Muita gente acha que o punk morreu, mas ele sempre aparece para pogar bem na nossa cara e mostrar que não. Em plena pandemia e difícil ano de 2021, muitos artistas continuam trabalhando apesar de todas as adversidades e lançando bons materiais inéditos.
É o caso da banda paulistana O Preço, que soltou no fim de fevereiro seu novo EP Sonhos da Televisão tanto nos serviços de streaming quanto em compacto de vinil de 7 polegadas (chique). O lançamento é uma parceria dos selos Detona Records, Neves Records e Vertigem Discos, com tiragem limitada a 300 cópias físicas com capas disponíveis nas cores, azul, vermelha e verde e vinil transparente (muito chique).
O líder do grupo é ninguém menos que o veterano Christian Targa, ex-Blind Pigs, banda onde era conhecido pelo apelido “Gordo”. Com 30 anos de punk nas costas, ele continua fazendo o que sabe de melhor: compondo, tocando guitarra e cantando, mas agora é o vocalista principal. As duas músicas inéditas do compacto, “Sonhos da Televisão” e “Futuro Infeliz”, têm letras em português cheias de críticas sociais e políticas e instrumental que vai agradar quem era fã dos Porcos Cegos, bem na pegada de street punk e cheias de energia, do tipo que, quando você ouve, dá vontade de sair correndo, pulando e gritando. Ai, que saudades de um show, né, minha filha? Quando será que vamos poder dar um mosh novamente?
O Preço lançou seu álbum de estreia em 2019 e, desde então, foi de power trio para quarteto. Hoje, além de Christian, a formação da banda conta com Mário Rolim na bateria, Marcos Rolando no baixo e Luccas Gordinho na segunda guitarra. As músicas do compacto foram gravadas no estúdio Yamamoto, em Santana de Parnaíba (SP), mixadas no estúdio Ardanuy (SP) e masterizadas por Bruno Pompeo.
O Blind Pigs, aliás, também fez a alegria dos saudosos fãs lançando o álbum “Lights Out” com 8 músicas inéditas que foram gravadas entre 2013 e 2015 e tinham ficado engavetadas até então. O disco já está disponível em todos os serviços de streaming e também em edição limitada em vinil colorido, com apenas 250 cópias. São três canções autorais nunca antes lançadas (“Restless Resistance”, “Steel Toe Judges” e “Not Dead Yet”) e cinco covers de bandas americanas de hardcore dos anos 80 (“Lights Out”, do Angry Samoans, “Real Enemy”, do The Business, “Misguided Memories”, do The Freeze, ““New Generation”, dos Zero Boys e “God Damn Job”, dos Replacements. Vale ouvir!
Voltando ao Preço, tivemos a honra de conversar com a banda para saber mais sobre a história do grupo e seu novo compacto, além de destacar junto ao Christian o último lançamento dos Blind Pigs, sua extensa carreira e inspirações. Confira a entrevista abaixo!
O que inspirou as letras das canções “Sonhos da Televisão” e “Futuro Infeliz”?
Christian – “Sonhos da TV” se trata das mentiras e do medo que são vendidos diariamente na televisão e mídia em geral, também sobre a exploração da fé, a verdade sempre deturpada e o descaso dos governantes, algo que nunca parece mudar. “Futuro infeliz” é sobre aquela pessoa que vive perdida e não se preocupa com o mal que faz ao próximo, seja conhecido, amigo, parente, alguém que está no caminho errado e persiste em continuar.
Mário – “Sonhos da Televisão” é um descarrego sobre a manipulação da informação. Há muito tempo somos cercados por mentiras e a história é deturpada pelos poderosos como lhes convém. Hoje, mais do que nunca, as redes sociais também servem a esse mesmo propósito, vide o que aconteceu na nossa política nos últimos anos… o projeto gráfico do EP foi baseado muito nisso. Já “Futuro Infeliz” é um tapa na cara de alguém que tá correndo pelo errado, fazendo merda e precisa de um esporro pra acordar pra vida e mudar seu futuro enquanto pode.
Christian, conta pra gente como e quando você começou a tocar guitarra e a gostar de punk rock? Quais eram e quais são suas bandas preferidas?
Christian – Eu comecei tocando violão e baixo aos 10 ou 11 anos. Aos 12 anos eu já tocava no Dila Hoods, que foi minha primeira banda. Aos 15/16 resolvi descolar uma guitarra, gostava da distorção dos pedais e tal. Sobre gostar de punk rock, eu comecei a gostar de rock bem novo, com uns 8/9 anos, quando ganhei dos meus pais a minha primeira camiseta de banda, Iron Maiden/Killers, estampa do Ed (risos). Com uns 11/12 anos me lembro que as rádios já tocavam Ramones, Sex Pistols, The Clash, Toy Dolls….foi nessa época que conheci o Henrike e tive acesso à coleção de punk e hardcore americano do pai dele, e foi aí que fechei a lista das preferidas, acrescentando o Forgotten Rebels entre outras tantas, impossível escolher uma só banda preferida, são muitas e dos mais variados estilos.
