ATENÇÃO: esse texto pode conter spoilers.
A Saga Crepúsculo, Garota Infernal, Esquadrão Suicida, A Prova Final, Batman Eternamente: são muitos os filmes que dividem opiniões sobre a qualidade do roteiro, das atuações ou até mesmo da direção, mas são elogiados pela trilha sonora. E Bela Vingança acaba de se juntar a esse nem tão seleto hall.
Isso porque Promising Young Woman, título original do filme, não é apenas o mais novo detentor do prêmio de Melhor Roteiro Original da Academia, apesar das críticas feitas por especialistas e fãs de cinema: o longa tem uma das melhores trilhas sonoras dos filmes que fizeram parte da temporada de premiações de 2021.
Antes de sabermos o que faz essa trilha sonora tão especial, vamos falar sobre o filme.
Em sua estreia na direção de longa-metragens, Emerald Fennell usou a estética pop para criar o que ela chamou de uma “bela armadilha”. Nessa armadilha, cenários instagramáveis cheios de doces coloridos e cores fluorescentes, tons pastéis e referências religiosas são utilizados para contar uma história de horror: a busca por vingança protagonizada por Cassie Thomas — interpretada maravilhosamente por Carey Mulligan — após o estupro praticado e gravado por estudantes de medicina contra sua melhor amiga, Nina Fisher.
Fica a cargo do espectador decidir qual é o horror do filme, porém. Se, para as mulheres, o estupro, a impotência, a não punição para quem cometeu esse crime e os traumas decorrentes dele são a fonte do medo, esse sentimento pode surgir para a maioria dos homens pela maneira como Cassie arquiteta sua vingança, repreendendo homens que a levam supostamente bêbada para casa e tentam abusar dela, expondo-os para seus amigos e família e pelo medo constante da destruição de suas carreiras.
Desde a quase interminável sequência de violências praticadas contra as mulheres durante as quase duas horas de filme até o ato de vingança final, que de belo não tem nada, não há um momento de felicidade para essas mulheres, seja para Cassie, para sua mãe, para Nina, para a mãe de Nina, a chefe de Cassie (interpretada por uma Laverne Cox pouco aproveitada) ou até mesmo as que, de um jeito ou de outro, acobertaram o crime pelo qual Cassie está se vingando.
No filme, os momentos catárticos que supostamente deveriam surgir após cada ato de vingança não existem e os espectadores – ainda mais as mulheres – são lembrados a todo tempo que, mesmo quando a revanche pode provocar alguma satisfação, ela é logo substituída por angústia, desespero ou mais violência pois, de uma maneira ou de outra, em Bela Vingança, não é isso que vai ferir tanto quem violentou quanto quem foi violentado.
Talvez a ideia de promover esse como um filme feminista seja um erro e essa seja a verdadeira armadilha, não para os espectadores, mas para a própria Emerald Fennell.
Mas, vamos falar sobre a verdadeira estrela do filme: a trilha sonora de Bela Vingança.
Quem está na trilha de Bela Vingança?
É interessante notar que Margot Robbie é, definitivamente, uma produtora de filmes com boas escolhas musicais. Foi ela quem produziu Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa, que conta com músicas de Megan Thee Stallion, Normani, Doja Cat e Halsey em sua trilha.
Em Bela Vingança, também produzido por ela, a boa curadoria continua: a mistura entre artistas já conhecidas e com carreiras consolidadas, covers de canções famosas e gravações de artistas indies e que ainda não são tão conhecidas pelo público geral é o grande acerto da trilha.
A abertura com o remix de DROELOE para “Boys”, de Charli XCX, dita o tom do filme, fazendo com que o pop já presente na estética se torne ainda mais relevante em um filme que ainda tem covers de “It’s Raining Men”, clássico consagrado na voz de Gloria Gaynor que ganhou uma versão eletrônica na voz da estadunidense DeathbyRomy, e “Nothing’s Gonna Hurt You”, do Cigarettes After Sex, cantado por Donna Missal.
Cyn, cantora descoberta por Katy Perry que participou da trilha de Aves de Rapina, é autora de duas faixas, sendo “Drinks” a mais interessante. Sky Ferreira e MUNA estão lado a lado com a venezuelana Carmen DeLeon cantando “He Hit Me (and It Felt Like a Kiss)” — composição de Carole King que se tornou famosa na voz do girlgroup The Crystals —, e Fletcher, que tem se tornado popular nas redes sociais desde o lançamento do EP you ruined new york city for me.
Mas os maiores momentos do filme ficam por conta de músicas de artistas muito conhecidos. Sejam por suas carreiras musicais ou não.
O primeiro deles é a única sequência feliz e leve do filme ao som de “Stars Are Blind”, faixa que faz parte de Paris, primeiro disco de Paris Hilton. Sim, a Paris Hilton, herdeira dos hotéis Hilton, famosa pelo reality show The Simple Life e que passou de queridinha da mídia dos anos 2000 à velha amiga de Kim Kardashian durante a década passada é responsável pela trilha da melhor parte de Bela Vingança. A cena é tão convincente — e o refrão de “Stars Are Blind” é tão divertido e grudento — que quase nos convence de que Paris Hilton deveria ter insistido na carreira de cantora. E também nos faz colocar a música entre as mais tocadas do Spotify sem querer.
Última faixa do disco lançado para promover a trilha sonora, “Toxic”, de Britney Spears, ganhou uma versão instrumental, sombria, totalmente inesperada e exclusiva pelas mãos do compositor Anthony Willis, responsável pelas ótimas músicas instrumentais do filme que chamou a faixa do In The Zone de “uma das maiores músicas pop dos anos 2000”.
É esse cover que compensa e até disfarça a decepção com o momento que deveria ser o mais catártico do filme, mostrando que, às vezes, a única coisa que pode melhorar (ou salvar) um filme não tão bom é Britney Spears.
Bela Vingança estreou dia 16 de maio nos cinemas brasileiros. Mas, estamos no meio de uma pandemia, então pense duas vezes antes de ir ao cinema e mande mensagem nas redes sociais pedindo para a produtora colocar o filme no streaming.