Conheci o Nanasai sem querer. Estava ouvindo música no YouTube quando me deparei com um vídeo relacionado ali na lateral que me chamou a atenção. Afinal, o título era “Cansei De Menina Indie (Clipe Oficial)”. Tive que assistir, claro! A expectativa é de que fosse um vídeo de humor, tiração mesmo, mas qual não foi minha surpresa quando me peguei curtindo de verdade a música e morrendo de rir da letra. Ei-lo:
Não era zoeira, era um “cover”(uma releitura, na verdade) do Nanasai para a canção original da banda Amsteradio, do Rio de Janeiro (e que, adivinha… é indie. Hahahahaha. E que aparentemente, infelizmente, acabou). O vídeo era bom demais pra ser apenas uma paródia, então fui pro canal ver as outras músicas e foi aí que a minha cabeça explodiu.
Nanasai é o projeto solo autoral de Eduardo Saito, um cara de 20 e poucos anos do interior do Rio de Janeiro que foi morar no Japão e começou a fazer umas músicas em estética bem lo-fi, com letras românticas e/ou debochadas em português e vídeos lindos acompanhando. No ano passado, ele ainda conquistou um grande feito: entrou para a hotlist da revista Rolling Stone com o single Shawty.
O Edu começou a divulgar suas músicas em 2018. Feitas de forma bem caseira, com ele gravando no próprio quarto, o estilo seguia uma linha que mistura pop, rap e R&B e que tem sido muito querido na internet pelos xóvens (uma música bem geração Z, do tipo que viraliza no Tik Tok em vídeos fofos). São canções mais românticas, com beats e rimas cadenciadas e vocal mais falado que cantado. Nessa época saiu seu primeiro disco, Mood.
Em 2019, chegou o segundo disco, Polaroid, e o primeiro sucesso: o single “Joias do Infinito” (SIM, é inspirado no filme dos Vingadores, da Marvel), que chegou a mais de 2 milhões de plays no Spotify e 200 mil views no YouTube só no clipe oficial (que vale a pena assistir, aliás). Desde então, Edu deu uma mudada no som e foi ficando cada vez mais indie e rock’n’roll, debochado e guitarreiro. E foi aí que ele chegou na sua melhor fase, culminando no lançamento do novo disco Desculpa Mãe, Eu Sou Indie, que saiu em fevereiro de 2021 e já é um forte candidato a melhor álbum do ano.
Entre as demais faixas do disco, além de “Cansei de Menina Indie”, minhas preferidas são “A Japonesa”, do lindo clipe acima; “Otaku Raiz” (outra música que você morre de rir com a letra e as referências) e “Eu Tô Caindo Por Você”, com participação especial da Lou Garcia. O disco inteiro é cheio de convidados, aliás, com o incrível Matheus Who, ZéVitor, Ítalo Ribeiro e Stéfano Loscalzo.
Mostrei o Nanasai pra um monte de gente e todo mundo adorou. Espero que você também goste! De tão encantada que fiquei com as músicas, resolvi conversar com ele. Confira abaixo a entrevista exclusiva sobre esse último lançamento, como foi morar no Japão, a vida em São Paulo e o que inspira sua arte.
Bá Monteiro – Seu som teve uma clara mudança nesse último lançamento. Isso foi proposital?
Nanasai – Sempre gostei desse movimento indie (bandas como Rex Orange County, The Strokes, Boy Pablo, Arctic Monkeys, Terno Rei, Walfredo em Busca da Simbiose, Summer Salt e afins), porém, nunca tinha tido os recursos para fazer esse tipo de música (que também sempre achei um bicho de sete cabeças). Mas bastou eu fazer uma vez que me apaixonei. Então, sim, essa mudança foi proposital. Como sou um artista indie, não fico limitado a tocar ou cantar somente um estilo. Acho que essa é a graça, a versatilidade e a independência de cantar o estilo que eu quero, mas lógico, meu público sempre foi bem receptivo com todos os estilos que eu trago.
Muitas das suas músicas falam sobre relacionamentos e amor. É o que mais te inspira a compor? E a história de “Estações”, é real?
“Estações”, de Nanasai, foi inspirada pelo clipe “Partilhar”, de Rubel e ANAVITÓRIA. É uma música bem emotiva e melancólica que homenageia todos os brasileiros que já moraram no Japão e já se apaixonaram por alguém que foi embora ou que tiveram de deixar para trás.