Podem contar como e quando surgiu a banda?
Christian – O Preço começou em 2016, logo depois que o Blind Pigs parou. Eu já dividia alguns vocais no Blind e decidi que queria tocar e cantar. O Preço passou por algumas formações até fecharmos o time e gravarmos o primeiro disco no estúdio Yamamoto, em Barueri, com o Fabio Yamamoto. Já a mixagem ficou a cargo do Atila Ardanuy, meu velho parceiro dos discos do Blind. Assim que o disco ficou pronto, a banda começou oficialmente para o público, já com o disco de estreia.
Marcos – Eu entrei depois, antes do Luccas. Eu tinha parado de tocar, vendi o equipamento que tinha, daí o Gordo me ligou um dia chamando pra tocar e tive que começar a ir atrás de tudo de novo. Lembro quando fui no primeiro ensaio, maior desastre, porque eu não sabia tocar com palheta, só com os dedos e o Gordo queria com palheta, daí tive que aprender.
Mário – Eu comecei a tocar nos Surf Aliens em 2016 (é uma outra banda formada pelo Christian na guitarra, Mário na bateria e Ricardo Teixeira no baixo. O power trio faz um som instrumental de surf garage) e logo já soube que o Gordo estava montando uma nova banda de punk rock, depois do fim dos Blind Pigs. Pouco tempo depois ele me disse que estavam procurando um novo baterista e perguntou se eu me interessava em fazer um teste. Acabou dando certo e demos continuidade nas composições das faixas pro álbum de estreia.
Luccas – Entrei logo depois das gravações do primeiro disco.
Por que O Preço virou um quarteto?
Christian – A banda era um quarteto antes da foto do disco, mas o guitarrista da banda na época não apareceu na sessão de fotos, alegou uma dor de barriga e tal, não vestia a camisa, não tava no time e acabou saindo da banda, foi então que decidi não esperar mais e acabamos usando as fotos e lançando a banda como trio, mas o Luccas, nosso atual guitarrista, já havia sido convidado durante as gravações e gravou alguns backing vocals no primeiro disco.
Mário – Quando comecei a ensaiar já era um quarteto… com as mudanças de formação, acabamos lançando o álbum como um trio, mas ainda em busca de um segundo guitarrista. Além de deixar o som mais encorpado, creio que o Gordo fica com mais liberdade pra ousar nos vocais. Sempre achei que o Luccas encaixaria bem na banda, foi uma questão de tempo de adaptação pra ver que dava mesmo certo pra todos.
Marcos – Quando eu entrei já era um quarteto, daí passou por dois guitarristas até chegar o Luccas. Lembro que falava pro Gordo: “deixa assim, fica nós três”, mas ele é mestre e sabe das coisas. Com duas guitarras fica infinitamente mais louco!
Luccas – Já era pra ser um quarteto, mas não sei ao certo o que aconteceu com o primeiro guitarrista, o por quê da saída dele…os caras me chamaram para participar na gravação do primeiro disco, mas na época estava um pouco sem tempo, por isso preferi não entrar de cara, para não dar mancada com os caras caso não conseguisse assumir compromissos. Mesmo assim participei do primeiro disco fazendo uns backing vocals, aí na sequência os caras me chamaram de novo, pra fazer uns shows, aí já estava de boas, com mais tempo e resolvi entrar, com muita satisfação e responsa!
Como foi fazer os vinis? Por que decidiram lançar em formato físico?
Christian – É sempre emocionante ver e ouvir nossas gravações no vinil, o formato físico traz toda a arte, as letras, informações sobre o álbum…o mesmo é com o CD, mas a ideia é apresentar os formatos físico e digital para o público escolher qual deseja ouvir e ter, mas a experiência de ouvir um disco com a arte e o encarte na mão é inigualável. É uma forma de você emergir dentro do projeto todo, além do fato do CD e Vinil entregarem um áudio com muito mais qualidade.
Vocês vão lançar um clipe para alguma das músicas novas?
Christian – Sim já filmamos uma das músicas comigo na direção do clipe, está em fase de edição.
Marcos – Puta produção esse clipe novo, aguardem!!!
Mário – Gravamos um clipe pra “Sonhos da Televisão”. Foi um trampo diferente dos anteriores, mais trabalhoso pra filmar. Pudemos contar mais uma vez com nosso parça Rogério Borges e uma galera que foi essencial no processo. Tá ficando foda!
Luccas – Vai ficar foda como os outros ficaram, logo mais estará disponível pra todos!
Tem alguma live ou show vindo aí?
