Antes de mais nada, você precisa ter algo em mente: o St. Anger é o pior álbum da história do Metallica e, provavelmente, a banda não passará nem perto de repetir esse feito até o fim de seus dias.
Sabendo disso, a gente até tenta florear a história, sente uma certa empatia pelas onze músicas ou usa todas as questões internas – e que foram expostas pela banda em documentário – como atenuantes para o seu resultado final. Tem até quem diga que o álbum melhora com o passar do tempo mas, além de afirmar que essas pessoas precisam de um acompanhamento psicológico, digo com toda a certeza: isso não acontece nem ouvindo o St. Anger ao contrário.
No entanto, para falar dessa ~obra prima~ contemporânea, precisamos voltar quinze anos no tempo e abordar todo o seu contexto: o ano é 2003 e, depois de inúmeros problemas, uma das bandas mais adoradas do rock solta aquele que seria o seu oitavo trabalho de estúdio.
Foram dois anos bem conturbados na vida do Metallica com direito a vários momentos de incerteza quanto ao seu futuro, um processo de reabilitação, demissão de integrante, além das diversas tensões que se acumulavam por décadas e que resultaram na contratação de um psicólogo. Em meio a tudo isso, a vontade de fazer algo diferente. O resultado até poderia ser bom, mas quando se coloca vários ingredientes conflitantes na mão de um cozinheiro questionável, as coisas ganham grandes chances de desandar e foi o que aconteceu. St. Anger é um álbum que mirou no Nu Metal – que fazia um enorme sucesso naquele momento graças a bandas como Limp Bizkit, Slipknot, Mudvayne ou Papa Roach – e não acertou em lugar nenhum.
Foi com esse cenário que o Metallica colocou na rua o aguardado novo trabalho. Produzido por Bob Rock – aquele que muitos fãs do Metallica preferem odiar; o álbum ganhou o mundo cercado de expectativas, com uma produção visual interessante, DVD bônus com a banda tocando todas as faixas em estúdio e uma hora e quinze de coisas que, provavelmente, nem mesmo James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett conseguem explicar com tanta clareza atualmente. Com a saída de Jason Newsted, é Bob Rock quem pega o baixo para chamar de seu em todas as onze faixas.
A banda não escondia de ninguém que o álbum era resultado de uma tentativa de “sair da sua zona de conforto” e, após a mudança na formação, os remanescentes tentaram experimentar o máximo de coisas possíveis dentro do estúdio. Uma delas foi o processo conjunto de composição, com todas as letras sendo criadas pelos quatro (sim, Bob Rock também) ao longo dos dois anos, algo que nunca antes na história do Metallica tinha acontecido. Quer mais? St. Anger não conta com sequer um daqueles solos de guitarra característicos da banda, tem uma bateria que causa arrepios em certos momentos e é um registro bem reto em sua sonoridade, não deixando dúvidas de que ele só ganhou o mundo porque era algo do Metallica. Se fosse qualquer outra banda nova chegando com essas músicas na gravadora, a porta bateria na cara com a mesma intensidade que Lars soca as latas de tinta (rs) que foram usadas durante as gravações.
St. Anger pode ser alvo de várias analogias. Ele é uma espécie de Frankenstein criado pelo Metallica e, muito por isso, conta com uma música chamada “Some Kind Of Monster”. Ele também é aquele disco que você usa para torturar alguém que não gosta da banda, do determinado tipo de música ou que não tem paciência para coisas repetitivas como os quase seis minutos que parecem trinta de “My World”. Lembra quando o Felipe Neto decidiu ~explodir janelas~ ouvindo “Numb” do Linkin Park porque o seu vizinho estava ouvindo música evangélica alta? St. Anger serve bem para esses momentos.
Eu costumo dizer que ouvir esse álbum é como estar passando mal e precisar embarcar em um avião do qual você só conseguirá levantar da cadeira depois de setenta e cinco minutos. Como em todo voo, as coisas tendem a começar bem e você acha que tudo vai ser tranquilo. É assim com a sua trinca inicial de faixas, “Frantic”, “St. Anger” e “Some Kind Of Monster”. Ainda que elas já deixem claro um dos grandes problemas do trabalho, você consegue ouvir e achar coisas positivas. Consegue até pedir para a banda tocar “Frantic” nos shows.
