Pense em qualquer nome, especialmente do rock ou do pop, que tenha surgido após os Beatles. Esse artista certamente sofreu influência direta ou de alguém que foi influenciado pelo quarteto de Liverpool.
Não importa se era contemporâneo, se surgiu logo após o fim da banda, muitos anos depois ou o caminho musical que este músico seguiu: Ozzy Osbourne, Kurt Cobain e Jimi Hendrix são alguns dos fãs que os Beatles colecionaram e que também cravaram seus nomes na história da música. Essa é uma das razões para, mesmo entre as maiores lendas da música, John Lennon ser destaque.
Foi ele que começou a banda que mais vendeu discos em todos os tempos quando o nome do conjunto ainda era The Quarrymen e ainda não contava com nenhum dos três companheiros que também ficariam mundialmente famosos. Mas, além da relevância musical, Lennon era diferente também em outros aspectos.
Dono de uma personalidade única, colecionou histórias: frase polêmica sobre religião que gerou até ameaças para todos os Beatles, ideia maluca para a capa do Sgt Peppers, discursos pela paz, atitudes infames no primeiro casamento e uma segunda esposa que fugia de todos os padrões esperados são algumas das marcas de John.
Enquanto George Harrison era casado com uma modelo e Paul McCartney com uma fotógrafa bem sucedida e filha de um multimilionário, John iniciou um romance com Yoko Ono, uma asiática sete anos mais velha do que ele e que fugia de qualquer padrão de beleza. Mais do que isso, expôs seus corpos nus em uma capa de disco.
Lennon foi imprevisível na vida pessoal e na musical, compondo músicas como “A Day In The Life” e “I Am The Walrus”. É um dos quatro caras que fizeram de uma rua um cartão postal do mundo simplesmente por atravessá-la e fazer disso a capa de um disco. Morreu há exatos 40 anos e segue conquistando fãs… Nos 100 primeiros dias dos Beatles no Spotify, quase 70% dos ouvintes tinham menos de 35 anos e, quando nasceram, John já tinha falecido.
Ser fã dos Beatles, da carreira solo de John ou dele como pessoa é questão de gosto, mas a sua relevância e o impacto que ainda tem mesmo quatro décadas após a sua morte são inquestionáveis. E é por isso que ainda vale a pena conhecer mais sobre a vida do Beatle que era fã de Alice no País das Maravilhas.
A infância de Lennon
John Lennon nasceu em Liverpool no dia 9 de outubro de 1940. A separação dos seus pais quando tinha 4 anos – e, por conta disso, a mudança para a casa da sua tia Mimi – foi o primeiro grande acontecimento de sua vida.
Após a separação, o relacionamento com os pais foi bem diferente. Enquanto rapidamente esqueceu o pai, John dizia que sempre pensava na sua mãe Júlia, e a via com certa frequência. Além de morarem razoavelmente próximos e de Júlia ser irmã de Mimi, o talento artístico parece ter sido uma forma de ligar mãe e filho. Ela era cantora e comediante nas horas vagas.
Não morar com os pais provocava sentimentos distintos. “A pior dor é a de sentir que não se foi desejado. (…) Essa falta de amor invadiu meus olhos e minha mente”. Ao mesmo tempo, Lennon também via vantagens. “Às vezes, sentia-me aliviado por não ter pais. A maioria dos pais dos meus amigos apresentava poucos traços de humanidade. Suas cabeças estavam cheias de medos pequeno-burgueses. A minha estava cheia de ideias próprias”.
Lennon passava longe de ter uma vida luxuosa, embora a situação financeira da família fosse melhor que a dos outros três Beatles. Além de morar numa casa própria (da tia), frequentou colégios melhores do que seus futuros companheiros de banda.
Desde pequeno já mostrava que era diferente das outras crianças. Passava muito tempo perambulando pela casa e lendo especialmente Alice no País das Maravilhas, livro pelo qual era apaixonado e que lhe deu o hábito de desenhar os personagens da história. Rebelde, envolvia-se em discussões e de vez em quando brigava e praticava pequenos roubos; o mais frequente era o de maçãs, em Penny Lane.
O talento artístico também já era notório: além de desenhar bem, aprendeu a tocar harmônica (gaita). No entanto, apesar de já saber um instrumento, o que gerou o seu interesse por música foi ouvir o grande ídolo da sua geração, Elvis Presley.
“Depois que o escutei, senti a vida. Não havia nada mais”.