Christian – Recentemente gravamos a live da Mutante Radio e Bode Preto Produções, foi bem legal juntar o time e mandar bronca (assista abaixo). Quanto aos shows, não faremos até que a situação da Covid seja resolvida. O Surf Aliens, minha outra banda com nosso baterista Mario, em breve vai lançar algumas lives, um projeto sensacional, surpresa!
Marcos – Fizemos essa live agora em fevereiro da Mutante e da Bode Preto, foi foda pacas!!! Fazia um bom tempo que não tocávamos por conta da pandemia, acho que quase um ano. Fizemos uns 3 ensaios (tomando todos os cuidados) e pimba, fomos esmerilhar!!!
Luccas – Pra quem não viu ainda, a live está disponível no nosso canal no YouTube e no canal da Mutante Rádio.
Mário – Saiu agora no fim de fevereiro. Foi demais essa oportunidade e sermos recebidos tão bem pelo pessoal da produção. Em tempos tão obscuros como estes, encaramos como um show mesmo. Acho que é o mais próximo do que poderia ser um show. Quem não viu ainda tá marcando (risos).
Gordo, você pode falar um pouco sobre o “disco póstumo” do Blind Pigs? Por que decidiram lançar esse material agora?
Christian – Quando o Blind Pigs acabou, a gravadora resolveu esperar para lançar o material. São músicas que foram originalmente gravadas para projetos diferentes (discos diferentes). O tempo passou e o material foi lançado agora, em vinil 10 polegadas e em CD, em uma baita parceria legal entre a HBB Records, Detona Records e Neves Discos.
Quais foram as inspirações para as três músicas autorais do “Lights Out”? Você costumava participar das composições no Blind Pigs, então imagino que não foi diferente com essas canções, certo?
Christian – Sim, desde o começo do Blind eu fiz a maioria das composições junto com o Henrike. As inspirações vieram do nosso primeiro disco, que tem na sua maioria músicas em inglês, mas o processo de composição foi diferente pois entramos em estúdio com as músicas sem letras e melodias de voz, algo que até então nunca havíamos feito. Levamos dois anos pra finalizar esses sons, o que também foi inédito pra gente.
E não tem nenhuma possibilidade de rolar um show do Blind Pigs pra deixar as viúvas felizes? Nem mesmo uma livezinha?
Christian – (Risos) Não… O Preço, o Surf Aliens e a Armada (nova banda dos outros ex-integrantes do Blind Pigs, Henrike Baliú – voz, Mauro Tracco – baixo e Alexandre Galindo – guitarra, que ainda conta com o músico Ricardo Galano na guitarra) estão com trabalhos em andamento, preparando altas novidades, e somando à pandemia isso seria muito difícil acontecer, ainda que estivéssemos no pique.
Gordo, sou muito sua fã desde que eu tinha 13 anos e fui num show do Blind Pigs a primeira vez. Queria que você soubesse o quanto te respeito e admiro e o quanto seu trabalho inspirou minha vida. Estou curtindo muito as músicas do Preço também, parabéns por continuar fazendo música! Sei como é difícil.
Christian – Muito obrigado, Bárbara. Muito legal saber disso, saber que marcamos uma época pra você e até hoje você ouve, sensacional, considero esse tipo de momento como um grande prêmio que a vida nos dá como músicos, obrigado! Então, eu simplesmente não consigo parar de tocar, é um vício, uma adicção, algo que eu preciso fazer, sendo fácil ou difícil. Desafio na vida todos nós temos, mas continuo enfrentando todas as dificuldades com fé, fúria e honestidade.
Por fim, querem deixar alguma mensagem pros leitores do Audiograma?
Christian – Valeu todas as pessoas que tiveram o tempo e o interesse de ler as “groséias” que este doido aqui fala (risos). Obrigado Bárbara e Audiograma pelo espaço e pelo papo, bom, ouçam O Preço, o Blind Pigs, a Armada e o Surf Aliens, se cuidem, usem máscara e se protejam, protejam os seus, não façam mal ao próximo e não votem em energúmenos! Saúde e trabalho para todos.
Mário – Valeu Audiograma pelo espaço e a todos os leitores pela força. Vamos nos cuidar pra voltarmos à nossa correria de sempre, com paciência e fazendo nossa parte, já que os donos do poder estão dificultando pra termos o que é de nosso direito como cidadãos. Vacina e segurança pra todos. Abraço!
Luccas – Um salve pra todos os leitores e todos que fazem parte da Audiograma, sempre um prazer falar sobre nosso trampo com a música, ainda mais pra toda cambada que gosta dos Punk e HC como nós…e aê cambada encosta nos nossos perfis nas redes sociais, bora acompanhar nosso trampo de perto, e já aproveita pra conferir nossos merch…”tamo junto krai” e pau no cu do Bolsonaro!
Marcos – Valeu Audiograma, valeu galera, se cuidem!!!