Capa de Super What?, de CZARFACE e MF DOOM.
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Review: CZARFACE & MF DOOM – Super What?

No último dia de 2020, o mundo do hip-hop e da música como um todo recebeu uma notícia trágica e ao mesmo tempo inesperada: a morte do rapper Daniel Dumile, que entre outras personas, assumia a identidade de MF DOOM.

Como um super-herói (ou um vilão?), sua vida sempre se envolveu em mistério, mesmo nos últimos instantes. Porém, é inegável a sua importância e o quão órfão ele deixou milhares de fãs. Sendo assim, Super What?, mais uma de suas colaborações – a primeira lançada de forma póstuma – com o supergrupo CZARFACE é um alívio para quem ainda não se acostumou com o falecimento de uma das figuras mais icônicas da história do rap.

Mais do que isso, o álbum é uma forma de consolidar tudo que fez de MF DOOM único: as rimas cheias de referências geeks e estranhas, com beats e samples ainda mais bizarros.

Mas essas características aparentemente se afloraram ainda mais nesse recente lançamento; afinal, o próprio CZARFACE é formado por membros que são conhecidos por não seguirem uma linha mainstream. Estamos falando do duo 7L & Esoteric, além de Inspectah Deck, membro do lendário Wu-Tang Clan. Esse é o segundo disco resultado da parceria entre MF DOOM e o supergrupo, já que ele sucede Czarface Meets Metal Face.

O supergrupo CZARFACE, formado por 7L & Esoteric, e Inspectah Deck. (Créditos: Discogs)

Uma despedida perfeita para MF DOOM

Ainda que Super What? não alcance o status de um dos melhores trabalhos nos quais MF DOOM se envolveu durante a sua vida, e que ele tenha sigo gravado em Abril de 2020, meses antes da despedida de DOOM, podemos considerá-lo uma despedida perfeita para o rapper.

Afinal, ele se reuniu com artistas talentosos, que combinam com o seu interesse em experimentar e fugir das caixinhas pré-estabelecidas no estilo. O disco conta com a participação de Del the Funky Homosapien, DMC, Kendra Morris e Godforbid. Aliás, uma reunião de nomes, que ajudam MF DOOM, na sua aura de vilão, a combater um “herói” no qual ele sempre enfrentou e venceu: as melodias convencionais.

Aliás, na época da criação do CZARFACE, Inspectah Deck afirmou que o primeiro álbum do grupo não tinha nenhuma meta, mas apenas “criar algo que valesse a pena ser escutado”. Expandindo isso pra os outros trabalhos do grupo, podemos sentir que isso ainda persiste, e casa perfeitamente com o que MF DOOM sempre propôs enquanto artista.

CZARFACE e MF DOOM: uma parceria que se mostra mais afiada do que nunca em Super What?.

Uma história em quadrinhos onde o maior inimigo é o normalizado

Quando eu disse anteriormente que Super What? era a despedida perfeita de MF DOOM, era pelo fato dele canalizar diversos elementos que fizeram parte da sua carreira. A admiração e referência aos quadrinhos nesse álbum é mais forte do que nunca. Se resgatarmos o porquê MF DOOM se apropriou dessa estética, Super What? ganha um fator ainda mais positivo.

Dumile virou MF DOOM após o abandono por parte da Elektra Records, sua antiga gravadora na época que o mesmo fazia parte do KMD. A partir daí, MF DOOM se tornou um vilão que buscava destruir a indústria. Nesse sentido, é impactante pensarmos que o primeiro trabalho lançado após a sua morte trata de algo tão simbolístico para quem foi o rapper.

MF DOOM portando sua icônica máscara em uma de suas apresentações. (Créditos: Peter Kramer/Getty Images/The Guardian)

Voltando ao álbum, essas referências estão do começo ao fim, e são marcantes. O disco se inicia com “The King and Eye”, faixa que incorpora alguns elementos do hip-hop dos anos 80 nos seus beats. Além disso, a música conta com a colaboração do incrível D.M.C, e é uma das melhores do trabalho.

Czarwyn’s Theory of People Getting Loose” e “Mando Calrissian”, canções que sucedem a faixa de abertura, apresentam mais variações melódicas e referências geeks. No caso de “Czarwyn”, vale ressaltar o flow de Esoteric, que acompanha esse universo expandido de Super What?.

DOOM unto others” traz uma sonoridade sombria, que poderia ser a trilha sonora de um vilão marcante (como Dr. Doom, personagem que inspirou Dumile). “Jason & The Czargonauts” exibe um instrumental mais sufocante, deixando o clima do disco ainda mais obscuro, e confirmando a incrível produção do registro. Vale ressaltar também a colaboração de Del The Funky Homosapien, algo que agrega demais, uma vez que seu flow é bastante marcante.

O clima misterioso de Super What? na segunda metade do disco

O mistério que ronda Super What? – talvez pelo intensivo uso de avatares que representam cada um dos artistas envolvidos – se intensifica na segunda metade do álbum, e com toda a certeza transparece na sonoridade.

Nessa parte do registro, há uma variedade ainda maior de betas, como se não pudéssemos esperar o que vai acontecer (com exceção de “This Is Canon Now”, que soa um pouco repetitiva, graças as suas rimas).

Por outro lado, “Break In The Action” é tranquilamente a melhor faixa do álbum, ao abraçar o jazz, com um sax hipnotizante que acompanha os beats. “A Name To The Face” é um interlúdio que sem dúvida corrobora com essa estética enigmática, explorando samples de diversas entrevistas que focam em uma questão: “Quem é Czarface?”.

Posteriormente, essa atmosfera explode com “So Strange”, penúltima música do disco, e a participação mais icônica de MF DOOM em Super What?. Desse modo, MF DOOM questiona a sua própria identidade, canalizada pela intro da faixa: “Por que eu uso uma máscara?. Esse ar desconhecido que ronda o trabalho também é transmitido pelo ritmo da faixa, com uma ausência de beats, como se eles se escondessem.

Por último, temos “Young World”, uma faixa que foge um pouco da temática do álbum, com uma mensagem mais positiva. De qualquer forma, inegavelmente ela maximiza as qualidades tanto de CZARFACE quanto de MF DOOM, nas rimas e na produção.

O adeus de um vilão – ou melhor, do super-herói do hip-hop underground

Mesmo que Super What? não seja o melhor lançamento de 2021 até agora, em contrapartida o álbum se valoriza por questões que estão dentro e fora dele.

No seu interior, encontramos variedade de ritmos, colaborações incríveis e rimas afiadas. Enquanto que no seu exterior, temos o adeus de um dos rappers mais importantes para a cena alternativa de todos os tempos. Assim, com Super What? temos a confirmação de que muito mais do que um vilão, MF DOOM transformou e salvou o universo underground do hip-hop.

CZARFACE & MF DOOM – Super What?

Lançamento: 7 de Maio de 2021
Gravadora: Silver Age
Gênero: Rap
Produção: The Czar Keys

Faixas:
01. The King and Eye
02. Czarwyn’s Theory Of People Getting Loose
03. Mando Calrissian
04. DOOM Unto Others
05. Jason & The Czargonauts
06. Break in the Action
07. A Name to the Face
08. This Is Canon Now
09. So Strange
10. Young World