No entanto, é quando “Dirty Window” começa que você percebe o quão complicado será encarar essa viagem. A faixa já deixa claro que aquele gosto ruim na boca de quem não deveria ter comido antes de entrar no avião vai perdurar por toda a jornada e que, por mais que tenham momentos interessantes e um banheiro por perto, as turbulências e todo o incômodo que o seu corpo proporciona irão marcar a sua experiência fazendo com que você só pense em uma coisa: quanto tempo falta para tudo isso acabar.
Sempre que ouço “Invisible Kid”, só consigo prestar atenção na bateria do Lars, que parece estar num mundo completamente diferente dos demais instrumentos ao longo de sua introdução. Já “Shoot Me Again” é o exemplo mais claro de que a banda “esticou” as músicas sem a menor necessidade para que o disco parecesse maior. Se isso é verdade ninguém sabe, mas a música deixa clara a sensação de que você – ou a banda – ativou um repeat e simplesmente não percebeu.
Por sua vez, “Sweet Amber” e “Purify” – muito criticada por uma ala de fãs – acabam sendo dois oásis em meio a tanto caos. Sabe quando você está voando e vê algo bonito ou interessante pela janela? É algo nessa linha e, assim como a imagem, elas somem do seu radar depois de um tempo. As duas, aliadas as três primeiras, também deixam claro o quanto a mão do Bob Rock colaborou para essa catástrofe na discografia do Metallica. Colocar a “culpa” apenas nele é um erro, mas não dá para esquecer que o St. Anger e todas as suas críticas acabaram colocando fim em um casamento de dez anos entre as partes. Relação essa que, para muitos fãs, teve como fruto um período de profundo comodismo (Load e Reload) ou de total insanidade, em meio a um único momento interessante, representado pela gravação do álbum ao vivo S&M.
Voltando ao St. Anger, o disco ainda tem “The Unnamed Feeling” e “All Within My Hands” que até tentam lembrar um pouco do que a banda já fez em sua carreira, mas ambas contam com os mesmos pontos desnecessários já apresentados e, se você não for a pessoa mais paciente possível, provavelmente já se cansou/irritou a ponto de não dar o menor crédito para ambas.
O grande problema que eu tenho com o álbum é que ele se tornou um dos meus “guilty pleasure” musicais. Por toda a história contada no documentário Some Kind Of Monster, a tentativa de mudança e saída da zona de conforto, além de toda a sucessão de momentos do álbum que, até hoje, me deixam incrédulo. Tudo isso faz com que eu não consiga simplesmente odiar o resultado final. Ele não é um álbum que eu tenha dificuldade para ouvir – algo que acontece com o Sonic Highways (Foo Fighters) ou o Scream (Chris Cornell) por exemplo – e até tentaria tocar algumas coisas dele na garagem se tivesse uma banda. Ele é ruim e nada vai mudar isso, mas ver tudo o que ele representa no processo de evolução da banda e saber que esse monstro foi necessário para que seus integrantes se encontrassem acabam sendo pontos mais relevantes do que saber que eu posso reproduzir os mesmos sons que o Lars fez em estúdio pegando umas latas de tinta da reforma da minha casa e umas baquetas.
Acredito que se o Metallica tivesse a chance de regravar o St. Anger com o Rob Trujillo – ou até mesmo o Jason Newsted – no baixo, se não tivesse o Bob Rock como produtor ou pudessem simplesmente tirar os minutos excessivos das onze faixas, o resultado já não seria tão criticado. Por mais que não fosse brigar pelo posto de melhor álbum da banda ou até mesmo se transformasse em um EP, tenho uma convicção de que ele não seria essa eterna Minardi – aquela equipe de Formula 1, lembra? – da discografia dos norte-americanos.
Metallica – St. Anger
Lançamento: 05 de junho de 2003
Gravadora: Elektra/Vertigo
Gênero: Heavy Metal/Nu Metal/Alternative Metal
Produção: Bob Rock e Metallica
01. Frantic
02. St. Anger
03. Some Kind of Monster
04. Dirty Window
05. Invisible Kid
06. My World
07. Shoot Me Again
08. Sweet Amber
09. The Unnamed Feeling
10. Purify
11. All Within My Hands