezembro do mesmo ano e descobriu a data de lançamento e as músicas extras que fariam parte do mais novo capítulo do Taylor Swift Musical Universe: a nova versão de Fearless, seu segundo álbum.
Mas, para entender a regravação de Taylor Swift do Fearless, lançado originalmente em 2008, é preciso entender o que a levou a regravar seus discos.
Por que Taylor Swift está regravando os discos?
Primeiramente, é preciso entender que, antes do surgimento da indústria do streaming, era comum que artistas, buscando maneiras de promover seus trabalhos, assinassem com gravadoras para ajudar nesse processo.
Isso facilitava que as músicas fossem tocadas nas rádios e que discos fossem distribuídos no mercado. Era comum que esses acordos com as gravadoras incluíssem uma cláusula que dava às gravadoras a propriedade das masters das gravações.
Agora, vamos entender o que são masters. É simples: uma master é a primeira gravação de algo. A partir dessa gravação, são feitas cópias de CDs e singles para venda, dando origem ao produto final que chega em nossas mãos. Já que a master é a origem de todas as cópias, o dono da master é o dono de todas as cópias, sejam elas físicas — os CDs e vinis — ou digitais — os downloads ou músicas que estão nos serviços de streaming — e é ele quem autoriza ou não a reprodução deste trabalho.
Ou seja, era comum que as gravadoras fossem donas das masters e, consequentemente, dos trabalhos dos artistas com as quais elas assinavam.
Foi o que aconteceu com Taylor: ao assinar com a Big Machine Records, ela também vendeu para eles as masters de seus seis discos lançados entre 2006 e 2017, começando no Taylor Swift e acabando no reputation. Como todos sabemos, Taylor foi um sucesso mundial nesse período e era a artista mais famosa do catálogo da gravadora até 2018, quando o contrato acabou e ela assinou com a Republic Records, onde uma das cláusulas do contrato dizia que ela seria a dona das masters dos discos lançados sob esse contrato. Mas, ela teve que deixar seu catálogo da Big Machine para trás.
No ano seguinte ao fim do contrato de Taylor com a Big Machine, a gravadora (e o catálogo de Taylor) foi comprada em um acordo milionário por Scooter Braun, empresário de artistas como Justin Bieber e Demi Lovato, o que deu início à uma guerra pública entre Taylor, a Big Machine e os lados que defendiam ambas as partes.
Taylor Swift não foi a primeira a ter problemas com esse acordo: Janet Jackson, Prince e até mesmo John Lennon e Paul McCartney passaram pela mesma situação — os direitos das músicas dos Beatles foram inclusive comprados por Michael Jackson — mas ela foi uma das primeiras pessoas com grande visibilidade a tornar isso algo público, por meio de uma carta aberta divulgada no Tumblr.
O que se seguiu foi uma disputa pelas masters, que incluiu Scooter Braun proibindo Taylor de apresentar ou usar suas músicas para seus novos trabalhos e projetos, tentativas fracassadas de acordos judiciais, a revenda do catálogo e o anúncio de que Taylor regravaria seus seis discos, resultado do que, juntamente com a briga Taylor Swift x Spotify, provavelmente é um dos mais importantes momentos da indústria da música contemporânea.
Mas o que Taylor ganha com isso?
Fora o lugar como heroína na luta pela preservação dos direitos dos artistas — e aqui é importante notar que toda a disputa sobre as masters e a cobertura midiática feita sobre isso ajuda que artistas sejam mais conscientes e orientados sobre seus próprios direitos — a regravação dos seus seis primeiros discos significa que Taylor terá os direitos dessas novas versões, assim como o controle de como elas serão usadas e todo o retorno financeiro de seus usos.
Com isso, a possibilidade de que o lucro de quem detém o catálogo antigo diminua com as “novas” faixas substituindo as antigas em comerciais e na preferência dos fãs é bem maior, já que, apesar de tudo, não existem grandes mudanças entre os dois discos. O que nos leva a versão de Taylor Swift do Fearless!