O período da adolescência
Com o passar do tempo, crescia o interesse de Lennon pela música e ele já tinha aprendido um pouco de outros instrumentos. Apesar disso, não sabia muito bem algumas coisas, tanto que afinava sua guitarra como um banjo, que Julia o ensinou a tocar. Ainda assim foi o suficiente para montar a banda The Quarrymen com alguns amigos. Entre eles estava Ivan Vaughan, que estudava na mesma escola que McCartney.
Fora da música continuava com um comportamento rebelde e, embora ele e Mimi se gostassem muito, tinham muitas divergências. Ela lhe dizia que “tudo bem tocar guitarra como hobby”, mas que ele nunca se sustentaria com a música. Quando os Beatles estouraram, algumas fãs emolduraram a frase e mandaram para Mimi, que fez questão de colocar na parede da casa que John lhe deu. E, curiosamente, no dia em que Mimi lhe disse que ele era um “Teddy Boy” (garotos rebeldes que se vestiam de forma diferente e eram mal vistos), foi quando conheceu seu maior parceiro musical.
Tudo aconteceu quando o The Quarrymen foi fazer um show e Ivan Vaughan levou seu amigo Paul para assistir. Embora McCartney fosse dois anos mais novo que John, já tocava guitarra, piano e trompete, enquanto John sabia harmônica e apenas dois acordes na guitarra. Lennon ficou impressionado não só pela formação musical de Paul, mas também por vê-lo tocando a música “Twenty Flight Rock” e pensou se valia a pena chamá-lo para a banda. Se Paul entrasse, a banda melhoraria bastante. No entanto, John teria que dividir o protagonismo do grupo com o novo integrante. Além de tocar bem, John achou que Paul era parecido com seu ídolo Elvis e acabou lhe fazendo o convite. O “sim” de Paul veio no dia seguinte.
Junto do sim veio George Harrison, que Paul apresentou a John. Paul já era dois anos mais novo do que John e George um ano mais novo do que Paul. Essa diferença de idade causou um desconforto em Lennon, porém, não significou um veto à entrada de Harrison. Os três seguiram juntos durante toda a existência da banda.
Fora da música, John também trilhava o caminho artístico. Entrou na Liverpool Art College para estudar artes. Mesmo estudando o que mais gostava, ele não tinha um bom desempenho e seu comportamento peculiar ainda se fazia presente. Arthur Ballard, um dos professores que Lennon mais gostava, já não tinha muitas esperanças com ele, até que um dia encontrou um caderno cheio de caricaturas de professores, algo que Ballard definiu como “a coisa mais espirituosa que tinha visto” em sua vida. O caderno não tinha o nome do seu dono e, só após Ballard fazer uma certa investigação, descobriu-se que Lennon era quem havia feito os desenhos. “Quando falo em interpretação, meu caro, este é o tipo de coisa em que estou pensando. É isso o que quero que você faça”, disse Arthur em uma conversa com John.
Sua tia torcia para que a faculdade afastasse John da música, mas isso não aconteceu. Curiosamente, algo que Mimi vivia implorando para John veio através da música. Lennon relutava em usar óculos mas, graças ao novo ídolo Buddy Holly, passou a infernizar a tia para comprar para ele também. Em meio a tudo isso, os encontros com McCartney só aumentavam, especialmente pela faculdade de John ficar ao lado da escola de Paul. A afinidade também crescia e novos interesses também pautavam as conversas dos dois, como a literatura.
O ano de 1957 foi importante na vida de John. Além de tudo já relatado, foi nesta época também que ele tinha mais contato com a sua mãe. Infelizmente, o ano seguinte reservou a pior data de sua vida.
No dia 15 de julho de 1958, após sair da casa de Mimi, Júlia atravessava a rua quando um carro em alta velocidade a atropelou. Uma ambulância levou Júlia para o hospital enquanto um policial foi na casa de John para lhe dar a notícia. John pegou um táxi e falou sem parar com o taxista durante todo o caminho. Quando chegou ao hospital, ela já estava morta. Anos depois, John compôs uma de suas mais belas canções: “Júlia”.
“Foi a pior coisa que já me aconteceu. Tínhamos nos aproximado tanto, eu e Julia, em apenas alguns anos”.
Apesar do trauma, John não demonstrava tristeza em público. Poucas pessoas o viram abatido, como o professor Ballard e Paul McCartney. Na verdade, a morte de Júlia foi um dos motivos para a amizade entre os dois ir para um outro nível. A mãe de Paul havia falecido há pouco tempo e conversas sobre as perdas passaram a ser comum entre eles.