Atualmente, sou casado e bem resolvido romanticamente, mas nada me impede de compor músicas sobre corações partidos e amores futuros. Brinco até com minha esposa dizendo que já compus tudo que podia sobre amores antigos e sobre meu amor atual, então acabo buscando, de certa forma, amar outras pessoas para fazer novas histórias sem me envolver sentimentalmente. Digo, com base no amor, podemos compor sobre felicidade, tristeza, saudade, esperança, começo e fim. Eu entendo o amor como argila, podendo ser moldada baseado no que queremos.
“Estações” é baseada em um cotidiano muito comum no Japão, de certa forma é uma história real, mas não uma história minha. É frequente nos despedir de amigos e vice e versa quando moramos naquele país, falando como um adolescente, quem decide ficar no Japão ou voltar para o Brasil são os nossos pais e, baseado nessas escolhas, histórias como a de “Estações” são criadas todos os dias no Japão desde os anos de 1990.
Ainda que muitas músicas suas sejam românticas, eu também percebo um tom debochado em todo seu trabalho, com muito humor, leveza e inteligência. O que te inspira a fazer esse tipo de conteúdo esperto e engraçado? Tipo, “daonde” veio a música do Doritos? “Eu Amo Muito Mais Doritos Do Que Você é uma das minhas preferidas!
Eu nunca fui um dos amigos mais engraçados, mas sempre me esforcei pra ser o divertido da turma. Como sou gordinho, eu tinha um complexo muito grande com aparência e tentava compensar com humor e ser um pouco culto. Como me comunico com um público mais novo do que eu, acabo sendo mais fácil de conversar nessa linguagem. Sobre a música do “Doritos”, foi uma tentativa falha de patrocínio (risos). Fui notado pela Doritos em um dos meus posts do Instagram e Twitter, o que me deu uma pontinha de esperança. Acabei fazendo a música como se fosse um jingle de campanha, mas por não ter notoriedade aos olhos da marca, penso eu, acabou não rolando nada.
Como foi a experiência de morar no Japão? Acha que isso teve impacto direto na sua música?
Ir para o Japão foi a realização de um sonho de infância que foi vivido tarde demais. Não foi uma experiência muito boa para um adulto recém casado querendo viver seus sonhos. Como todo Otaku, você pensa que vai pra lá e vai viver e falar como todos os animes e mangás que você consumiu na sua adolescência, mas não.
Você vai, não sabe falar o idioma, tem que trabalhar de 8 a 12 horas por dia dentro de uma fábrica, fazendo serviço repetitivo e pesado, e não consegue aproveitar seus finais de semana porque ou você trabalha ou você dorme pra na semana seguinte trabalhar em um turno completamente invertido (uma semana no período do dia/tarde e na outra de madrugada). É, as responsabilidades batem na sua porta com um monte de boleto! Mas tecnicamente fomos para tentar uma vida melhor e resolver alguns problemas familiares. E sim, estar no Japão me deu oportunidade de investir na música, comprar equipamentos e, consequentemente, escrever com uma perspectiva um pouco mais densa sobre as coisas.
Você já voltou para o Brasil? O disco novo foi feito aqui?
Sim, voltei em março de 2020 e meu disco foi gravado no começo de dezembro, feito INTEIRAMENTE no meu quarto. Quando me mudei pra São Paulo (atualmente moro na Liberdade), acabei enfrentando um probleminha chamado cidade grande: carros nunca param, aviões, buzinas…então a tarefa de gravar em casa ficou um pouco mais complicada, mas não impossível. No interior era mais tranquilo, gravava de tarde pra de noite e tava tudo certo, não tinha problema com som porque tinha a acústica do quarto na casa dos meus pais. Em contrapartida, aqui em SP eu tenho a possibilidade de ir para um estúdio gravar as coisas. O tempo que eu tenho pra trabalhar nas músicas acaba sendo maior aqui em São Paulo, gravando os instrumentos em um dia e os vocais no outro pra não atrapalhar nenhum vizinho. No interior, era tudo de uma vez só.
Fala um pouco sobre as participações especiais do disco.
Sempre achei São Paulo um lugar que se encontra e acontece de tudo. E essa foi a premissa da faixa 03, que gravei com o Stefano Loscalzo. Sempre fui fã do Stefano, desde o estilo de composição, timbre vocal até a estética de estilo.