Afinal, qual a diferença entre Fearless (2008) e Fearless (2021)?
Em um primeiro momento, não existem diferenças entre os dois discos. É claro, há uma nova capa e faixas extras, mas o material que conhecemos continua lá: as histórias de amor e decepções saídas do diário de uma menina de 18 anos, as raízes country misturadas ao pop que mais tarde seria predominante em sua discografia e os refrões extremamente divertidos para se cantar junto de “You Belong With Me” e “Love Story”.
É claro que isso se deve à ideia dela de contratar a mesma equipe que trabalhou com ela no instrumental da versão original para se manter “leal às melodias” e fazer uma versão “igual mas melhor” do disco, como Taylor declarou.
A única mudança perceptível é a voz de Taylor Swift em Fearless: com o passar do tempo, ela se tornou menos estridente, assumindo uma gravidade, rouquidão e controle que tornam as músicas ainda mais agradáveis de se ouvir. E essa diferença é muito perceptível quando se ouve a versão de 2008 de “Hey Stephen” e a de 2021 em sequência.
As músicas extras, que não chegaram a ser adicionadas à versão original do disco — vencedor do Grammy de Álbum do Ano em 2010 — e agora se tornaram o que Taylor nomeou de From the Vault, não saem muito da temática romances e corações partidos que já conhecemos: “Mr. Perfectly Fine” atrai mais pela letra sobre Joe Jonas do que pela sonoridade pop rock e “That’s When” traz Keith Urban em uma parceria não muito surpreendente ou memorável e com um final um pouquinho brega. “You All Over Me” é o grande destaque dessas músicas inéditas, com os backing vocals de Maren Morris e a letra sobre não conseguir superar um relacionamento que faz com que seja difícil acreditar que Taylor tinha só 18 anos quando escreveu a música.
É interessante ver como Taylor utilizou toda experiência adquirida nos últimos anos para melhorar um disco que já era ótimo, mas é preciso admitir que a melhor parte do novo Fearless é a nostalgia. Ouvir Taylor revisitar suas origens, inspirações românticas e influências musicais há muito abandonadas ao regravar de maneira fiel seu coming of age na idade adulta é reconfortante, dando uma sensação familiar para qualquer um que acompanhe sua carreira e um grande presente para sua legião de fãs extremamente fiéis.
E o novo Fearless é até mesmo um pouco profético. Em “Fifteen” ela escreveu “você vai fazer coisas maiores em sua vida do que namorar o menino que faz parte do time de futebol” e precisamos admitir que a Taylor Swift tem se esforçado e conseguido fazer coisas muito maiores do que a Taylor Swift de 18 anos ou qualquer outra pessoa imaginou.
Taylor Swift – Fearless (Taylor’s Version)
Lançamento: 09 de abril de 2021
Gravadora: Republic
Gênero: Country Pop
Produção: Taylor Swift, Christopher Rowe, Jack Antonoff, Aaron Dessner
Faixas:
01. Fearless
02. Fifteen
03. Love Story
04. Hey Stephen
05. White Horse
06. You Belong With Me
07. Breathe (feat. Colbie Caillat)
08. Tell Me Why
09. You’re Not Sorry
10. The Way I Loved You
11. Forever & Always
12. The Best Day
13. Change
14. Jump Then Fall
15. Untouchable
16. Forever & Always (Piano Version)
17. Come In With The Rain
18. Superstar
19. The Other Side Of The Door
20. Today Was A Fairytale
21. You All Over Me (feat. Maren Morris) (From The Vault)
22. Mr. Perfectly Fine (From The Vault)
23. We Were Happy (From The Vault)
24. That’s When (feat. Keith Urban) (From The Vault)
25. Don’t You (From The Vault)
26. Bye Bye Baby (From The Vault)