Italo Ribeiro foi uma sugestão do Spotify, o cara é um artista incrível e o jeito que ele compõe me deixou maravilhado, conseguimos entrar em contato e trocar várias dicas até que chegamos no conceito de escrever como nos sentimos em relação a pessoas que amamos, daí surgiu o refrão de “Chá De Hibisco”, a faixa 04 do álbum. Matheus Who é uma referência do indie brasileiro. Carioca da gema com uma estética diferente dos artistas brasileiros. Por sorte, eu e o Matheus compartilhamos de um mesmo sentimento que só existe por quem vive ou viveu um relacionamento à distância. “Por Onde Você Passar”, a faixa 06, fala exatamente disso.
A faixa 09, “Sabrina E Sua Poção Do Amor”, fiz com o ZéVitor, um cara que conheci através do Rafael (Kamaitachi). O Zé tem uma linha de composição bem efêmera e mística. Isso me fez pensar em fazer algo diferente com ele, juntando essa vibe efêmera com uma vibe de bedroom pop praiana com um sotaque carioca bem puxado. Falamos sobre estarmos apaixonados por uma bruxa chamada Sabrina. Vale ressaltar que tem uma homenagem ao Kamaitachi e sua música “Morgana”, como um agradecimento por me apresentar um artista incrível!
A faixa 11, última faixa do álbum, fecha esse ciclo com chave de ouro com uma querida amiga, Lou Garcia, que inclusive me ajudou na composição da faixa 10 (“Eu Odeio Rosas”). “Eu Tô Caindo Por Você” é uma música sobre um romance adolescente. Qualquer adolescente que escutar aquela música vai respirar fundo e se identificar na hora. Faz parte do crescimento do adolescente se apaixonar e essa música fala exatamente disso, timidez, insegurança e amores à flor da pele.
Reparei nas letras de “Otaku Raiz” e “Japonesa”, você morou no Japão, tem alguns trechos em japonês em outras música suas também. Você é descendente de japoneses? E quando morou lá, rolou preconceito por você ser brasileiro?
Fato engraçado: eu não tenho ascendência japonesa. Eu peguei o sobrenome da minha esposa, que é sansei, por motivos de facilidade lá no Japão, porque já havíamos decidido que iríamos para lá quando ficamos noivos. Mas a cultura japonesa sempre foi MUITO presente na minha vida, sendo que minha mãe cresceu em colônia japonesa e minha avó dava aula de português aos japoneses recém chegados ao Brasil. Em contrapartida, eu sofri preconceito no Japão, sim. Por ser estrangeiro, por causa da altura, por causa do peso e afins.
Essa vivência com a cultura japonesa acabou impactando na sua arte de alguma forma?
Tudo que acontece na minha vida tem impacto na minha arte e isso que é muito interessante, se eu vejo que estou caindo em um barco de mesmice, eu acabo remando contra a maré até achar um caminho diferente pra mudar minhas visão das coisas.
Conta um pouco sobre sua ligação com a cidade de São Paulo, o clipe feito na Liberdade etc.
São Paulo foi um dos poucos lugares que eu realmente me sinto EM CASA, mesmo não sendo paulista. Como fui nascido e criado no interior, fiz vários amigos online que de grande maioria eram daqui. Então, viver por aqui sempre foi algo reconfortante, como se eu nunca tivesse saído de São Paulo.
Como você começou a tocar e a fazer música autoral? E como é gravar em casa?
Comecei a tocar violão com 10 anos e sempre fiz minhas letras, porém elas, como qualquer iniciante sem conhecimento, eram péssimas. Eu usava aparelho de contenção, então era péssimo pra cantar e eu morria de vergonha. Quando eu me lancei como Nanasai, comecei a fazer beats de lo-fi e, por incentivo de um dos primeiros artista de sadsong que eu conheci, o Gaki, acabei criando coragem pra cantar em cima dos meus beats de uma forma mais triste e melancólica até começar a fazer mais músicas felizes, românticas e divertidas.
Fazer músicas em casa pra mim sempre foi a ÚNICA opção, já que não tinha muita grana pra investir nisso, assim fui me empenhando a estudar tudo sozinho o máximo que pude. Hoje eu tenho bastante conhecimento em todas as partes de criação de uma música, desde a pré até a pós produção, marketing, estratégia e distribuição. A falta de grana nos deixa mais criativos!